23 Abril 2019
As reformas do Papa Francisco na Cúria Romana contarão com a criação de um novo “superministério” dedicado à evangelização, que terá precedência sobre o outrora poderoso órgão doutrinal vaticano.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada em The Tablet, 22-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Congregação para a Doutrina da Fé, anteriormente Santo Ofício da Inquisição, é a instituição mais antiga da Cúria e conhecida como “La Suprema”. Durante anos, ela policiou teólogos, estabeleceu as linhas demarcatórias da doutrina católica e carimbou todos os principais documentos vaticanos.
Mas, de acordo com a Vida Nueva, a respeitada publicação católica espanhola, a Congregação não ocupará mais o primeiro lugar na Cúria. Com Francisco, a Congregação para a Doutrina da Fé já perdeu uma influência significativa, e a nova constituição estabelece formalmente que ela agora estará submetida à nova missão de pregar o Evangelho.
As mudanças estão contidas na nova constituição apostólica sobre a Cúria Romana, Praedicate Evangelium (“Preguem o Evangelho”), elaborada pelo papa e pelo seu conselho de cardeais conselheiros ao longo dos últimos cinco anos, e que poderia ser publicada no dia 29 de junho, Festa de São Pedro e São Paulo.
Toda a força da constituição põe a evangelização no centro da missão da Cúria Romana, o que significa que todo aspecto do serviço civil do catolicismo deve fluir a partir disso.
“O Papa Francisco sempre enfatiza que a Igreja é missionária. Por isso, é lógico que colocamos em primeiro lugar o Dicastério para a Evangelização e não a Doutrina da Fé”, disse à revista Vida Nueva o cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, coordenador do Conselho dos Cardeais, em uma reportagem que será publicada na revista no próximo sábado e que foi vista pela The Tablet.
“Desse modo, o Santo Padre enviou uma significativa mensagem de reforma ao Povo de Deus.”
O cardeal Oswald Gracias, outro membro do Conselho dos Cardeais – que agora é composto por seis membros – destacou que esse novo departamento se tornará o “primeiro dicastério”.
Ele explicou: “O ponto-chave da nova constituição apostólica é que a missão da Igreja é a evangelização. Ela [a Constituição] coloca a evangelização no centro da Igreja e de tudo o que a Cúria faz. Esse será o dicastério principal. O título do texto mostra que a evangelização é o objetivo número um, tendo prioridade sobre qualquer outra coisa”.
Em termos práticos, o superdicastério para a evangelização surgirá a partir de uma fusão entre o Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, instituída por Bento XVI em 2010, e a Congregação para a Evangelização dos Povos, que supervisiona a Igreja nos antigos territórios de missão. Conhecida como Propaganda Fidei, é uma parte poderosa da Cúria, com um grande orçamento e influência sobre a nomeação dos bispos. Seu prefeito é conhecido como o “Papa Rosso” (“papa vermelho”).
Outra reforma estabelecida pela constituição é a instituição do Pontifício Conselho para a Proteção dos Menores como parte da Cúria, que daria uma maior autoridade ao órgão protetor das crianças instituído pelo papa e o tornaria mais eficaz. Uma das dificuldades que a comissão enfrentou foi a falta de qualquer status legal no Vaticano.
Junto com seu trabalho teológico, a Congregação para a Doutrina da Fé supervisiona os julgamentos da Igreja sobre os padres acusados de abuso sexual clerical, embora não esteja claro como o órgão de proteção dos menores trabalhará com o doutrinal nesse assunto.
Enquanto isso, a Vida Nueva relata que um novo dicastério que realiza obras de caridade em nome do papa também poderia ser criado na nova constituição.
Francisco já reforçou o ofício caritativo do esmoleiro papal, criando cardeal Konrad Krajewski, seu atual presidente, embora seu papel esteja sediado em Roma e possa ser expandido. Um departamento baseado na caridade também demonstraria que pregar o Evangelho significa que as palavras devem ser acompanhadas por ações.
“Depois da evangelização, tem que vir a caridade”, disse o cardeal Maradiaga.
Fundada em 1542, a Congregação para a Doutrina da Fé foi criada para difundir a “sã doutrina católica”.
Durante a liderança de 23 anos do cardeal Joseph Ratzinger – agora Papa Emérito Bento XVI –, ela ganhou a reputação de investigar e disciplinar os teólogos e desempenhou um papel importante nas batalhas doutrinais internas da Igreja.
