23 Abril 2018
Volta a diplomacia secreta. O líder norte-coreano é desde já o primeiro vencedor da cimeira anunciada, pois negociará com Trump de igual para igual. Mas também este conta ganhar prestígio. Muitos são cépticos sobre o resultado. E falta conhecer a forma de intervenção de Pequim.
O comentário é de Jorge Almeida Fernandes, jornalista, publicado por Público, 21-04- 2018.
A passagem à diplomacia secreta, ou no mínimo discreta, trouxe um primeiro resultado: a cimeira entre Donald Trump e Kim Jong-un, algures no fim do mês ou em Junho. Em termos de prestígio, parece uma iniciativa ganhadora para os dois. Todos os passos estão a ser dados, com a participação da China e da Coreia do Sul. O resultado é uma completa incógnita. No centro da agenda está a “desnuclearização” da Coreia do Norte. Mas ambas as partes têm ideias contraditórias sobre o que isso significa.
A diplomacia sucede à fase em que os dois líderes trocavam ameaças e insultos. Ambos são especialistas no jogo da “imprevisibilidade” e do “apocalipse”. Em Agosto passado, Kim anunciou ter finalmente a capacidade para atingir o território continental americano. Trump respondeu com a já célebre ameaça de “fogo e fúria”.
Os EUA estavam perante um dilema: a opção militar, de consequências inimagináveis, ou a resignação perante o statu quo duma Coreia do Norte nuclearizada. Por sua vez, Pyongyang tinha chegado ao limite da sua capacidade de ameaça e de iniciativa. Para os americanos, criar uma situação “à beira do abismo” tanto poderia ser um salto para o cataclismo como a forma de mudar o quadro do conflito, repondo todas as alternativas em cima da mesa e forçando a mão a Pequim na resolução de uma crise dramática.
O absolutamente inesperado começa a correr rapidamente. Trump anuncia a cimeira com Kim, este fala com Xi Jinping, numa inédita e discreta visita a Pequim, o Presidente Moon, da Coreia do Sul, vai reunir-se com Kim, enquanto o chefe da CIA, Mike Pompeo, esteve em Pyongyang para conversar com Kim e o japonês Shinzo Abe foi à Florida conferenciar com Trump. E Vladimir Putin parece querer falar com todos para não ficar fora do jogo: a Rússia é também uma potência na região.
Falamos quase no escuro porque não sabemos o que estão a dizer uns aos outros. Como há muito se sabia, nenhum dos atores era irracional — têm, sim, racionalidades diferentes como o futuro continuará a demonstrar. Mas há novidades no curto prazo.
Kim é o primeiro vencedor. O seu prestígio subiu em flecha. O Presidente dos Estados Unidos trata-o como um igual. Vai negociar face a face com o país mais poderoso do mundo. “Mal os dois líderes se sentem para falar, Kim pode plausivelmente vangloriar-se de ter obtido algo que nem o pai nem o avô conseguiram”, escreve o americano Stephen Walt. E conseguiu-o antes de fazer qualquer concessão a Trump.
Pelo contrário, observa Robert E. Kelly, especialista na Coreia, foi Trump quem fez a primeira concessão, ao acordar a própria cimeira. “Um encontro, entre Kim, o brutal gangster-autocrata, e o Presidente das EUA é uma estrondosa vitória da Coreia do Norte.” O sucesso de Kim apaga o seu anterior “cadastro”: passa a ser o “estratego brilhante” que conseguiu levar até ao fim os seus programas nuclear e balístico. Enfim, o “país eremita”, rigorosamente isolado do mundo, pode subitamente tornar-se numa plataforma giratória da diplomacia mundial. A cimeira muda o seu estatuto na Ásia.
Por sua vez, Trump prepara-se para reclamar o fim de uma das mais antigas guerras do mundo, um tratado de paz que substitua o armistício de 1953. Reclamará a genialidade da sua política de “máxima pressão” sobre a Coreia do Norte. Realizaria o que nenhum dos seus antecessores ousou fazer. Passa a imagem de que é o estadista que sabe correr riscos. Reivindicará que garantiu a segurança dos Estados Unidos.
A primeira contrapartida norte-coreana foi tornada pública pelo Presidente Moon na quinta-feira: Pyongyang deixa de exigir como contrapartida da desnuclearização do Norte a retirada das tropas americanas do Sul. A Coreia do Norte quer mostrar a sua vontade de fazer concessões. O próprio Kim teria dito a um enviado do Sul que o seu país não precisará da arma nuclear se “não for ameaçado militarmente” e se lhe derem “garantias de segurança”. Estranha e maravilhosa diplomacia — agora pública e não secreta — em que as partes correm a fazer concessões antes de negociar.
Há os pessimistas. Alex Turkeltaub, da Universidade de Princeton e antigo quadro do Departamento de Estado, baixa as expectativas: “O regime norte-coreano sabe que a sua sobrevivência depende da existência do seu programa de armas nucleares, não apenas pelo prestígio que isso lhe concede domesticamente mas também como garantia real contra uma invasão.” E previne: “O vencedor em todo este processo é a China. O seu objectivo ideal seria uma retirada americana da Ásia Continental combinada com uma Coreia do Norte moderada, mas ainda nuclear.” Muitos analistas não creem no sucesso da negociação.
O jornalista inglès Philip Stephens assinala a dificuldade da negociação: “O que Kim quer das conversações com os EUA é o seu reconhecimento como potência nuclear de pleno direito.” As dificuldades começam no fato de Washington e Pyongyang terem um entendimento muito diferente do que seria a desnuclearização. “A Coreia do Norte parece estar disposta a oferecer algo que possa limitar ou reduzir o seu programa nuclear, sem o eliminar imediatamente”, resume a Reuters. Quer um acordo faseado. Por sua vez, Trump quer resultados rápidos para mostrar. Se Trump rejeitar um processo faseado, será visto como responsável pelo fracasso. Alguns analistas americanos defendem que a eliminação dos mísseis, pelo menos dos de longo alcance, é o que mais interessa aos EUA.
Um fator importante é que a China é forçada a envolver-se na negociação. “A China deve querer regressar ao jogo. Pequim não gosta da ideia de estar nas linhas laterais”, diz Paul Haenle, do Carnegie Tsinghua Centre de Pequim. Vai envolver-se. Mas tentando transformar a negociação bilateral num “diálogo multilateral”, sugere o chinês Cui Zhiying, da Universidade de Xangai. Dennis Wilder, antigo conselheiro de G.W. Bush para a Ásia, conclui: “A visita de Kim a Pequim demonstra a todos os países interessados que a China é o ator central na geopolítica do Nordeste da Ásia e que qualquer solução na Coreia do Norte precisa da aprovação de Pequim.”
A haver cimeira, será necessário um qualquer compromisso. Neste momento, é vital para Trump e Kim. Será o espetáculo mediático do ano, que nenhum deles quer perder. Por razões internacionais e domésticas, Trump quer prestígio. Pelas mesmas razões, Kim quer o reconhecimento internacional.
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Quem ganha? Kim, Trump ou a China? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU