01 Mai 2018
Dezenas de milhares de nicaraguenses participaram durante todo o sábado, na capital do país, Manágua, de uma gigantesca marcha “Pela paz e a justiça” convocada pela Igreja Católica. Esta é a segunda grande manifestação que ocorre em menos de uma semana após os protestos estudantis que resultaram em pelo menos 34 mortos, embora várias organizações de direitos humanos estimarem o número de mortos em mais de 60.
A reportagem é publicada por Religión Digital, 29-04-2018. A tradução é de André Langer.
Da marcha, organizada pela Conferência Episcopal da Nicarágua, segundo o jornal nicaraguense La Prensa, participaram milhares de pessoas, entre eles significativos grupos de camponeses, que também exigem a paralisação da construção de um canal interoceânico no país, e muitos estudantes, protagonistas das primeiras manifestações.
Durante a homilia que encerrou a manifestação, o cardeal Leopoldo Brenes advertiu que a Igreja Católica – a quem o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, pediu para assumir o papel de mediadora no conflito – irá se retirar do diálogo caso o governo não demonstrar disposição para cumprir as demandas exigidas pela população, como a cessação da violência.
“Daremos um mês ao governo para dialogar. Uma vez transcorridos os 30 dias, analisaremos se o governo teve disposição para atender as demandas de todo o povo. E se chegarmos à conclusão de que o presidente só empurrou as coisas com a barriga, encerraremos o diálogo e informaremos a população”, disse Brenes, em declarações recolhidas pelo jornal nicaraguense El Nuevo Diario.
Após ouvir essas palavras, a multidão gritava: “Que saiam, que saiam”, em uma referência direta aos políticos que formam o Governo da Nicarágua.
O bispo nicaraguense Rolando José Álvarez, um dos religiosos chamados a atuar como mediadores, já havia chamado a atenção na quinta-feira que o diálogo nacional prometido pelo Governo de Daniel Ortega para resolver a crise política desencadeada pelos protestos contra a reforma da seguridade social ainda “não está aplainado”.
Álvarez esclareceu que a Conferência Episcopal só concordou, a pedido das partes, em explorar com o Governo as possibilidades de manter um diálogo autêntico e, no seu caso, a ser testemunha do mesmo. “Se em algum momento virmos que não há boa vontade, vamos dizê-lo”, disse.
Em 16 de abril passado, começou uma onda de manifestações em massa para impedir uma reforma da seguridade social que aumentava a contribuição de trabalhadores e empresários e, pela primeira vez, pedia uma contribuição dos aposentados nicaraguenses.
A dura repressão dos protestos fez com que se transformassem em um protesto geral contra Ortega, a pior crise política que já experimentou durante seus 15 anos no poder.
Por outro lado, durante uma entrevista à rede Telemundo, dom Silvio Báez chorou por causa do genocídio de estudantes no país.
“Eu chorei pela morte de tantos jovens sem necessidade, injustamente e com uma crueldade sem limites”, disse o bispo entre lágrimas.
Ele disse que na noite da quinta-feira soube da morte de três jovens que participavam da Pastoral da Juventude de uma paróquia, que foram torturados enquanto estavam detidos.
“As histórias são terríveis e nossa juventude não merece isso”, prosseguiu entre soluços.
O bispo auxiliar de Manágua assegurou que não teme por sua vida e descartou que tenha recebido ameaças.
“Estive completamente concentrado em pensar na Nicarágua; neste momento só penso no meu povo”, relatou com voz embargada.
“Tem sido muito difícil, muito doloroso, mas é preciso ser forte para não chorar o tempo todo, para raciocinar e é preciso conversar e dizer as coisas”, acrescentou.
Enquanto isso, o provincial da América Central e do Caribe, o escolápio Francisco E. Montesinos disse que “as últimas reformas foram a faísca que fez eclodir um movimento de protesto que no momento já é responsável por mais de 30 mortos”.
Montesinos assegura que o panorama é desalentador: “marchas pacíficas de estudantes e adultos, jovens simpatizantes do governo que se enfrentam com os manifestantes, policiais e militares... meios de comunicação censurados e as redes sociais servindo como um canal de denúncia e informação do que está acontecendo”.
As Escolas Pias aderiram à declaração da Conferência Episcopal da Nicarágua pedindo paz e diálogo. Como destaca o provincial, “os colégios estão fechados desde quinta-feira. Queremos mantê-los abertos, embora saibamos que será impossível dar aula. Mas que saibam que estamos aqui. Primeiro foi a Venezuela. Agora, a Nicarágua”. As Escolas Pias – explica – são chamadas a serem testemunhas.
“É o desafio que temos pela frente. Nós não podemos ignorá-lo. Temos que educar e evangelizar onde quer que estejamos e em qualquer tipo de situação. A nossa Província já sabe disso”. Montesinos acrescenta: “Agora pedimos a paz, o diálogo, a cessação da violência, a conversão dos corações daqueles que não respeitam os direitos fundamentos da vida”.
Os piaristas dirigem dois colégios em León e Manágua, além do Centro Cultural Calazans, que abriga cerca de 2.000 crianças e jovens.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Nicarágua. Os bispos dão um mês a Ortega para cumprir os acordos de um diálogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU