29 Março 2019
O documentário que conta a tragédia de Zoilamérica Narváez, que também é uma metáfora da crise nacional naquele país, fará uma jornada por circuito de festivais internacionais de documentários, começando em Toronto.
A reportagem é de Iván Olivares, publicada por Niú, 25-03-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.
Sempre é difícil que uma vítima de abuso sexual decida falar com um estranho sobre sua tragédia. Mais ainda se isso for feito com uma câmera de vídeo no meio. Mas Leonor Zúniga acredita que se Zoilamérica Narváez concordou em falar com ela sobre a denúncia contra seu padrasto, Daniel Ortega, “foi porque lhe fiz duas promessas”.
A primeira, é que não faria “um filme de ódio contra seus pais. Que não me interessava mostrá-los como caricaturas diabólicas, mas tratar de entender o fenômeno da cultura da impunidade e do silêncio, com relação ao que havia acontecido. A outra é que nunca iria lhe perguntar como havia sido o abuso sexual, porque ela escreveu um testemunho, que está na Internet, e não preciso fazer isso”, explica a realizadora.
Em 24 minutos, o documentário “Exiliada” [Exilada] oferece um olhar para a tragédia de Zoilamérica, depois de denunciar, em 1998, ter sofrido abuso sexual do atual presidente da Nicarágua e a dor que representou não receber o apoio de sua mãe, Rosario Murillo. Mas, também, faz um paralelo com o abuso de poder que sofre o país atualmente.
A história vai do passado ao presente de Zoilamérica. Podemos ver como em um ato público Ortega pega o microfone e diz: “Rosario me dizia que queria pedir perdão ao povo por ter uma filha que havia traído os princípios da Frente Sandinista de Libertação Nacional”. Murillo chora. A relação com Zoilamérica estava rompida.
O filme continua contando a vida de Zoilamérica como sobrevivente de abuso sexual, vinte anos depois que acusou Ortega publicamente de estupro, e é transferida de 1998 a 2016, quando seu padrasto concorre para ser novamente presidente da Nicarágua.
Apesar de tudo nessa família ser político, Zúniga explicou em entrevista ao programa Esta Semana, que sua intenção não é política, ainda que reconheça que não é possível falar desse tema sem fazer política.
“O abuso sexual é um abuso de poder, e qualquer filme que questione o poder, é político. Não considero possível fazer um filme sobre abuso sexual, que não seja político”, assinalou a criadora.
“Interessava-me o drama interno, porque não queria fazer um filme parecido com muitas notícias sobre Zoilamérica, onde a conclusão é: ‘estão loucos, essa família está excepcionalmente com problemas’. E claro que é uma família muito particular, pelo abuso de poder, mas quero que a gente veja isso, e se pergunte: em minha casa há abuso sexual? O que eu fiz para lidar com as vítimas? Silenciei, ignorei, rejeitei a pessoa, ou fiz algo diferente?”, questiona.
Zúniga recorda que disse a Zoilamérica que “queria que ela servisse como espelho para muitíssimas famílias nicaraguenses, e muitíssimas mais ao redor do mundo, de como se sente a vítima de abuso sexual quando não acreditam nela, quando a castigam e a perseguem”.
No processo surgiu Giordano de forma inesperada, seu filho de nove anos na época, que acabaria sendo um personagem relevante no documentário. Com ele se abriu uma série de reflexões, que tem a ver com como a nova geração lida com o trauma. Isto é, os filhos e filhas das pessoas que sofrem abuso sexual.
Estas pessoas “lidam com o fato de que seus familiares não só a tiraram da família e do país, como são figuras proeminentes neste país. Era muito particular isto de ver uma mãe com um filho pequeno, vendo quando seus avós se candidatam à presidência, (em 2016) como resultado de uma conivência para esconder o abuso sexual”, narrou.
Com relação à tragédia que a Nicarágua vive desde o dia 18 de abril de 2018, Zúniga refere que “Zoilamérica disse que via que na Nicarágua estavam sendo aplicadas as mesmas estratégias e técnicas de opressão que aplicaram a ela, e me parece muito pertinente, porque o abuso sexual é um abuso de poder, e o abuso sexual se baseia, sobretudo, em desumanizar a pessoa abusada”.
Paralelamente, observa que isso é o que está acontecendo na Nicarágua. “O Governo, liderado por Daniel Ortega e Rosario Murillo, constantemente desumaniza as vozes que não estão de acordo com eles. Nunca propõem uma discussão. Simplesmente, não vale, não serve, e debaixo de sua ideia de messianismo, de pátria, justificam as agressões físicas, e até os assassinatos”.
Os planos para “Exiliada” são levar o documentário ao circuito de festivais, e apresentá-lo no maior número de países possível, organizando atividades paralelas onde for possível.
Também publicá-lo em uma plataforma online, para que esteja acessível para os nicaraguenses (sabendo que neste momento seria impossível projetá-lo em cinemas nacionais sem receber represálias).
“Se as coisas mudassem na Nicarágua, e tivesse garantias mínimas de respeito aos direitos constitucionais, como poder se reunir, questionar, e se respeitar a liberdade de expressão, gostaria de levá-lo e apresentá-lo no país, mas agora essas opções não existem”, sentenciou a cineasta.
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Nicarágua. "Exiliada" [Exilada], o retrato de uma sobrevivente de abuso sexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU