24 Julho 2018
Desde o dia 19 até este domingo, Anapu, no Pará, tem suas ruas ocupadas por cristãos católicos e moradores da floresta, na 13ª Romaria da Floresta, evento que vem sendo realizado desde 2006 para lembrar a morte de Irmã Dorothy, assassinada no dia 12 de fevereiro de 2005, a mando de um fazendeiros do município paraense.
A reportagem foi publicada por Amazonas Atual, 22-07-2018.
O tema da romaria neste ano – Com o testemunho de Dorothy venceremos a violência – vai além do assassinato da religiosa norte-americana Dorothy Mae Stang. Quer relembrar também o sangue derramado de seus mártires. Por isso, o lema da romaria – “Na luta pelos direitos, os trabalhadores de Anapu nunca mataram, mas muitos já foram mortos” – faz alusão ao enorme número de lideranças locais, mortas nos conflitos de terras.
A romaria também tinham como principal bandeira, a luta pela liberdade de Padre Amaro Lopes, preso de forma arbitrária no dia 27 de março no presídio de Altamira, mas ele foi solto antes, graças a um habeas corpus conseguido no dia 30 de junho.
O evento é realizado em torno da defesa da floresta e todos os bens e recursos naturais que são devastados cotidianamente pelos latifundiários e empresários locais. Daí a importância de sua realização. que reúne os povos originários daquela terra.
De acordo coma CPT (Comissão Pastoral da Terra), da Igreja Católica, desde que ocorreu o assassinato da Irmã Dorothy pra cá, em Anapu, 16 trabalhadores já perderam a vida. “Anapu ainda sente o cheiro de conflitos de terras; por aqui, a poeira pinta as portas que estão fechadas; nas janelas do medo, a sensação de insegurança existe. A Romaria da Floresta é porta voz do grito de justiça”, diz um texto introdutório da prosa e do poema abaixo, escritos por Rafael Gomes-MAb, e publicados no site da CPT.
Cícero gritava, “mataram a irmã, mataram a irmã”. Naquele momento, o terror se fazia presente; choravam desesperados, ao redor de seu corpo; algumas pessoas tinham esperança de que a irmã ainda estava viva, mas, temiam se aproximar. Chovia, era o fim de quem dedicou a vida inteira por uma causa, para a vida do povo, da solidariedade.
Em procissão, quem se faz presente reza, canta, dá gritos de ordem. A elite por aqui quer manter um projeto avassalador contra os trabalhadores, prende as terras, acorrenta os sonhos de moradia. O povo exibe solidariedade uns aos outros, exige liberdade, seja pela floresta, pela fome, ou por um pedaço de chão.
Às seis e meia da manhã, se fez parada em frente a Paróquia Santa Luzia, todos em romaria pediam que caia a fé de Santa Luzia em todos, fortalecendo a caminhada.
Às sete da manhã, fincou a primeira Cruz no chão para lembrar o dia do assassinado de Edinaldo. “Mais uma vítima do latifúndio, que sustenta as chacinas, e nada se faz, nada se fez. Existem dois projetos: o primeiro é um projeto de redistribuição da floresta, o que de mais podre existe no capitalismo; o segundo seria um projeto sustentável, um modelo alternativo de posse de terra”, afirma Diogo, PJ no Xingu.
Mesmo com a morte de Dorothy e a prisão de padre Amaro, agora livre, o povo continua na luta, sonhando um dia quem sabe, que aconteça a civilização do amor.
Irmã Dorothy, fazia “inveja” aos latifundiários e empresários a partir do trabalho que fazia, como na colaboração de um lindo projeto, participando das Santas Missões Populares, defendendo a ecologia. Tinha um coração enorme com o povo, sempre incentivando para lutarem por seus direitos.
Irmã Dorothy criou a primeira escola no município. Ela acreditava que a educação mudaria a vida do povo. O projeto “Gavião” e o “Estabelecimento Assistencial de Saúde” de Anapu são algumas das lutas da irmã.
A segunda parada foi para relembrar o trabalhador Gazemiro, assassinado no dia 9 de janeiro de 2018, e fincar a cruz no chão. Gazemiro acreditava em um mundo novo, de justiça; sonhava, assim como todos que se foram, com uma vida digna para sua família.
Sabemos todos que no dia do nosso batismo, somos assinalados com o sinal da cruz na testa, e que Jesus entregou sua vida por amor ao próximo, por nós, filhos de Deus, e por isso temos que continuar fazendo as missões de Jesus Cristo e, sempre, ter amor ao próximo.
A terceira parada foi para relembrar Leoci de Sousa, assassinado pouco tempo atrás, no dia 3 de junho de 2018.
“A gente veio para cá pra ganhar um pedaço de terra, só isso. Mas, só nos trouxe tristeza. Hoje tenho que, mais uma vez, ver essa cruz com o nome do meu filho, ele só tinha 29 anos. Tem dois suspeitos presos, mas a justiça não nos fala nada, não sabemos o que fazer daqui pra frente. Só quem já perdeu um filho sabe a dor que se senti. Mataram meu filho dentro de casa, meu filho era meu companheiro, minha vida”, afirma Iracir, mãe de Leoci de Sousa.
A Romaria da Floresta é para mostrar para a sociedade que os que se foram eram trabalhadores que lutavam por um mundo mais justo, por um pedaço de chão.
“Presente”
Poeira pelo caminho
Estradas sem fim.
O barro virou desenho
Regado pela chuva, sem Jardim.
Tanta terra aqui se tem
Olho gordo, latifundiários.
Exploradas por alguém
Que as raízes soterradas
Viraram campo minado.
Mata, desmatada
Extensão, chão duro
Mata, por nada.
Assassina, por tudo.
Na luta, pode demorar a subida
Pesa o vento, acelerado.
Ladeira, sem freio na descida
Coragem, medo esmagado.
Por servir ao povo
Derrubaram quem tava de pé.
Tiro certeiro, no coração
Teimosia, não por falta de fé.
Em caminhada, procissão.
Os lembram em mística
Canções em coro.
Melodia em prática
“Num” tom de um mundo novo.
Atiraram
Nos tiraram
Atira, atira
O povo em luta atiça
Atiça caminhando
Clamando por justiça
Dedos entre os dedos
Mãos dadas em comunhãos.
Dorothy vive
Em nossos corações
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Romaria da Floresta relembra assassinato de Irmã Dorothy, em Anapu, no Pará - Instituto Humanitas Unisinos - IHU