14 Fevereiro 2018
As autoridades peruanas deliberadamente esperaram a partida do Papa Francisco no dia 21 de janeiro para anunciar a promulgação de uma lei que autoriza a construção de estradas nas regiões fronteiriças amazônicas do país? A coincidência entre a partida do papa e o anúncio é, no mínimo, preocupante.
A reportagem é de Éric Samson, publicada no sítio La Croix International, 12-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De fato, três dias antes da chegada do papa em 15 de janeiro, o Congresso peruano aprovou a polêmica lei que “declara, como prioridade e no interesse nacional, a construção de estradas nas áreas fronteiriças e a manutenção de trilhos operacionais no Região de Ucayali”, que compartilha uma fronteira remota com o Brasil.
No entanto, a lei não foi divulgada até o dia 22 de janeiro, poucas horas após a partida do papa. Durante sua visita ao Peru, o Papa Francisco apelou ao governo peruano para proteger os pulmões da Terra e os povos indígenas que vivem lá e que estão “mais ameaçados do que nunca”.
A lei foi proposta pelo legislador conservador Glider Ushnahua com o apoio do partido fujimorista populista de direita, o Força Popular, que recentemente perdeu sua maioria legislativa no Congresso.
Embora tenha sido afirmado que a construção das estradas seria realizada com “o maior respeito pelas áreas naturais protegidas e pelos povos indígenas que vivem dentro delas”, os ministros da Cultura e do Meio Ambiente se opuseram a esse projeto durante o debate parlamentar.
No entanto, a lei foi aprovada sem questionamentos pelo presidente, Pedro Pablo Kuczynski, antes de ser silenciosamente promulgada.
De acordo com Laura Furones, da ONG Global Witness, entrevistada pelo The Guardian, “essa lei debocha dos compromissos do Peru em matéria de mudanças climáticas e da recente visita do papa”.
As rodovias construídas nessa frágil região amazônica, de fato, são uma “porta aberta para colonos, mineradores ilegais e exploradores da floresta preciosa e prístina”, disse Julio Cusurichi, líder indígena Shipibo de Puerto Maldonado. Julio Cusurichi é o presidente da Federação dos Nativos do Rio Madre de Dios e seus Afluentes.
Durante sua visita a Puerto Maldonado, o Papa Francisco condenou a “pressão exercida por grandes interesses econômicos” sobre o ecossistema amazônico, que é vital para o futuro do nosso planeta.
Julio Cusurichi acredita que esses interesses das grandes empresas que pressionam pela construção de estradas “ameaçam a sobrevivência dos povos indígenas e das tribos voluntariamente isoladas, e podem levar ao seu extermínio”.
Essa profunda preocupação é compartilhada pela antropóloga cultural Fiore Longo, diretora da Survival International France. Ela ressalta que as regiões fronteiriças da Amazônia entre o Peru, o Brasil e a Bolívia são o lar do “maior número de povos indígenas em isolamento voluntário do mundo”.
Já ameaçados pela exploração do petróleo, por operações de mineração ilegal e pelos narcotraficantes, esses povos indígenas estão em perigo devido à construção agora legal de uma estrada na região de Alto Purus.
“A Survival International condena essa lei abominável, que ameaça aniquilar alguns dos povos indígenas mais vulneráveis da Terra”, afirma Fiore Longo.
“A rodovia abriria a floresta tropical à invasão e a operações extrativistas com efeitos devastadores, como a exploração madeireira e a mineração ilegal.”
Os efeitos das estradas podem ser vistos na região de Madre de Dios, que é atravessada pela Rodovia Interoceânica que liga o Peru ao Brasil.
Existe uma “enorme” contaminação na região, ressalta David Huilca Gomez, motorista de caminhão, “bem como prostituição e tráfico de pessoas” nas áreas de mineração ilegal.
O jesuíta suíço Pe. Xavier-Arbex reconhece que a estrada abriu as portas para uma região que antes estava isolada. Ele acha que as rodovias agora poderiam ser construídas até em áreas protegidas.
“O problema – explica – é que a lei aqui é evitar a lei.”
“Embora eu pessoalmente não me importe de ter uma estrada, depois de anos e anos viajando no meio da lama, a estrada trouxe mais desvantagens do que benefícios.”
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Governo peruano desafia o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU