25 Abril 2019
Maribel e Ignacio vivem em um sobrado com um jardim interno onde brinca seu cachorro em Valencinas, nos arredores de Sevilha. Uma casa espaçosa onde, a priori, qualquer casal à beira da aposentadoria gostaria de passar essa etapa da vida. Mas essa ideia não está em seus planos. Maribel e Ignacio pretendem viver esta nova etapa de sua vida, chamada de madurescência, junto com outros amigos, cuidando uns dos outros, compartilhando hobbies, mantendo uma vida ativa e garantindo sua autonomia pessoal em um lugar projetado por eles e para eles, de acordo com suas necessidades. “Nós nos negamos a ser um fardo para nossos filhos e não queremos acabar vivendo sozinhos ou em uma residência que não podemos pagar; queremos estar rodeados de gente que nos entenda, com quem compartilhemos interesses, e que juntos possamos cuidar uns dos outros”, explica Ignacio no sofá de sua sala.
A reportagem é de Eva Saiz, publicada por El Pais, 23-04-2019.
Maribel, de 61 anos, funcionária da Junta da Andaluzia há mais de quatro décadas, e seu marido Ignacio, de 63, diretor de banco aposentado antecipadamente, buscam, como muitos de sua geração, afastar os fantasmas da solidão, do isolamento e da dependência, e encontraram no modelo de moradia colaborativa, conhecido pelo termo em inglês cohousing (“coabitação”), a solução perfeita. “A sociedade não está preparada para a madurescência”, afirma Ignacio. O cohousing é uma fórmula de convivência em que seus moradores, ou sócios, projetam e administram por conta própria o edifício em que vivem, no qual moradias privadas são integradas com amplas áreas comuns — das quais eles também se encarregam —, que funcionam como uma extensão das residências particulares. Na comunidade, geralmente constituída como uma cooperativa, todas as tarefas são planejadas e distribuídas de modo a aproveitar todas as sinergias — tanto as pessoais e profissionais dos sócios quanto as funcionais, levando em conta a arquitetura e a localização do imóvel e dos terrenos em volta. O objetivo é colaborar entre si e cuidar uns dos outros até o fim de seus dias. O casal faz parte, juntamente com quatro companheiros, da associação Abante Jubilar Sevilla, que iniciou os procedimentos para construir o primeiro modelo de cohousing da província de Sevilha.
Esse fenômeno, estabelecido há anos no centro e no norte da Europa, ainda está dando seus primeiros passos na Espanha, mas está se expandindo com muita rapidez. Atualmente há 30 projetos em todo o país, a maioria na Andaluzia, na Catalunha e em Madri. “O cohousing é uma forma de revolucionar o envelhecimento”, afirma Pedro Ponce, promotor de uma iniciativa de cohousing sênior em Huelva. A forma de envelhecer no século XXI não tem nada a ver com a do século XX. Mais uma consequência da geração dos babyboomers, a que quebrou paradigmas com o Maio de 1968. “O conceito de envelhecimento mudou, envelhecer já não é sinônimo de deterioração, é mais uma etapa, como a adolescência, com suas novas tarefas de identidade”, explica José. A. Sánchez Medina, psicólogo da universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, e especialista em moradia colaborativa. “O cohousing permite escolher com quem você quer viver e envelhecer. Essa solução habitacional permite lutar contra a solidão porque recupera as relações de vizinhança e promove um envelhecimento ativo”, ressalta o professor.
A Abante Jubilar Sevilla ainda está procurando terrenos. Esse é um dos principais obstáculos do cohousing e atrasa o desenvolvimento dos projetos. “Nossos perfis não se enquadram em muitas ofertas de terrenos urbanos públicos. Terrenos privados encarecem todo o projeto e é difícil de encontrar, porque precisamos de muito espaço”, explica Maribel. O financiamento também é um problema. Poucas instituições bancárias se atrevem a avalizar esses projetos.
Todos os projetos de cohousing, com suas variações, estão perfeitamente organizados em fases. Na primeira, o grupo motor, um pequeno número de indivíduos, define o modelo de convivência e adota as decisões por unanimidade. Em seguida vem a etapa de atrair sócios e buscar terreno e financiamento. E depois começa, finalmente, a convivência. O período entre a concepção do projeto e o início da convivência dura, em média, seis anos. “Uma certa espera é algo bom porque o grupo se une, mas se demorar muito eles podem acabar esgotados”, assinala Sánchez.
Se há algo que as pessoas que participam dessas iniciativas têm de sobra, é esperança e paciência. O cohousing não é um lar de idosos nem uma comuna de avós modernos. Cada modelo é distinto: alguns projetam mais cômodos — aconselham-se 35 ou 40 de 50 metros quadrados — ou diferentes áreas comuns (cabeleireiro, biblioteca, restaurante, banho terapêutico...), outros priorizam a uniformidade das faixas etárias, como no caso da Abante Jubilar — a média é de 65 anos —, enquanto no caso de Huelva a ideia é combinar gente mais jovem, de 40 anos, com pessoas mais idosas, “para evitar que todos envelheçam ao mesmo tempo e não possam ajudar uns aos outros”, destaca Ponce. Mas todos procuram compartilhar suas preocupações e contribuir com suas experiências pessoais ou profissionais para o projeto por meio de diferentes atividades: sessões de cinema, debates, cursos, conferências, audições musicais... E todas as atividades da comunidade são abertas para os vizinhos, porque aquilo que seus moradores buscam não é se isolar, é se integrar na sociedade.
O cohousing também não é uma alternativa aos asilos tradicionais. O que mais se valoriza é o cuidado mútuo entre todos e o que se chama de ajuda integral centrada na pessoa: promover a saúde de uma maneira personalizada, de acordo com as necessidades de cada um dos inquilinos. Todos os projetos contam com cômodos preparados para os sócios que precisarem de atenção especial. “Todos sabemos que vamos morrer aqui. Se eu estiver em uma situação de dependência, vou estar rodeado de pessoas que me ajudem”, diz Ignacio.
Embora cada iniciativa procure adaptar os diferentes modelos existentes às suas próprias necessidades, todas buscaram alguma inspiração no exemplo do centro residencial Trabensol, em Torremocha de Jarama, na comunidade autônoma de Madri, a primeira experiência de cohousing surgida na Espanha. Seus 54 sócios — cada sócio pode ser um casal ou um indivíduo, no total são 80 residentes — vivem desde 2013 sob o sistema de moradia colaborativa, uma forma de organização com a qual já estavam familiarizados, já que a maioria deles vem do mundo do cooperativismo. Um escritório de jovens arquitetos projetou para eles um edifício que atendia aos seus pedidos: que fosse bioclimático, tivesse um impacto mínimo no meio ambiente e acarretasse poucas despesas de manutenção. Os moradores se organizam em vários comitês, do de economia ao de jardinagem, e desenvolvem atividades abertas a toda a cidade. Eles têm uma lista de espera de 26 sócios.
Quem acaba de iniciar essa experiência são os membros do Residencial Antequera 51, que se mudaram para seu edifício no começo de fevereiro. Como em todos os casos de cohousing, os móveis das moradias individuais são de seus inquilinos. A perda de espaço e a impossibilidade de poder trazer tudo que tinham em suas moradias anteriores não foram particularmente traumáticas. “A mudança é a nossa mesmo”, diz Manuel Ruiz, um dos sócios fundadores. “Aqueles que já estão vivendo estão loucos de alegria”, acrescenta.
“O segredo do sucesso é a convivência”, afirma Moreno. A determinação de evitar a solidão, não se ver reduzidos a ser um fardo para os filhos e, em suma, escolher livremente como viver a aposentadoria e a velhice de maneira autônoma é a base comum sobre a qual constroem sua relação todos os sócios das diferentes iniciativas de cohousing — e é o que lhes permite superar obstáculos como a falta de terrenos e os receios dos bancos e das instituições públicas de financiar estes projetos de vida. “A idade e a vulnerabilidade são fatores que deveriam ser levados em conta pelos Governos”, sustenta Sánchez.
A administração municipal de Sevilha é pioneira em fórmulas habitacionais. Entre seus projetos está uma iniciativa de cohousing promovida pela própria administração, além de outra que é uma mistura entre essa fórmula e uma residência de estudantes no centro da cidade, que busca solucionar o problema residencial e combater os efeitos da turistificação.
Quando ao primeiro projeto, o Governo municipal já selecionou um espaço de 3.000 metros quadrados no qual construirá o imóvel, para depois ceder, por meio de um concurso, a gestão e a organização a uma entidade sem fins lucrativos. “É um modelo de envelhecimento ativo, sustentável por si só, no qual a Prefeitura é a promotora e fará o investimento completo, mas será financiado por um empréstimo que as famílias farão”, explica Felipe Castro, gerente da Emvisesa, a Empresa Municipal de Moradia de Sevilha. O Abante Jubilar se interessou por esse terreno.
O segundo projeto é mais ambicioso. A administração municipal destinou um edifício que adquiriu no centro, um antigo palácio, para um projeto de moradias intergeracionais para idosos e jovens. “Queremos que o espaço seja bastante acessível para níveis limitados de renda”, explica Felipe. Não há nada semelhante na Espanha, tampouco na Europa. Para o modelo de gestão, a Emvisesa quer se inspirar em outra experiência que também nasceu em Sevilha: Rompemoldes, um espaço no qual 20 famílias de artesãos compartilham moradia e oficina. “Diferentemente do cohousing, a organização surgiu depois que as pessoas começaram a viver ali”, explica o luthier Pablo Fernández, que mora em Rompemoldes desde sua inauguração, há seis anos. “A sociedade não nos educou para viver em comunidade, mas está nos levando a um modelo que, no fundo, é aquele em que crescemos”, afirma o arquiteto Manuel Galindo, que também vive em Rompemoldes.
Além de Sevilha, outros Governos municipais na Andaluzia, como os de Huelva, Córdoba e Antequera, assim como o de Rivas Vaciamadrid em Madri, estão promovendo iniciativas habitacionais de cohousing.
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‘Cohousing’: a revolução dos ‘velhenials’ contra a solidão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU