11 Mai 2019
"Chegamos atrasados e não participamos do pequeno grupo que decide os caminhos do mundo. Fomos colônias e nos é imposta uma recolonização para abastecer de commodities naturais os países avançados. É forçoso se incorporar ao mais forte, no caso, aos EUA, com sócios agregados com as vantagens econômicas concedidas ao seleto grupo transnacionalizado que dá sustentação a esta opção", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo, escrito.
O atual processo de globalização revela, a meu ver, duas tendências básicas: a globalização monopolar hegemonizada pelos EUA, respaldados pelas grandes corporações econômico-financeiras. É marcada por uma homogeneização de tudo. Dito numa linguagem pedestre, seria uma hamburguerização do mundo: o mesmo hambúrguer com a mesma formula, consumido nos USA, na Rússia, no Japão, na China e no Brasil.
A outra tendência é multipolar que prevê vários pólos de poder, com distingos centros decisórios mas todos dentro da mesma Casa Comum, una, complexa, ameaçada de ruína. A China hegemoniza esta tendência.
Predomina a monopolar. O “America first” de Trump significa: “só a América”. Só ela, dizem, tem interesses globais e se arroga o direito de intervir lá onde esses interesses são ameaçados ou podem ser expandidos seja por guerras diretas ou delegadas, como Trump pretendia com o Brasil, face à crise na Venezuela.
A estratégia dos EUA radicalizada depois do atentado às Torres Gêmeas, é garantir a hegemonia mundial pelos meios de destruição em massa em primeiro lugar (podem matar todo mundo) e depois pela economia capitalista, pela ideologia (Hollywood desempenha grande função nisso) que é uma forma de guerra branda (guerra híbrida) mas efetiva por conquistar mentes e corações pela via simbólica e pelo imaginário, sob o pretenso signo da democracia e dos direitos humanos.
Mas o grande meio de dominação é pela economia de cariz capitalista neo-liberal. Este tem que ser imposto a todo mundo (a China deixou-se tomar por ele para se fortalecer economicamente). Isso é feito pelas grandes corporações globalizadas e por seus aliados nacionais. Essa é grande arma, pois a outra, a bélica, funciona como dissuasão e como um espantalho pois pode destruir a todos, inclusive quem a usa.
Quem ganhar a corrida da inovação tecnológica, especialmente, militar mas também econômica, detêm a hegemonia mundial.
Que tem a ver tudo isso com a atual situação política e econômica do Brasil? Tem tudo a ver. Com o presidente Jair Bolsonaro, se fez uma opção clara pelo alinhamento irrestrito e sem contrapartida às estratégias de hegemonia mundial dos EUA.
Nos altos escalões militares e nas elites endinheiradas se faz o seguinte argumento: não temos chance nenhuma de ser uma grande nação, embora tenhamos todas as condições objetivas para isso. Chegamos atrasados e não participamos do pequeno grupo que decide os caminhos do mundo. Fomos colônias e nos é imposta uma recolonização para abastecer de commodities naturais os países avançados. É forçoso se incorporar ao mais forte, no caso, aos EUA, com sócios agregados com as vantagens econômicas concedidas ao seleto grupo transnacionalizado que dá sustentação a esta opção.
As grandes maiorias pobres não contam. São zeros econômicos. Pouco produzem e consomem quase nada. Da dependência passam à prescindência.
Qual a mudança que ocorreu no Brasil nos últimos anos? A alta cúpula do exército, os generais que têm tropa (estes que contam) teriam abraçado esta tese. Teriam deixado em segundo plano um projeto de nação autônoma. A segurança da qual são responsáveis seria garantida agora pelos EUA com seu aparato militar e pelas mais de 800 bases militares espalhadas pelo mundo afora. Esta adesão implica também incorporar a economia de cariz liberal (entre nós ultra-liberal) e a democracia representativa, mesmo de baixa intensidade.
Com Bolsonaro, o Brasil foi ocupado pelos militares. O ex-capitão, feito presidente, é a cabeça de ponta deste projeto, implantado pesadamente no Brasil. Para esta diligência faz-se necessário debilitar tudo aquilo que nos faz pais-nação: a indústria deve entrar num ritmo lento e ser substituída pelas importações, as instituições com sinais democráticos e nacionalistas, mantidas mas torná-las ineficientes, as universidades, desmontadas para dar lugar às privadas e associadas às grandes empresas, pois estas precisam de quadros formados nelas para poderem funcionar.
As pequenas brigas internas entre o astrólogo da Virgínia e os militares são irrelevantes. Ambos têm o mesmo projeto básico de adesão aos EUA e ao neoliberalismo mas com uma diferença. Os olavistas são toscos, rudes, simbolicamente violentos. Os militares comparecem com ares de educação e de civilidade querendo inspirar confiança. Mas possuem o mesmo projeto de base. Resignados, admitem que na nova guerra-fria entre EUA e China temos que optar: ou pelos EUA ou seremos engolidos pela China.
Vejo duas vias, entre outras, de enfrentamento:
A via ecológica: todos estamos dentro do antropoceno, era em que o ser humano está desestabilizando celeremente todo o sistema-vida e o sistema-Terra. Advertem-nos sábios e cientistas que se não mudarmos poderemos conhecer um desastre ecológico social que poderá destruir grande parte da biosfera e de nossa civilização. Assim o próprio sistema capitalista e sua cultura perderão suas bases de sustentação. Os sobreviventes teriam que pensar num plano Marshall global para resgatar o que restou da civilização e restaurar a vitalidade da Mãe Terra.
A via política: uma massiva manifestação popular, um tsunami de gente nas ruas, protestando e rejeitando esse modelo anti-povo e anti-vida. Os generais se sentiriam acuados pelas acusações de anti-patriotismo, provocando uma divisão interna entre os que apoiam as ruas e os que resistem. Os políticos lentamente adeririam pois não veriam outra alternativa. Desta forma poderia surgir um movimento alternativo e contrário à ordem vigente.
Poderia ocorrer muita violência em ambos os lados. Não seria descartada uma intervenção norte-americana, já que seus interesses são globais, especialmente visando a Amazônia. Resta saber se a China tolerará esta intervenção. O pior que nos poderia acontecer seria uma espécie de Síria em nosso território. O cenário é sombrio mas não impossível pois é sabido que há falcões nos órgãos de segurança estadounidenses que não descartam essa possibilidade.
A nós cabe secundar a via política com os riscos que implica. Mais importante é apresentar uma alternativa viável de um outro tipo de Brasil, soberano, com democracia participativa, justo, aberto ao mundo e disposto a ser a mesa posta para as fomes do inteiro.
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A solução da crise está no alinhamento aos EUA? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU