24 Abril 2019
Teólogos, ativistas e bispos que participaram de uma conferência no Vaticano no início deste mês sobre o poder da não violência para provocar mudanças sociais expressaram esperança de que uma futura encíclica papal ou documento magisterial reexamine os ensinamentos da Igreja Católica sobre a guerra.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada em National Catholic Reporter, 23-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os participantes da reunião entre os dias 4 e 5 de abril, co-organizada pela Pax Christi International e pelo Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, disseram que as reflexões compartilhadas pelos cerca de 80 participantes forneceram um amplo material para o Papa Francisco levar em consideração para uma possível encíclica.
“Estratégias não violentas devem ser a parte central da abordagem da Igreja para questões de guerra, paz e violência”, disse o bispo de San Diego, Dom Robert McElroy, um dos participantes do evento.
Embora McElroy tenha dito que não tinha certeza de que Francisco iria querer dedicar uma encíclica à questão, ele disse que “seria útil se o magistério e o papa se aproximassem de uma integração mais completa do conceito de não violência como uma força ativa no mundo como a resposta cristã central para elementos de conflito armado e engajamento militar”.
Marie Dennis, copresidente da Pax Christi, disse que uma encíclica papal sobre a não violência levaria o conceito “da periferia do pensamento católico sobre guerra e paz para o centro, integrando a não violência como uma espiritualidade, um estilo de vida, um programa de ação social e uma ética universal”.
“Isso contribuiria de maneira importante para uma cultura da não violência e da paz integral para a Igreja e o mundo”, disse ela.
O evento de abril foi o segundo desse tipo, após uma reunião de 2016 no Vaticano que reavaliou os antigos ensinamentos da Igreja sobre a teoria da guerra justa, uma tradição que usa uma série de critérios para avaliar se o uso da violência pode ser considerado moralmente justificável.
Vários teólogos criticaram o uso continuado dessa teoria nos tempos modernos, dizendo que tanto as poderosas capacidades das armas modernas quanto a evidência da eficácia das campanhas não violentas a tornam ultrapassada.
Os participantes do evento anterior pediram a Francisco que levasse em consideração o fato de escrever uma encíclica sobre o assunto. Eles declararam em um comunicado final: “Não há nenhuma ‘guerra justa’”.
Judy Coode, que ajudou a organizar o encontro de abril de 2019 como coordenadora da Iniciativa Católica de Não Violência da Pax Christi, disse que o evento tinha como objetivo “aprofundar uma conversa sobre o papel da Igreja no ensino e na promoção da não violência”.
Coode disse que sua organização vinha preparando a conferência há cerca de um ano, encarregando cinco grupos de trabalho ao redor do mundo para escrever artigos sobre aspectos específicos da não violência que seriam discutidos no encontro.
Entre os participantes da reunião, estavam autoridades do dicastério vaticano, incluindo o cardeal Peter Turkson, representantes de várias Conferências Episcopais, organizações católicas como a Caritas Internationalis, ativistas da não violência de várias zonas de conflito e capelães militares.
Também estavam presentes nas discussões o cardeal Joseph Tobin, de Newark, Nova Jersey; o arcebispo John Baptist Odama, de Gulu, Uganda; e o arcebispo José Luis Azuaje, de Maracaibo, Venezuela, presidente da Conferência Episcopal do seu país. O cardeal de Chicago, Blase Cupich, não pôde comparecer, mas enviou uma carta aos participantes.
McElroy descreveu as apresentações no evento de dois dias como “uma série muito pungente de engajamentos com situações tremendamente assombrosas e trágicas e, mesmo assim esperançosas em todo o mundo, onde a violência tem sido efetivamente combatida e dissuadida pela ação não violenta”.
“Muitas pessoas discutiram que, in loco, adotar uma postura de não violência em relação àquelas que normalmente seriam pensadas como situações em que a violência era a resposta, de fato, produzia resultados melhores, mais humanos, mais duradouros e mais justos”, disse ele.
Dennis observou que muitos dos participantes vinham de comunidades vítimas de violência e falaram sobre a não violência “como uma espiritualidade, uma virtude distinta, um estilo de vida enraizado no Evangelho e um instrumento potencialmente poderoso para transformar situações violentas”.
“Foi muito encorajador ver um grupo tão diversificado de pessoas com papéis muito diferentes na Igreja e de diferentes contextos e culturas plenamente engajados em articular um modo de promover uma mudança de paradigma em um mundo violento rumo a culturas da não violência e da paz justa”, disse ela.
O Pe. Emmanuel Katongole, teólogo ugandense da Universidade de Notre Dame que também participou do encontro, sugeriu que Francisco já estava “à frente” dos participantes do evento com seu foco na não violência.
Katongole apontou para o modo como o papa frequentemente fala da Igreja como um hospital de campanha em meio à batalha e para a decisão de Francisco de enfocar sua mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2017 sobre a não violência como “estilo de uma política para a paz”.
“Você pode ver que ele já está se movendo nessa direção. Ele já está à nossa frente”, disse Katongole, cujo trabalho se concentrou na violência e na reconciliação em toda a África.
“Não estamos realmente propondo algo novo”, disse ele. “O Papa Francisco já está à nossa frente nesse chamado à não violência.”
Terrence Rynne, outro participante da conferência, disse que ficou impressionado com a forma como o evento trouxe especialistas de vários continentes e com o envolvimento dos bispos presentes.
“Essa foi a parte mais marcante para mim, que a Igreja global estava presente”, disse Rynne, um teólogo que também é membro do conselho do NCR. Ele também elogiou o papel de Dennis, da Pax Christi, que ajudou Coode a organizar todos os detalhes do evento com o dicastério vaticano.
Dennis, cujo mandato de coliderança da organização internacional está terminando nestes meses após 12 anos, também foi elogiado pelo Pe. John Dear, outro participante do encontro.
“Ao longo dos anos desse processo, Marie Dennis emergiu como uma das lideranças mais importantes e influentes atualmente na Igreja global”, disse Dear, conhecido pelos seus extensos escritos espirituais e ativismo pela paz.
“Sua liderança extraordinária, junto com a abertura do dicastério vaticano, eu acho, vai trazer um imenso bom fruto para a Igreja global”, disse ele.
Katongole disse que, durante o encontro, ele estava refletindo sobre o fato de que o evento estava ocorrendo perto do 25º aniversário do genocídio de Ruanda, no dia 7 de abril.
Ele lembrou-se de ter conversado há alguns anos com um bispo do país que observou que alguns católicos haviam participado da matança e disse que seu maior desafio era “formar pessoas que possam dizer ‘não’ para matar”.
“Para mim, o genocídio de Ruanda está presente na minha mente, assim como a pergunta desse bispo: como formamos cristãos que possam dizer não à matança?”, disse Katongole. “O chamado do Evangelho é um chamado à não violência como o caminho de Deus.”
Ele disse que, se Francisco optasse por escrever uma encíclica sobre a não violência, ela “daria um tom à Igreja” que “libertaria o nosso imaginário da inevitabilidade da guerra e da violência”.
Katongole disse que imaginou que tal encíclica poderia conter reflexões sobre lugares onde as estratégias não violentas funcionaram, chamando-os de “histórias de esperança, em que você pode ver que isso já está ocorrendo”.
“Seria realmente uma encíclica sobre a esperança”, disse ele. “Eu acho que o Papa Francisco, mais do que qualquer papa, está mais em uma posição de fazer esse apelo.”
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Segunda conferência no Vaticano sobre não violência renova esperança por nova encíclica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU