11 Fevereiro 2019
Estranho paradoxo é o que sofre o Vaticano, o Estado mais antigo e provavelmente mais autocrático do cenário internacional. De um lado, seu prestígio se desgasta a olhos vistos, corroído pelos escândalos e pelos crimes sexuais de numerosos sacerdotes e bispos. De outro, o chefe deste Estado, despojado dos luxos e da pompa dos soberanos pontífices, mantém seu prestígio e consegue que sua Igreja seja mais católica do que nunca, ou seja, mais universal, com sua abertura à China comunista e ao mundo islâmico.
A opinião é de Lluís Bassets, jornalista espanhol, em comentário publicado por El País, 10-02-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.
Justamente quando regressam os ventos de uma guerra fria multipolar, na qual os Estados Unidos, Rússia e China competem e combatem entre si, de momento digital e comercialmente, começa um derretimento milenar, quase entre civilizações e crenças. No último mês de setembro, o Vaticano e a República Popular Chinesa abriram as portas para a retomada das relações diplomáticas e para a nomeação consensual de bispos, depois de 70 anos de ruptura e de tensões nas relações exteriores e dentro do catolicismo chinês entre a igreja clandestina e perseguida dos bispos nomeados por Roma e pela igreja oficial de obediência comunista. Na semana passada, o Papa pisou pela primeira vez e celebrou missa na península arábica, concretamente no emirado de Abu Dhabi, terra natal do islã, em boa parte vetada ao culto e inclusive à visita dos infiéis.
O derretimento é entre três visões de mundo que se excluem entre si, porque cada uma delas se situa no centro de suas crenças e recusa o pluralismo e o relativismo. Pequim não pode admitir que Roma nomeie os bispos. O islã não pode admitir o proselitismo do catolicismo universalista: a apostasia leva à pena de morte. Roma não pode abrir mão nem de um milímetro de sua verdade revelada e universal. Só um Papa latino-americano como Jorge Bergoglio, surgido da pobreza dos subúrbios, poderia se atrever de uma só vez a encarar este quebra-cabeça essencial para a convivência no mundo e com a limpeza da podridão moral que corrói a pirâmide hierárquica da Igreja.
O papa Francisco é um pioneiro em muitas coisas no trono de São Pedro. Primeiro jesuíta, primeiro latino-americano, primeiro peregrino na terra do islã, também quer ser o primeiro a viajar para a China e inclusive para a Rússia. Se sua mediação no degelo entre Washington e Havana sob a presidência de Barack Obama foi decisiva, também pode ser agora na crise da Venezuela. Partida por dentro, a Igreja católica está mais aberta ao mundo do que nunca em sua história.
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Derretimento milenar. O Papa Francisco e a abertura à China e ao mundo islâmico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU