24 Agosto 2018
Díaz integrou em 2017 a equipe que obteve o Nobel de Física. No tempo do Cordobazo, participou como militante trotskista e delegado sindical.
A reportagem é publicada por Página|12, 22-08-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Mario Díaz é astrofísico e dirige o Centro de Astronomia de Ondas Gravitacionais da Universidade do Texas. Mora nos Estados Unidos, porém a cada pouco volta à Argentina. Em setembro, por exemplo, assistirá a um encontro da AFA, mas não se reunirá com “Chiqui” Tapia [presidente da Associação do Futebol Argentino] e companhia, e sim com seus colegas da Associação Física Argentina. A equipe LIGO (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria Laser, em português) da qual faz parte foi premiado em outubro de 2017 com o Nobel de detecção de ondas gravitacionais. A seguir, se propõe um recorrido pela trajetória desse pesquisador argentino, mesmo que hoje seja reconhecido no mundo pela sua ciência, também é dono de uma história juvenil riquíssima. Durante os anos 60 e os 70 trabalhou na indústria têxtil e automotiva, militou no partido Política Obrera, foi dirigente sindical e esteve preso mais de uma vez. Tudo isso antes dos seus 30 anos, quando decidiu, finalmente, estudar física no Instituto de Matemática, Astronomia e Física (IMAF) da Universidad Nacional de Córdoba.
Na convulsionada décadas dos anos sessenta, Mario tinha 15 anos, vivia na Villa Urquiza e estava filiado a Federação Juvenil Comunista – Fede como tantos outros amigos interessados na política daquele momento. Estudava no Colégio Nacional Buenos Aires e estabelecia os primeiros contatos com líderes trabalhadores da região. Para 1966, quando Onganía irrompia com um novo golpe de Estado e planejava com sua cegueira de ocasião uma nova Revolução Argentina, a esse jovem talento ainda lhe faltava um ano para terminar o secundário. Porém devia trabalhar, assim deixou os livros e debutou no mundo laboral. Começou em “Mi Textil”, uma fábrica do bairro.
Começou militar no sindicato da categoria apenas quando pode. Embora com o governo as atividades das organizações trabalhadoras e estudantes – naturalmente – frearam sua inercia, ainda que somente foi tomar vigor nos anos seguintes. Assim, em 1968, em meio de um cenário de efervescência social e a emergência de múltiplos movimentos coletivos, Mario se casou. Ainda que tenha celebrado um matrimônio com Lidia, sua namorada de infância companheira de toda a vida, não pode deixar seu outro grande amor, a política: “Havíamos formado um movimento de esquerda ao interior da Fede – Partido Comunista Comitê Nacional de Recuperação Revolucionária – e era, na verdade, um balaio de gatos. Uma linda salada que reunia a maoístas, “troscos”, diversas correntes marxistas e anarquistas”, conta.
Mais tarde, quando fecharam a planta começou trabalhar em uma fábrica sueca de rolimãs – SKF – da Nova Pompeia. Ali também fez o seu: se encarregou de formar uma agrupação e a denominou “Celeste e Branca”, porque esta vez seu lado populista e nacionalista havia ganho a partida. Em pouco tempo foi enviado pela direção do Política Obrera para reorganizar a seção Córdoba porque, na época do Cordobazo, quando todos os movimentos incrementavam o número de suas filas o partido – ainda – se apoiava nas mesmas caras.
“Se bem em Córdoba os setores peronistas eram muito mais fracos e a esquerda tinha um peso maior; na Argentina se respirava peronismo por todas as partes, a partir da potência de Montoneros e o Exército Revolucionário do Povo”, afirma. Assim foi como partiu com a sua mulher e sua filha e em 1973 ingressou como mecânico na automotiva Renault.
Não obstante, ainda que muita gente acredita que a revolução estava dobrando a esquina, Mario nunca se entusiasmou muito. “Nunca esteve muito claro o que tínhamos que fazer quando tomar o poder. Não sei que caralhos teríamos feito, não havia um plano de transformação viável”, indica com uma mescla de nostalgia, ironia e raiva atualizada.
A política, em sua vez, também mostrou sua cara mais escura. Esteve preso várias vezes, porém não tem lembrança tão transparente. A memória é sagaz, sobretudo quando não aceita comandos. “Segundo posso me lembrar, a primeira vez que estive preso tinha 15 anos. A Aliança Anticomunista Argentina (Triple A) protagonizou uma campanha feroz de invasão de todos os locais do partido. Quando me inteirei, fui com minha companheira – então namorada e atual mulher – a resgatar o mimeógrafo e nos pegaram. Fui um idiota, muito ingênuo”, confessa. Esteve quase um mês preso no “Roca” – Instituto de Menores – e esse batismo antecipou o que viria depois de realizar pichações nas vias públicas e também mais adiante, em 1974, quando a ligou durante o Navarrazo cordobês que foi o golpe de Estado policial que culminou com o governo provincial de Ricardo Obregón Cano.
“A situação vinha muito preta, nos inteirávamos diariamente de novos assassinatos. Logo, com a última ditadura, de 1976, tive medo; todas as noites esperava que viessem me procurar, um sentimento horrível”.
Em 14 de março de 1883 morreu, em Londres, Karl Marx e o no mesmo dia, mas em 1879, em Ulm, nasceu Albert Einstein. A semelhança não serve para traçar nenhuma conjectura astrológica nem sobrenatural de nenhuma classe, mas sim simplesmente para exibir como ambos gênios definiram o norte de Mario, o gênio de Urquiza. “Para mim o marxismo era uma forma científica de ver a sociedade e Einstein não foi alheio a isso. Em seus escritos políticos – se referia a “Por que o socialismo?”, artigo publicado em 1949, no primeiro número da revista Monthly Review – expõe suas críticas ao sistema capitalista e a necessidade de políticas educativas com o objetivo de alcançar benefícios sociais”, comenta.
Esse técnico mecânico, ferreiro da lei, com um passado de militância e política trabalhista, terminou o secundário já maior de idade e em seguida decidiu estudar Física no Instituto de Matemática, Astronomia e Física (IMAF) da Universidad Nacional de Córdoba. Em 1987 se doutorou – foi o primeiro a fazer uma tese sobre relatividade geral – e se mudou aos EUA. Contra todos os prognósticos, viajou ao império.
Como pode-se ver, Mario não só leu Einstein por pura admiração, mas sim trabalhou durante muitas décadas para que sua principal teoria pudesse ser comprovada. “A contribuição de Einstein se enterrou durante anos porque não podia se conectar com a realidade, porém graças ao desenvolvimento da astrofísica – na segunda metade do século XX – cumpriu seu sentido”, adverte. Em efeito, a partir daquele momento, todo um campo de conhecimento, cujas ideias e reflexões só haviam sido esboçadas a nível teórico, poderiam ver a luz em um momento para o outro. Nesse caldo de cultivo se criaram as condições para as descobertas das ondas gravitacionais.
Não obstante, o caminho não é linear na ciência, pois, desde que Einstein previu a existência de ondas gravitacionais, até que pudessem ser detectadas pelos instrumentos do consórcio LIGO-Virgo (localizados nos Estados Unidos e Itália) passou um século. Em 2017 o trabalho de Mario – e de milhares de científicos que compunham a equipe internacional, foi premiada com o Nobel de Física, ainda que para ser exato, a primeira detecção sucedeu dois anos antes, em 14 de setembro de 2015, às 5:51 da madrugada no observatório de Livingston, Louisiana.
“Até o momento as descobertas nos permitiram compreender os processos de evolução estelar; conhecer o que são as estrelas de nêutrons, como se chocam e de que maneira geram os elementos pesados; assim como também, dar com maiores detalhes dos buracos negros. Em alguns anos, talvez, possamos chegar a ouvir os murmúrios que deixou o Big Bang”, explica.
Se sabe que esse homem de modais amáveis se altera quando lhe perguntam pelas funções da ciência básica. E também é possível saber como reage ao segundo seguinte: respira fundo – como se fosse a última porção de oxigênio disponível – responde com calma. “Quando (Heinrich) Hertz conseguiu comprovar a existência de ondas eletromagnéticas, um jornalista que teve acesso ao seu laboratório lhe perguntou para que servia aquilo que despertava tanta admiração entre seus colegas e ele lhes disse; ‘para nada, provavelmente’. Graças à ciências se desenvolveram as civilizações; mas não compreenderíamos como funciona o universo, não poderíamos viver como seres inteligentes”, aponta quem crê que escolhei a ciência porque lhe apaixonavam os personagens do cativante Roberto Arlt e as revistas de divulgação sobre astronomia.
Hoje Mario Díaz trabalha como diretor do Centro de Astronomia de Ondas Gravitacionais da Universidade do Texas, do vale do Rio Grande, de onde 90% dos estudantes são hispânicos e a primeira geração de universitários. Por outra parte, está ligado a Argentina por meio de um cordão umbilical muito querido: respeita à risca suas reuniões com amigos da militância e está envolvido no desenvolvimento de um novo espaço para a astronomia local. Junto a colegas cordobenses desenvolve um observatório no Cordón Macon – Puna Salteña. O projeto se chama “Toros” e consiste, fundamental, em seguir as contrapartidas óticas associadas aos eventos de geração de ondas gravitacionais que detecta LIGO e Virgo.
Afirma que continua ligado à política e que simpatiza pelo senador democrata Bernie Sanders. Inclusive, encontra-se deslumbrado pela audácia de Alexandria Ocasio-Cortez, uma jovenzinha de somente 28 anos que venceu com 60% as primárias do Partido Democrata no distrito de Nova Iorque. “Isso é fundamental porque se vem uma juventude a qual não se incomoda com a palavra ‘socialismo’ e está cansada de um montão de coisas. O mundo está despertando”, conclui da mesma maneira que começou: com as esperanças intactas em que as coisas possam mudar de uma vez por todas. A partir da ciência, ou bem, por meio da política, porque, ao fim e ao cabo, também são um pouco o mesmo.
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Do marxismo à física de Einstein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU