Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 04 Outubro 2018
O partido governista Frente Amplio transita um projeto de lei no parlamento a mais de um ano para a construção de ações afirmativas à população transexual do país. Embora a bancada governista seja maioria no legislativo, as pressões contrárias dos partidos de oposição emperram a sua aprovação. Lideranças do movimento trans acusam influência de grupos evangélicos sobre o processo legislativo.
O Projeto de Lei Integral para Pessoas Trans foi apresentado ao Parlamento Nacional pelo Poder Executivo em maio de 2017 depois da elaboração do Conselho Nacional de Diversidade Sexual. O projeto prevê a construção de políticas de ação afirmativas para a população trans do Uruguai. Segundo Censo de 2016 são 933 pessoas declaradas transexuais no país.
O projeto de lei é considerado uma política discriminatória positiva, isso é, de reconhecimento da diferença e afirmação de políticas para o grupo em questão. Entre as ações previstas no projeto de lei estão o acesso público e gratuito à cirurgia de mudança de sexo, bolsas de estudo, prioridade em políticas habitacionais e a reserva de 1% das vagas em postos de trabalhos e cursos de formação técnica do Estado. Além disso, o projeto prevê pagamento de indenização às pessoas trans nascidas antes de 1976 que tenham sido vítimas de violência institucional.
Entretanto, o ponto de maior polêmica está em relação à faixa etária. O projeto em trânsito garante o registro e, portanto, o acesso às ações afirmativas para qualquer pessoa que se declarar transexual. No caso de menores de 18 anos, faz-se necessário o aval dos pais. Porém, caso não haja, o projeto garante o acesso ao Código de Infância e Adolescência, que em seu artigo 8º assegura a qualquer criança ou adolescente o direito de ser escutado e obter respostas na justiça quando tomarem decisões a respeito de suas vidas.
Assim, a oposição questiona que crianças e adolescentes teriam acesso à cirurgia de mudança de sexo e hormonização sem a autorização dos seus pais. A oposição formada pelo Partido Nacional e Partido Colorado tem em sua composição três deputados evangélicos, entretanto, Gerardo Amarilla, da Igreja Evangélica Batista, chegou a presidência da Câmara dos Deputados no ano de 2016. Amarilla afirmou publicamente na posse que a “lei de Deus é maior que a Constituição”.
Constitución vigente: Artículo “41.- El cuidado y educación de los hijos para que éstos alcancen su plena capacidad corporal, intelectual y social, es un deber y un derecho de los padres...”#AMisHijosLosEducoYo ⯑RIvera pic.twitter.com/4avHarnOje
— Gerardo Amarilla (@GerardoAmarilla) 20 de setembro de 2018
A representatividade de uma bancada evangélica ainda é baixa na política uruguaia, mas tem tido crescimento. Além dos 3 deputados, outros 13 políticos ligados a setores fundamentalistas de igrejas pentecostais e neopentecostais tem cargos ou suplência.
Nuestra candidatura busca romper el statu quo, romper con las viejas prácticas de la política, terminar con el acomodo.
— Verónica Alonso (@veronica_alonso) 30 de setembro de 2018
Que los Uruguayos vuelvan a creer, vuelvan a confiar, vuelvan a tener esperanza de que un mejor Uruguay es posible.https://t.co/021PlPSbjh
A crítica em relação ao entrave no processo é apresentada pelas associações que apoiam a comunidade trans no Uruguai. A líder da oposição, senadora Veronica Alonso, é acusada de receber apoio financeiro da Igreja Misión Vida. A senadora se lançou pré-candidata à presidência da República pelo Partido Nacional. Em sua equipe de coordenação de pré-campanha, conforme reportagem do jornal El País do Uruguai, quatro pessoas fazem parte da Misión Vida, com exceção dela mesmo. Entre os coordenadores está o deputado e pastor Álvaro Dastugue, genro de Jorge Márquez, o fundador da Igreja.
Que vergüenza más grande que espectáculo está dando Uruguay al mundo. El gobierno gobernado por presiones de minorías militantes que quieren destruir la Fe, la iglesia. La familia, la vida, que promueven matar al macho. #bochorno
— Jorge Márquez (@jorgemarquezuy) 26 de setembro de 2018
O Uruguai ainda é considerado o país mais secular do continente e com o menor número de crentes. Porém, mesmo com a baixa expressão comparado aos outros países, a pressão evangélica trava o projeto de lei para transexuais a mais de um ano. Um abaixo assinado com mais de 40 mil assinaturas foi apresentado ao Parlamento rechaçando a lei.
Na semana passada, parlamentares do Frente Amplio reuniram-se para discutir alterações no projeto. Entre as mudanças sugeridas estão o impedimento de hormonização e cirurgia para crianças e o estabelecimento de uma idade mínima entre adolescentes para acessar ao serviço público com autorização dos pais.
As estatísticas oficiais apresentam que 933 pessoas são transexuais, destas 88% são mulheres e 12% homens. A expectativa de vida de uma pessoa trans no Uruguai é de 35 anos, enquanto a da população geral está em 77 anos. Um estudo da Universidad de la Republica aponta que 25% abandonam o seio familiar antes dos 18 anos, 87% largam os estudos no secundário e sofrem discriminação na escola e 67% precisam se prostituir para ter renda.
A previsão do Frente Amplio é que com as alterações seja possível aprovar o projeto até o dia 27 de outubro. A oposição afirmou que se posicionará sobre o novo texto somente quando estiver concluído e apresentado oficialmente.
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Uruguai. Entrave na lei para transexuais demonstra crescimento de grupo evangélico na política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU