08 Janeiro 2019
"O fato inexorável é que o aumento das emissões de gases de efeito estufa (a queima de combustíveis fósseis, liberação de gás metano na pecuária, etc.) eleva a temperatura da atmosfera e dos oceanos e aumenta o degelo global, acelerando a subida do nível dos oceanos. O degelo total dos polos e dos glaciares poderia provocar a elevação do nível dos oceanos em algo como 70 metros. Mas apenas 5% de degelo já seria suficiente para elevar as águas marinhas em mais de 3 metros, fenômeno capaz de provocar grandes danos", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 07-01-2019.
Os dados mostram que os níveis de degelo do início de 2019 na Antártida estão batendo todos os recordes históricos.
O ano de 2019 começa com recorde de degelo nos polos. Depois de cinco anos sucessivos (2014, 2015, 2016, 2017 e 2018) de recordes de temperaturas globais, fato sem precedentes no Holoceno (últimos 12 mil anos), a deglaciação cresce e tende a aumentar o nível dos oceanos, além de liberar o dióxido de carbono e o gás metano que estão presos sob o gelo, retroalimentando o fenômeno do aquecimento global.
A tendência de perda de gelo é clara ao longo dos últimos 40 anos. As curvas do gráfico acima tem uma distribuição bimodal, pois o hemisfério Norte tem pico de gelo entre fevereiro e março, quando o hemisfério Sul está no vale (mínimo de gelo). O máximo do gelo global acontece entre outubro e novembro. Seguindo as curvas anuais (todas com este mesmo tipo bimodal de distribuição), nota-se que elas mostram uma tendência de queda em relação à média de 1981-2010, embora haja oscilações anuais de curto prazo diferentes da tendência de longo prazo.
Todavia, chama a atenção que o padrão de queda na extensão de gelo, desde setembro de 2016, não tem paralelo nos últimos 40 anos, quando se começou as medidas por satélite. A curva de 2016 sofreu uma queda abruta no último trimestre do ano (outubro a dezembro) e continuou batendo recordes de baixa nos dois primeiros meses de 2017 e 2018. Embora tenha havido variações mensais, o processo de degelo voltou a bater recordes no final de 2018 e no começo de 2019.
O derretimento do gelo marinho vem acontecendo de forma mais abrangente no Ártico, mas preocupa mais na Antártida que possui grandes plataformas congeladas sobre o continente. Na média de 1981-2010, na Antártida, a área congelada foi de 7,19 milhões de km2 no dia 01 de janeiro de cada ano. Mas no dia 01/01/2019, a área com gelo foi de 5,47 milhões de km2, uma diferença para menos de 1,73 milhão de km2 (superior a toda a área da região Nordeste do Brasil de 1,56 milhão de km2). A seguir essa tendência, parece que o verão do hemisfério sul vai reduzir a quantidade de gelo marinho para o nível mais baixo do Holoceno. Isto pode ser um presságio de uma grande catástrofe ambiental a acontecer num futuro não muito distante.
A região congelada sobre a água do mar protege parcialmente o bloco de gelo continental da Antártida de entrar em colapso e cair no mar. Por exemplo, o tempo em que a Plataforma Ross está desprotegida do gelo no mar se ampliou e, em 2019, aconteceu de maneira mais precoce: no dia de Ano Novo. O gelo marinho vai continuar diminuindo durante todo o mês de janeiro e fevereiro, podendo continuar diminuindo até início de março. Isto faz com que a energia das ondas, à medida que se infiltra no interior continente, cause fraturas e estresse nas plataformas que estão congeladas por milênios na Antártida.
Iniciado o processo de faturamento das plataformas, seria apenas uma questão de tempo até que as enormes geleiras terrestres da Antártida Ocidental, como as geleiras de Doomsday em Thwaites e Pine Island, colapsem, elevando o nível do mar em até 3 metros e inundando grande parte de todas as cidades costeiras do Planeta. Também na Antártica Oriental, pesquisadores alertaram que a Geleira Totten, uma enorme camada de gelo com volume suficiente para elevar o nível do mar em pelo menos 3,5 metros, parece recuar, graças ao aquecimento das águas oceânicas. Recentemente se descobriu que um grupo de quatro geleiras a oeste de Totten, além de um punhado de pequenas geleiras mais ao leste, também está perdendo gelo.
O nível do mar já está subindo nas últimas décadas e é cada vez maior as áreas litorâneas do Brasil afetadas pelo avanço do mar. São inúmeros casos, como os que ocorreram na Praia da Macumba, na Zona Oeste do Rio, que perdeu parte do muro de contenção colocado pela prefeitura e grandes trechos da calçada desabaram com a força das ondas; destruição de várias casas na Baía da Traição, no litoral de Paraíba; e, no início de 2019, várias casas foram impactadas na praia Barra de Cunhaú, no município de Canguaretama, a 75 quilômetros de Natal, onde três mil moradores estão ameaçados de inundação e a prefeitura decretou situação de emergência.
O fato inexorável é que o aumento das emissões de gases de efeito estufa (a queima de combustíveis fósseis, liberação de gás metano na pecuária, etc.) eleva a temperatura da atmosfera e dos oceanos e aumenta o degelo global, acelerando a subida do nível dos oceanos. O degelo total dos polos e dos glaciares poderia provocar a elevação do nível dos oceanos em algo como 70 metros. Mas apenas 5% de degelo já seria suficiente para elevar as águas marinhas em mais de 3 metros, fenômeno capaz de provocar grandes danos.
Artigo de Paul Voosen, publicado na revista Science (21/12/2018) mostra que há cerca de 125 mil anos, durante o último breve e quente período entre as eras glaciais, a Terra foi inundada, com as águas subindo de 6 a 9 metros em relação ao padrão atual. As temperaturas durante esse período (Eemiano), eram pouco maiores do que as temperaturas atuais. A fonte de toda a água que inchou os oceanos foi o colapso do manto de gelo do oeste da Antártida. Os glaciologistas se preocupam com a estabilidade atual dessa formidável massa de gelo. Sua base está abaixo do nível do mar, sob o risco de ser prejudicada pelo aquecimento das águas oceânicas, sendo que as geleiras em franjas estão recuando rapidamente.
A partir de uma amostra extraída de um núcleo de sedimentos, o artigo fornece evidências de que o manto de gelo desapareceu no passado geológico recente sob condições climáticas semelhantes às atuais. O período Eemiano não é um análogo perfeito, já que seus níveis do mar provavelmente foram impulsionados por pequenas mudanças na órbita da Terra e no eixo de rotação. Mas as evidências sugerem que o recente degelo na camada de gelo é o começo de um colapso similar, ao invés de uma variação de curto prazo.
Os dados do National Snow & Ice Data Center (NSIDC) mostram que os níveis de degelo do início de 2019 na Antártida estão batendo todos os recordes históricos. Pelo princípio da precaução a humanidade deveria se preocupar com a elevação do nível dos oceanos. Há cerca de dois bilhões de pessoas que vivem a menos de dois metros do nível do mar no mundo.
Se a história do Eemiano se repetir, áreas agricultáveis e áreas urbanas densamente povoadas ficariam debaixo d’água, elevando a probabilidade de aumento da fome, da pobreza, dos refugiados climáticos e, até mesmo, de um colapso civilizacional.
Tamsin Edwards. How soon will the ‘ice apocalypse’ come? The Guardian, 23/11/2017
Eric Holthaus. Antarctic sea ice is ‘astonishingly’ low this melt season, Grist, Jan 3, 2019
EarthSky. More East Antarctica glaciers are waking up, January 4, 2019
NSIDC – National Snow & Ice Data Center / ArctischePinguin
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