Durante o pontificado de Francisco, as investigações de teólogos por parte da Congregação minguaram, e a Congregação para a Doutrina da Fé ficou em segundo plano com um papa pastoral que quer que a doutrina seja aplicada à missão da Igreja em vez de se transformar em ideologia.
Mas o cardeal Gerhard Müller, que atuou como prefeito da Congregação com Francisco até a sua demissão em 2017, argumentou que o seu papel significava que a Congregação era responsável por “estruturar teologicamente” o papado de Francisco, porque o primeiro papa latino-americano era “mais pastoral”.
No entanto, isso pareceu ser um exagero do seu papel, pois, até 1965, os papas atuaram como prefeitos da Congregação doutrinal, e é o Romano Pontífice que tem o poder “supremo, pleno, imediato e universal” sobre a Igreja.
Desde a sua saída do cargo, o cardeal Müller tornou-se um dos críticos mais proeminentes de Francisco.
A nova constituição deve enfatizar a importância do Vaticano e da Cúria Romana a serviço do papa e das Igrejas locais, colocando os bispos diocesanos em pé de igualdade com os prefeitos dos departamentos da Cúria.
Nas décadas desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), que previu um papel reforçado para os bispos e as Igrejas locais, houve inúmeras queixas de que algumas autoridades da Cúria Romana excediam sua autoridade.
Em vez de trabalhar com os bispos locais, nos últimos anos, os bispos diocesanos viram-se sendo mandados pelas autoridades vaticanas, particularmente quando se tratava de questões litúrgicas e doutrinais incômodas.
O Papa Francisco fez das reformas do Concílio a luz orientadora do seu pontificado, pedindo uma “saudável descentralização” da Igreja e conferindo mais poderes aos bispos locais no que se refere às traduções litúrgicas.
A nova constituição também prevê que sejam postos mais leigos em posições de liderança – algo falado há muito tempo – e que sejam fundidos o Pontifício Conselho para a Cultura e a Congregação para a Educação Católica em um só órgão. Não haverá mais distinções entre Conselhos e Congregações, que serão conhecidas como Dicastérios.
Mas o cardeal Maradiaga deixou claro que a reforma não tratou apenas da fusão de Congregações: “O principal objetivo é ressaltar a importância dos leigos na Igreja e para a Igreja”.
A nova constituição deixa claro que não são apenas os clérigos que precisam estar no comando dos departamentos (atualmente, há um único leigo encarregado de um dicastério vaticano – Paolo Ruffini, prefeito do Dicastério para a Comunicação).
Há também um possível rebaixamento na influência do papel da Secretaria para a Economia, antigamente liderada pelo cardeal George Pell.
O cardeal Pell, agora em uma prisão australiana depois de ter sido condenado por abuso sexual contra crianças, tentou se tornar o “administrador da Santa Sé” em questões financeiras. Mas a Vida Nueva relata que, no organograma hierárquico, essa secretaria ficará abaixo dos principais dicastérios.
O Conselho dos Cardeais deve discutir a Praedicate Evangelium, que atualiza a constituição Pastor Bonus de João Paulo II, de 1988, durante sua reunião entre os dias 25 e 27 de junho.
Embora seja possível que a Praedicate Evangelium seja promulgada pelo papa no dia 29 de junho, Festa de São Pedro e São Paulo, a data poderia ser adiada, já que as Conferências Episcopais em todo o mundo e a Cúria Romana foram solicitadas a oferecer um retorno sobre o esboço do texto. As revisões precisam ser enviadas até o fim de maio.
Não são esperadas mudanças significativas no texto, pois esta é a rodada final de consulta.
“O papa queria um processo longo, em que as ideias pudessem decolar sem deixar as pessoas para trás”, disse o cardeal Gracias.
Depois que o novo documento for publicado, o Conselho dos Cardeais continuará aconselhando o papa sobre as reformas, incluindo uma atualização do Código de Direito Canônico e o debate de novas ideias sobre questões como a gestão financeira e o papel das mulheres.
O cardeal Maradiaga disse à Vida Nueva que um Sínodo dos Bispos poderia ser convocado para aplicar a “eclesiologia prática” prevista pela nova constituição.
“O Espírito Santo continua soprando”, disse ele. “Ele não tira uma sesta nem sai de férias.”
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Papa propõe um abalo radical na Cúria Romana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU