05 Fevereiro 2019
“A Igreja universal é composta por 1,2 bilhão de fiéis de várias culturas, tradições e ambientes políticos. Manter essa comunidade unida, respeitando as diferenças, é o trabalho do papa, mesmo que isso signifique diminuir as expectativas.”
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 31-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Falando a repórteres no voo de volta da Jornada Mundial da Juventude no Panamá, em 27 de janeiro, o Papa Francisco minimizou o que chamou de expectativas “infladas” em relação à próxima reunião de bispos em Roma para lidar com o abuso sexual do clero. “É preciso desinflar as expectativas”, disse ele. Ele também procurou diminuir as expectativas sobre a possibilidade de haver padres casados.
Muitos nos Estados Unidos esperam que a reunião sobre os abusos, que levará ao Vaticano os presidentes das Conferências Episcopais de mais de 100 países entre os dias 21 e 24 de fevereiro, resulte em procedimentos para lidar com bispos que não protegem as crianças dos padres abusivos.
Embora a Igreja tenha feito progressos para lidar com padres abusivos, ela ainda precisa de um procedimento para lidar com os bispos que não protegem as crianças.
As expectativas para o encontro aumentaram em novembro, quando o chefe da Congregação para os Bispos, o cardeal canadense Marc Ouellet, disse aos bispos norte-americanos que não votassem em tais procedimentos na sua reunião de outono em Baltimore. Ouellet disse que os estadunidenses deveriam esperar por uma discussão sobre a questão na reunião em Roma.
Parece agora que a reunião não desenvolverá novas políticas, mas, nas palavras de Francisco, será uma “catequese” sobre o problema dos abusos, dirigida aos bispos que não entendem a questão ou não sabem o que devem fazer em resposta aos abusos.
Também parece que a reunião estabelecerá uma força-tarefa para ajudar os bispos a implementar políticas e procedimentos da Igreja para lidar com os abusos.
“Vimos que alguns bispos não entendiam bem, ou não sabiam o que fazer”, disse Francisco aos repórteres durante a entrevista coletiva no avião.
O papa espera que a cúpula ajude os bispos a entenderem a seriedade do abuso e o que eles devem fazer em resposta. Os participantes precisam saber “o que o bispo deve fazer, o que o arcebispo metropolitano deve fazer, e que o presidente da Conferência Episcopal deve fazer”, disse.
As referências aos metropolitas (o arcebispo que é o primeiro entre iguais em sua província geográfica) e aos presidentes das Conferências Episcopais é confusa, porque eles não têm papel algum em nenhum protocolo sobre o abuso sexual neste momento. Cada bispo é o único responsável pelos padres da sua diocese. Os arcebispos e os presidentes podem fornecer liderança moral, mas não têm a autoridade para ordenar que um bispo faça qualquer coisa. Se, na reunião, eles receberem uma nova autoridade do papa para lidar com os maus bispos, isso seria algo novo.
Os comentários do papa confirmam o que eu afirmei em uma coluna anterior, que a maioria dos estadunidenses verá a reunião como um fracasso. O encontro não se dirige à Igreja dos Estados Unidos, que vem trabalhando na crise dos abusos sexuais há décadas. O encontro se destina a bispos de todo o mundo que não entendem a crise e estão cometendo os mesmos erros que os bispos norte-americanos cometeram no passado.
Assim, a reunião poderia ser uma decepção para a maioria dos norte-americanos, enquanto ainda é um sucesso para a Igreja universal.
O mesmo vale para os comentários do papa sobre a possibilidade de haver padres casados, que muitas pessoas esperam ser discutida no Sínodo da Amazônia em outubro.
“Eu não concordo em permitir o celibato opcional”, disse ele aos repórteres. Ele citou o Papa Paulo VI, que disse: “Prefiro dar a vida antes de mudar a lei do celibato”.
Mas Francisco deixou a porta aberta para situações extremas, como as Ilhas do Pacífico e a região amazônica, onde pode não haver um padre em centenas de quilômetros.
“Acredito que o problema deve ser aberto nesse sentido para os lugares onde existe um problema pastoral por falta de sacerdotes”, afirmou. “Não digo que deve ser feito, porque eu não refleti, eu não rezei o suficiente sobre isso. Mas os teólogos devem estudar.”
Ele se referiu a um teólogo que estava lendo e declarou: “A Igreja faz a Eucaristia, e a Eucaristia faz a Igreja”.
“Mas onde não há Eucaristia (...) quem faz a Eucaristia?”, perguntou Francisco. O teólogo mencionou a possibilidade de ordenar homens idosos casados para “celebrar a missa, administrar o sacramento da Reconciliação e dar a unção dos enfermos”.
A abertura do papa para discutir a ordenação de homens casados “quando há necessidade pastoral” é uma mudança positiva em relação à proibição absoluta de tais discussões nos papados anteriores. Mas a sua definição muito restrita de “necessidade pastoral” desapontará muitos na América do Norte e na Europa que acreditam que também são necessários mais padres em suas regiões.
Ao mesmo tempo, permitir padres casados em situações extremas poderia ser a ponta do iceberg de novos desdobramentos, à medida que cada vez mais regiões discutem a sua necessidade pastoral.
Ao diminuir as expectativas, Francisco está mostrando que ele não é o progressista revolucionário esperado por alguns e temido pelos conservadores. Em seu coração, ele é um pastor compassivo, mas também realista, incrementalista e pragmático. Seu respeito pela colegialidade não permitirá que ele avance muito em relação aos outros bispos.
Isso será uma decepção para alguns, mas pode ser melhor para a Igreja universal, que é composta por 1,2 bilhão de fiéis de várias culturas, tradições e ambientes políticos. Manter essa comunidade unida, respeitando as diferenças, é o trabalho do papa, mesmo que isso signifique diminuir as expectativas.
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Há bispos que ainda não entendem a crise dos abusos. Artigo de Thomas J. Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU