02 Junho 2018
"Para o povo de El Salvador, Romero era um santo, antes mesmo de ser assassinado. Até anglicanos e luteranos o viam como um santo, mas a Igreja Católica tinha problemas. Para alguns, ele era muito político: a morte não foi um martírio para a fé, mas um assassinato por causa de suas posições políticas", escreve Charles E. Curran, padre e professor de Valores Humanos na Southern Methodist University, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 01-06-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Óscar Romero foi nomeado arcebispo de San Salvador, El Salvador, em fevereiro de 1977. Ele não era o candidato do arcebispo anterior, que pensou que Romero não era suficientemente firme em oposição à violência, opressão e injustiça do governo de direita. O próprio Romero pensou que tinha de encontrar o equilíbrio ou um meio-termo entre o apoio aos vulneráveis e oprimidos e o proselitismo político. Depois de se tornar arcebispo seu pensamento mudou.
O que o fez mudar? Seu amigo, o padre jesuíta Rutilio Grande, foi assassinado pelo governo devido ao seu forte apoio para os oprimidos e vítimas do governo. Romero já estava se tornando mais consciente da injustiça e da violência. O que muitos chamaram do "milagre de Rutilio" foi que o fez se comprometer. Ele reconheceu que nem todos os que se opunham ao governo eram comunistas. Na verdade, a maioria dos pobres estava combatendo a injustiça em nome do Evangelho.
Romero usou muitos meios para fazer com que seu posicionamento fosse conhecido. Em suas homilias, artigos de revista semanais e transmissões, ele se tornou um forte defensor dos oprimidos e enfatizou a necessidade da Igreja em estar do lado dos pobres, em resistir a violência, a tortura e a opressão do regime existente.
Às vezes, ele era uma voz solitária na luta. Os poderosos da classe alta de El Salvador, que se consideravam bons católicos, se opuseram veementemente ao seu apoio aos pobres e sua oposição ao governo. A maioria dos bispos de El Salvador discordava dele, o acusando de ser muito político e apoiar os comunistas.
A Cúria Romana e o Papa João Paulo II, também não podiam aceitar sua abordagem. Em uma audiência que teve com João Paulo II, o Papa sugeriu que ele poderia nomear um administrador para tocar a arquidiocese de San Salvador.
Houve muitas ameaças contra a vida de Romero. Em fevereiro de 1980, ele escreveu uma carta ao Presidente dos EUA Jimmy Carter, o interpelando como cristão e defensor dos direitos humanos a não enviar ajuda militar ao governo salvadorenho. Ele leu esta carta em sua homilia de 17 de fevereiro de 1980.
Em 23 de março de 1980, ele se dirigiu diretamente aos soldados do governo para não matarem seus irmãos camponeses. Quando confrontados com uma ordem para matar, eles deveriam obedecer à lei de Deus e não a ordem injusta.
Um dia depois, 24 março de 1980, enquanto presidia a missa, ele foi assassinado. Seu funeral no dia 30 de março de 1980, foi acompanhado de mais violência e morte. Uma bomba explodiu e ocorreu um tiroteio, seguido de mais bombas e tiros na praça ao lado da Catedral, onde ocorreu o funeral. As correram para a catedral para se protegerem do perigo e ficou lá por mais de duas horas.
Para o povo de El Salvador, Romero era um santo, antes mesmo de ser assassinado. Até anglicanos e luteranos o viam como santo, mas a Igreja Católica tinha problemas. Para alguns, ele era muito político: a morte não foi um martírio para a fé, mas um assassinato por causa de suas posições políticas.
As coisas mudaram significativamente na Igreja Católica quando o cardeal Jorge Bergoglio se tornou Papa Francisco. Romero foi beatificado em maio 2015, e em março de 2018 o Vaticano anunciou que Romero iria ser canonizado como santo. A data para a canonização foi definida para o dia 14 de outubro, em Roma.
Apresento três comentários sobre esta narrativa. Primeiro, a luta de Romero contra o governo e suas injustiças não envolvia ligação inaceitável da Igreja ou de líderes da Igreja com o mundo da política. Tudo o que concerne a pessoa humana, comunidades humanas e meio ambiente não é apenas uma questão política ou jurídica. É uma questão humana, moral e, para o crente, uma questão cristã. A tradição cristã tem consistentemente reconhecido que a ordem política está sujeita à ordem moral.
Segundo, Romero foi verdadeiramente um mártir. No passado, o martírio era frequentemente visto em termos de morrer pela fé de uma forma muito restrita. Mas hoje reconhecemos que a fé cristã deve agir e influenciar tudo o que fazemos. O Sínodo Internacional dos Bispos realizado em 1971 diz que "ação em favor da justiça e a participação na transformação do mundo aparece totalmente para nós como uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho, ou, em outras palavras, da missão da Igreja para a redenção da raça humana e sua libertação de todas as situações opressivas."
Terceiro é a questão do comunismo. É óbvio que Romero não era comunista, mas um cristão excepcionalmente comprometido. Também é evidente que a política dos EUA e alguns dentro do Vaticano usaram a ameaça e o medo do comunismo para apoiar os governos de direita e todos os seus meios injustos.
Todos têm de reconhecer que há alguma sobreposição, bem como algumas diferenças significativas, entre a doutrina social cristã e o comunismo. Papa Paulo VI reconheceu esta relação na sua carta apostólica de 1971 Octogesima Adveniens, comemorando o 80º aniversário da Encíclica social Rerum Novarum. Há uma diferença entre ensinamentos filosóficos e movimentos históricos.
Além disso, muitos cristãos são atraídos para a luta marxista contra a injustiça. O Papa se opõe à negação da transcendência, sua filosofia materialista e a luta de classes marxista, mas ele reconhece que o marxismo fornece para alguns cristãos uma ferramenta para a análise sociológica do que muitas vezes ocorre em nosso mundo.
Estes três pontos confirmam fortemente o julgamento da Igreja Católica de finalmente canonizar Romero como santo.
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Canonização é a medida certa para Óscar Romero, um verdadeiro mártir cristão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU