12 Novembro 2018
"Nenhum historiador poderia negar que as duas guerras mundiais produziram imensa angústia; progresso, sem um julgamento moral equivalente, surgiu como um acelerador da ruína".
O comentário é de Arnaud Montoux, padre da diocese de Sens e Auxerre, França, e cura da catedral de Auxerre, doutor em teologia, e professor no Instituto Católico de Paris, em artigo publicado por La Croix International, 10-11-2018. A tradução é de IHU On-Line.
O trabalho controverso de Francis Bacon (pintor anglo-irlandês – 1909-1992) nos força a confrontar o mais cru do sofrimento. Talvez precisemos buscar, através dessa violência pictórica, o grito de uma humanidade paralisada pela trágica história do século XX.
Ao celebrarmos o domingo do centenário do fim da Primeira Guerra Mundial, 11 de novembro, não devemos esquecer que 1918 não foi apenas um fim: para milhões de soldados e famílias (Nota de IHU On-Line: 35 milhões de mortos) marcou o início de uma longa provação de uma vida cotidiana que, quando a paz foi restaurada, nunca mais foi a mesma.
A provação de “rostos quebrados” e almas destruídas pelos quatro anos terríveis do inferno nunca permitiriam que nosso mundo ocidental retornasse ao otimismo da Belle Epoque.
Para nos apegarmos à vida, nosso mundo rapidamente se intoxicaria com todos os excessos possíveis para esquecer os desaparecidos, os rostos rasgados e as desilusões morais.
“O cheiro de sangue humano me dá um sorriso de boas-vindas”. Este verso de Ésquilo, que capta tão bem as obsessões de Bacon, é sem dúvida emblemático da vida de uma criança do século XX.
Bacon, que nasceu em 1909 e morreu em 1992, era atormentado por uma dolorosa história familiar, e desenvolveu um fascínio pela violência e pelo animalismo sensual que se escondia sob a civilização.
Um grande admirador das pinturas de Velázquez, Van Gogh e Picasso, o artista inglês foi abertamente provocativo. Seria desonesto, no entanto, retratá-lo como um original desencantado.
Quando ele disse: "Somos carne, somos carcaças em potencial", ele não está se referindo a todos os compromissos que às vezes nos levam a reduzir nossos irmãos à carne sacrificada.
Nenhum historiador poderia negar que as duas guerras mundiais produziram imensa angústia nos corações dos homens; o progresso, sem um julgamento moral equivalente, emergiu como um acelerador da ruína.
Este rosto rasgado e ressurgido não deve simplesmente ser reduzido a uma alma complicada e mórbida. Bacon adicionou esse autorretrato à galeria de rostos quebrados que por décadas povoaram nosso cotidiano com dor de esquecimento.
O trabalho não é cubista, não procura abrir novas perspectivas estéticas; é frontal, direto, surpreendentemente realista. Em sua brutalidade, é tão insuportável que Bacon nos poupa de um olhar direto.
Ele não olha para nós, ele parece um pouco à nossa esquerda. Ele alguma vez cruzou o olhar de fuga de um desses homens desfigurados, sentindo o medo ou desgosto que eles inspiravam?
De qualquer forma, esse retrato esculpido de crateras de conchas fixadas com a boca fechada nos lembra que o mistério da pessoa humana frequentemente aparece como um enigma desconcertante para quem foge dela.
“Para as almas perturbadas, sua irmã” - Essa dedicação da poeta Marie Noël, na primeira página de seu livro Notes for Myself, fala muito sobre os laços de sangue que misteriosamente unem os artistas quando são confrontados com o mal.
Nada nos dá a indiferença, e quando eles veem a obra da morte em sua própria carne ou em suas almas, eles se sentem solidários com toda a humanidade em uma frenética busca por significado.
Muitas vezes, eles não sentem nada em si mesmos além de uma miséria da qual estão condenados a falar do homem e de seu mistério (cf. Marcos 12: 38-44).
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Armistício 1918 - Um desafio para os sobreviventes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU