17 Setembro 2018
Enquanto o Papa Francisco continua a ponderar sua resposta à crise chilena dos abusos sexuais, tendo aceitado a demissão de apenas cinco bispos depois que todos se ofereceram para renunciar no mês de maio, o sistema de justiça criminal local está operando a todo vapor, com quatro dioceses sendo alvo de busca na quinta-feira como parte de uma investigação em andamento sobre abusos e encobrimentos por parte dos bispos.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 15-09-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
As acusações, conduzidas simultaneamente e solicitadas pelo procurador-geral Emiliano Arias, foram diretamente as dioceses de Valparaíso, Chillán, Osorno e Concepción. Imagens publicadas pela mídia local mostraram autoridades saindo de prédios após a apreensão de documentos.
Até junho, quando Francisco aceitou sua renúncia, Valparaíso era dirigido pelo Bispo Gonzalo Duarte, acusado por vítimas de encobrimento e de abuso.
Mauricio Pulgar é um dos vários sobreviventes do seminário de San Rafael de Lo Vazque, em Valparaíso. Pulgar entrou em 1993, depois que fez 17 anos. Segundo ele, logo depois do ocorrido os seminaristas foram obrigados a ficar nus uma noite e ir para a piscina com seu diretor de formação.
"Foi onde a tortura mental e a punição começaram", disse Pulgar.
Pulgar disse à polícia, ao enviado papal Charles Scicluna e ao Crux, que viu Duarte beijando um seminarista na boca "sem o seu consentimento", e dando um tapa em um aluno por se recusar a retribuir. Esse aluno atualmente é hoje um padre que deixou o seminário depois de seu terceiro ano - cansado do assédio.
Pulgar afirma que também foi abusado sexualmente pelo padre Humberto Henriquez. Ele coletou provas, incluindo uma fita do padre implorando para que Pulgar não se apresentasse. Henriquez tentou apresentá-lo a Duarte, que se recusou a vê-lo. Em 2012, ele fez uma queixa canônica ao representante papal no país, mas de nada adiantou.
No mesmo dia em que o pontífice aceitou a renúncia de Duarte - em 11 de junho -, também aprovou a do bispo de Osorno, Juan Barros, que vem sendo identificado pelas vítimas do padre pedófilo, Fernando Karadima, como um dos quatro bispos do Chile que encobriram os crimes de Karadima.
Antes de Osorno - para onde o pontífice transferiu Barros em 2015, em meio ao alvoroço de grupos de leigos e sobreviventes - o bispo estava encarregado do ordinariato militar do país. Barros foi intimado pelas autoridades sob acusações de encobrimento.
Nenhuma explicação oficial foi dada sobre por que o Papa aceitou sua demissão - algo que as vítimas há muito exigem saber.
Chillán é chefiado pelo bispo Carlos Pellegrin, que é acusado de abuso. Ele foi investigado em 2011 por uma série de denúncias anônimas. Novas denúncias surgiram no mês passado, que já estão sob investigação do promotor local.
Concepción é liderada pelo arcebispo Fernando Chomali, ex-administrador apostólico de Osorno, que tem sido um possível sucessor do cardeal Ricardo Ezzati - um dos sete bispos que estão sendo investigados sob acusações de abuso ou encobrimento.
Os ataques de quinta-feira foram apenas os mais recentes de uma série de eventos similares que incluíram exames dos arquivos da Conferência Episcopal Chilena, da Arquidiocese de Santiago, da capital do país, da Diocese de Rancagua e vicariato militar.
Rancagua e Santiago foram alvo de denúncias contra o padre Oscar Muñoz, ex-chanceler de Santiago, que iniciou sua carreira sacerdotal em Rancagua. Ele se reportou no final de dezembro por ter abusado de um menor. Desde então, ficou claro que abusou de vários menores, a maioria deles seus próprios sobrinhos.
Supõe-se que as informações encontradas nesses ataques iniciais foi o que levou às inspeções subsequentes.
Uma fonte no Chile disse ao Crux que, para as vítimas e sobreviventes, "as incursões dão uma sensação de esperança", pois houve um grande progresso com o resultado das investigações civis.
"Muitas verdades vieram à tona por causa deles, e os processos para ver se houve encobrimento ou negligência aceleraram", disse a fonte anônima.
Segundo a fonte, há vítimas que temem que o testemunho às autoridades da Igreja seja vazado para a imprensa sem o seu consentimento, tornando público algo que eles prefeririam manter em sigilo. Apesar desse medo, a fonte, que trabalhou com sobreviventes durante anos, disse acreditar que o resultado das buscas é positivo, porque a maioria das vítimas celebram tal fato.
Quanto às expectativas locais em relação à ação do Vaticano, a fonte disse que o "povo de Deus está aguardando ansiosamente". Por causa das incursões, bem como de uma comissão de escuta criada por dois conselheiros papais que visitaram o Chile, "cada vez mais surgem novos casos".
Para Juan Carlos Claret Pool, um dos porta-vozes de um grupo de leigos em Osorno que protestou contra Barros, os ataques significam duas coisas.
“Primeiro, é uma evidência de que a solução não virá dos bispos do Chile que se demitiram. Segundo, isso revive nossas esperanças”, disse Pool.
Claret disse que algumas das dioceses invadidas são aquelas em que os bispos “pregavam sobre uma mudança de atitude, total transparência e total colaboração com a justiça. No entanto, em Concepción, liderado por Chomali, que supostamente é um candidato para substituir Ricardo Ezzati em Santiago, foram retiradas cerca de 300 pastas”.
Para Claret, o Vaticano está agindo equivocadamente em relação à essa crise.
"Ao prolongar as decisões básicas na prática, uma divisão e um escândalo foram gerados nas dioceses onde costumava haver relativa calma", afirma Claret.
“Vítimas e leigos reclamam desde junho que os bispos estão de volta aos negócios. Estávamos nos desiludindo, mas pelo menos saber que o sistema de justiça chileno está lidando com isso nos dá força e coragem”, acrescentou Claret.
Ao todo, sete bispos foram convocados pelas autoridades sob acusações de encobrimento ou abuso, e podem haver mais após essas acusações. Se fossem encontradas evidências de irregularidade em Valparaíso, por exemplo, isso poderia impactar não apenas Gonzalo Duarte, que teve sua renúncia aceita pelo Papa em junho, mas também ao bispo Santiago Silva, presidente da Conferência Episcopal e ordinariato militar, que anteriormente atuou como auxiliar na diocese.
Juan Carlos Cruz, sobrevivente de Karadima que se encontrou com Francisco no início deste ano, disse que Silva é parte do problema.
Tweetando sobre um encontro anunciado recentemente entre Francisco e os presidentes das conferências mundial dos bispos, Cruz disse: “O Papa quer se reunir em fevereiro com os chefes das conferências dos bispos e falar sobre abuso. Fico imaginando quem será mandado da conferência dos bispos chilenos se seu presidente, cardeais e vários bispos enfrentarem acusações criminais. Talvez em fevereiro eles já estejam na prisão”.
Promotores locais acusaram Silva por encobrimento de abusos.
Sobreviventes de Valparaíso também acusaram o bispo Francisco Javier Prado, um ex-auxiliar que se mudou para Rancagua, de encobrir abusos no seminário.
O bispo Alejando Goic, indicado para substituir Prado em Rancagua, é um dos cinco que tiveram sua renúncia aceita por Francisco no início deste ano. Isso ocorreu logo depois que ficou claro que o bispo ignorou as acusações contra vários padres, em sua diocese, de má conduta sexual, incluindo abusos de menores. Novamente, nenhuma explicação foi dada, portanto, não se sabe se o Papa aceitou a renúncia devido às alegações ou porque o bispo tem mais de 75 anos.
Além de Barros, Ezzati, Silva, Pellegrin e Duarte, outros dois bispos foram acusados por abuso ou encobrimento. São eles: Cristian Contreras e Luis Infanti.
Segundo o jornal chileno La Tercera, Contreras, de San Felipe, está sendo investigado por supostamente abusar de um menor há uma década. O bispo já havia sido investigado em 2013 pelo Vaticano, que enviou dois padres para averiguar supostos abusos sexuais, mas nenhuma sanção foi imposta.
Infanti, de Aysen, está sendo investigado por suposto encobrimento. A diocese confirmou que há uma investigação e disse que o bispo cooperou com a procuradoria.
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Chile: Enquanto o Papa Francisco pondera a crise no país, promotores criminais continuam investigação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU