04 Setembro 2018
Um país que deixa sua memória histórica arder corre o perigo de queimar com ela seu presente e seu futuro.
O comentário é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 03-09-2018.
O incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio, e com ele 200 anos da história do Brasil, foi mais do que um incêndio. As chamas são o triste símbolo de um país que abandona a espinha dorsal da ciência, a da cultura e da arte para privilegiar uma política mesquinha de pequenos interesses pessoais dos que deveriam ser os guardiões da maior riqueza de um país, que é a memória da sua cultura.
Não é por caso que, ainda neste ano, nem um só ministro do Governo tenha participado das festividades do bicentenário do Museu Nacional no Rio. Não é por caso que todos os mecanismos de proteção do museu estavam abandonados, e que os professores tivessem que pagar a passagem de ônibus das faxineiras do museu, que já havia sido abandonado à própria sorte.
As imagens dessas labaredas queimando o coração cultural e histórico do Brasil, que estão correndo o mundo, poderiam ser um triste presságio, às vésperas de uma eleição presidencial que se prenuncia incendiária e incerta para este país. Quem estranha os surtos autoritários e direitistas que estamos observando deveria analisar o Museu Nacional em chamas, pela incúria de quem deveria ter cuidado de preservar sua riqueza histórica. Poderia assim entender melhor o voto de raiva de milhões de brasileiros desiludidos com um sistema democrático que agoniza a partir da morte de seus valores culturais.
Um país que deixa sua memória histórica arder corre o perigo de queimar com ela seu presente e seu futuro, comprometidos pelo abandono de seus melhores valores, que agonizam asfixiados por uma classe política incapaz de entender que não existem saltos na formação das novas gerações. Elas se constroem, se aperfeiçoam e se modernizam a partir dessa memória do passado. Sem memória, os jovens que deverão criar o novo Brasil sem romper o cordão umbilical com o que seus antepassados lhe deixaram acabarão como náufragos sem bússola, num mar já muito agitado pela incerteza e pelas nuvens negras antidemocráticas e obscurantistas que o ameaçam.
Sem esperança, então? Não. Brasil é maior que seus melhores museus, e todos os povos aprenderam na escola sobre seus fracassos e derrotas. Que, das cinzas tristes e amargas do Museu Nacional do Rio, um novo Brasil possa ressuscitar como a ave fênix da mitologia. Um Brasil que só será melhor e mais justo se a cultura e a ciência chegarem a todos, em vez de serem apenas patrimônio dos privilegiados.
Que as chamas do Museu Nacional, que hoje entristecem o Brasil e o mundo, sirvam de alarme e de exame de consciência na hora de digitar, dentro de algumas semanas, o voto na urna eletrônica, para não escolher de novo os que têm sido incapazes de preservar a rica memória deste país que hoje parece, como o museu que ardeu, abandonado à própria sorte.
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Mais que um incêndio, um triste símbolo de um país que abandona a si mesmo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU