10 Outubro 2018
A menor criança a comparecer ao tribunal federal de imigração nº 14 era tão pequena que precisou ser levantada para subir na cadeira.
Os pés dela saíam do banco em pequenos tênis cinza, e as pernas eram curtas demais para ultrapassar o assento. Assim que o assistente social que a ajudou a se sentar se virou para sair, ela soltou um gemido e começou a chorar.
A reportagem é de Vivian Yee e Miriam Jordan, publicada por The New York Times e reproduzida por O Estado de S. Paulo, 10-10-2018.
A menina, Fernanda Jacqueline Davila, tinha 2 anos. O assistente social, um homem do abrigo que tinha sido contratado para criá-la desde que ela foi tirada de sua avó materna na fronteira com o México no fim de julho, era a única pessoa na sala que ela conhecera antes daquele dia.
"Quantos anos você tem?", perguntou a juíza, após fazer um sinal para que o assistente social voltasse para o lado de Fernanda.
"Você fala espanhol?", perguntou a juíza. Um intérprete repetiu as perguntas em espanhol. Mas ela permaneceu em silêncio.
Nesta tarde, no tribunal de imigração de Nova York, a juíza Randa Zagzoug teve cerca de 30 crianças para ouvir, com idades entre 2 e 17 anos e Fernanda foi a 26ª.
Zagzoug iniciou seu trabalho no tribunal em 2012, quando as crianças começaram a aparecer sozinhas aos milhares na fronteira, principalmente vindas da América Central. Agora que os controles de imigração ficaram mais rígidos, mais crianças estão sob custódia do governo e por muito mais tempo do que nunca - as semanas se transformam em meses em abrigos que não foram construídos com o objetivo de se transformarem em moradias.
Esses pequenos imigrantes estão presos por causa de vários motivos: a determinação do governo de Donald Trump de desencorajar os imigrantes a tentar atravessar a fronteira; o fluxo contínuo de crianças viajando sozinhas da América Central; os efeitos da crise de separação de famílias do primeiro semestre na fronteira; e uma nova política do governo que tornou muito mais difícil para os parentes reivindicarem crianças sob custódia federal.
Atualmente, os registros do governo incluem centenas de crianças em abrigos e programas temporários de adoção das que foram tiradas dos pais, dos avós ou de outros acompanhantes na fronteira. Cerca de 13 mil crianças que foram para os Estados Unidos sozinhas foram mantidas em abrigos sob contrato federal.
Tudo isso significa que há mais crianças aparecendo com mais frequência em tribunais federais de imigração como o de Zagzoug, em audiências que podem determinar se elas serão deportadas, reunidas com seus pais ou se lhes será concedido o asilo que seus pais desejam desesperadamente para elas. Muitas vezes sentam-se nos tribunais sozinhas e às vezes sem ao menos um advogado.
Nestas circunstâncias, as crianças do tribunal nº 14 tiveram "sorte". Muitas foram autorizadas a ir à noite para a casa de uma família adotiva temporária, apesar de voltarem ao abrigo durante o dia. Elas também poderiam contar com advogados da Catholic Charities, que recebe financiamento de um grupo sem fins lucrativos para representar crianças imigrantes em abrigos da cidade de Nova York.
Em uma sala de espera iluminada, o advogado Miguel Medrano passou alguns minutos tentando preparar Fernanda para o tribunal. Ele se abaixou para falar com ela, perguntando seu nome e idade e se ela falava inglês ou espanhol. Sem resposta. "Ela é muito tímida", disse o assistente social.
Até alguns meses atrás, a maioria das crianças nunca teria ficado em um abrigo tanto tempo para acabarem sozinhas diante de um juiz. Mas o difícil processo de verificação de antecedentes significa ficar mais tempo sob custódia e a possibilidade de algumas crianças terem que ver um juiz várias vezes antes de serem entregues a seus parentes. Os abrigos estão agora quase cheios — não porque mais crianças estão entrando no país, mas porque o governo impôs outro obstáculo à sua partida.
Após serem liberadas, as crianças devem enfrentar um teste mais difícil: num tribunal de imigração, em algum lugar dos EUA, terão de argumentar que correspondem aos critérios para requerer asilo ou serão deportadas. Em alguns casos, terão de testemunhar sobre o trauma que sofreram ou o perigo do qual fugiram.
As coisas eram mais simples para Fernanda, cuja família em Honduras queria que ela voltasse. Ela nasceu de uma mãe adolescente quatro meses depois que seu pai morreu em um acidente de automóvel e foi criada por seus avós paternos em um subúrbio de Tegucigalpa. Hector Enrique Lazo e Amada Vallecillos adoravam a neta.
Mas em julho a avó materna de Fernanda, Nubia Archaga, a levou por terra até a fronteira dos EUA. Nubia se entregou à patrulha da fronteira, mas na terceira manhã depois da chegada, Fernanda foi retirada do local onde as duas estavam sendo mantidas.
"Decidi trazê-la para que ela pudesse estar em um ambiente melhor e ter um futuro melhor", disse Nubia chorando, dias após ter sido liberada da detenção.
Quando ela voltou a Honduras, os avós paternos de Fernanda ficaram perturbados. Lazo acusou Nubia de levar a criança porque acreditava que entrar nos Estados Unidos com uma criança pequena seria mais fácil. Depois de telefonar para um número gratuito divulgado na TV hondurenha para chegar às autoridades americanas, ele finalmente encontrou Fernanda.
No entanto, apesar de todos os documentos autenticados que ele tinha enviado ao consulado e ao abrigo, todas as vezes em que conversava com um voluntário americano ele ainda não conseguia saber quando poderia ver a neta de novo.
"Só queremos que ela volte a nosso país. Estamos desesperados", disse Lazo. "Ela é tão bonitinha. Temo que ela seja entregue para adoção."
Em Nova York, algumas semanas depois, a juíza atendeu ao pedido dos avós de Fernanda para que a menina voltasse para eles.
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Imigrante de 2 anos comparece sozinha a tribunal nos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU