02 Fevereiro 2018
Cair nesta tentação climática é bastante fácil. “Achar que a tecnologia virá em resgate se não conseguirmos mitigar [reduzir as emissões de gases do efeito estufa] suficientemente pode ser uma visão atraente”, admite Thierry Courvoisier, presidente do Comitê Assessor Científico das Academias Europeias (EASAC, na sigla em inglês). Mas criar “expectativas pouco realistas” sobre essas tecnologias poderia ter consequências irreversíveis para as gerações futuras, escreve esse astrofísico suíço em um relatório da instituição.
A reportagem é de Manuel Planelles, publicada por El País, 01-02-2018.
Courvoisier se refere à luta contra a mudança climática e, especificamente, às chamadas tecnologias de emissão negativa – basicamente, capturar e armazenar os gases do efeito estufa da atmosfera, como forma de controlar o aquecimento global.
O Acordo de Paris, um pacto internacional que deve guiar a luta contra a mudança climática durante este século, definiu como objetivo que o aumento médio da temperatura do planeta até 2100 seja inferior a dois graus Celsius, e que na medida do possível seja limitado a 1,5 grau. Para isso, aponta a necessidade de “um equilíbrio entre as emissões antropogênicas” e “a absorção” dos gases do efeito estufa através de “ralos” na segunda metade do século. Ou seja, abria-se a porta para essas tecnologias de emissão negativas como ferramenta para alcançar as metas de Paris.
Mas o EASAC, composto pelas academias nacionais de ciências dos países membros da União Europeia, analisou em um relatório especial elaborado por 12 pesquisadores o impacto potencial dessas tecnologias e concluiu que elas não terão como desempenhar um papel fundamental. “Essas tecnologias oferecem uma limitada possibilidade realista de retirar o dióxido de carbono da atmosfera, e não na escala prevista em alguns cenários climáticos”, diz o texto.
Embora o relatório reconheça o papel que essas técnicas poderiam desempenhar no futuro, ele acrescenta que isso não ocorreria “nos níveis necessários para compensar medidas de mitigação insuficientes”. Ou seja, os Governos não poderão compensar com a captura de CO2 – o principal gás do efeito estufa – os cortes das emissões que deixarem de ser feitos, fundamentalmente, no setor energético, o qual responde por cerca de 80% do dióxido de carbono expelido pela economia europeia.
Quando um Estado ratifica o Acordo de Paris, que se foi selado em 2015 na capital francesa, deve apresentar planos nacionais de reduções das suas emissões. Mas os que estão atualmente sobre a mesa, abrangendo o período compreendido entre 2020 e 2030, são insuficientes para alcançar a meta dos dois graus. A ONU estima que, até 2030, as emissões mundiais teriam que estar em torno de 40 bilhões de toneladas de carbono por ano; entretanto, ao aplicar os compromissos nacionais dos signatários do memorando, estima-se que até lá o mundo estará emitindo 55 bilhões de toneladas de CO2 por ano. E o problema é que essa discrepância tenderá a aumentar ao longo das décadas, esgotando rapidamente o chamado “orçamento do carbono” – o volume de gases do efeito estufa que a humanidade pode emitir daqui até o final de século se quiser cumprir a meta dos dois graus. É aí que entrariam em jogo as tecnologias de emissão negativa, para retirar da atmosfera os gases expelidos a mais.
O EASAC conclui que, com o nível de conhecimento atual, essas tecnologias não poderão salvar o acordo. E adverte que a implantação das medidas de captura do dióxido de carbono em grande escala implicaria “altos custos econômicos e provavelmente importantes impactos sobre os ecossistemas terrestres ou marítimos”. O estudo também alerta que, nos cenários previstos pelo IPCC (um grupo de cientistas que analisa a mudança climática sob a égide ONU), confere-se um papel fundamental às tecnologias de emissão negativa. De fato, o relatório aponta que, em 344 dos 400 cenários propostos pelo IPCC para o cumprimento da meta dos dois graus, será necessária a captura de CO2 em grande escala.
O estudo do EASAC conclui, portanto, que os Governos devem “se dedicar a reduzir rapidamente as emissões de gases do efeito estufa” e revisar para cima, conforme estabelece o Acordo de Paris, seus compromissos a cada cinco anos.
Entre as técnicas de emissão negativa que o EASAC analisa constam o reflorestamento, a bioenergia gerada a partir de dióxido de carbono capturado e a captura direta do CO2 atmosférico. Entretanto, depois de analisar as diferentes técnicas, o relatório das academias conclui, partindo dos conhecimentos atuais, que seu potencial é muito limitado.
Por isso ela cobra dos membros da União Europeia e do resto de potências mundiais que se esforcem ao máximo para “mitigar as emissões” dos gases do efeito estufa. E oferece os caminhos a seguir: a eficiência energética e a economia de energia mediante medidas técnicas e regulamentações, a rápida implantação das energias renováveis, a boa gestão dos usos do solo...
A mensagem do Comitê Assessor Científico das Academias Europeias, entretanto, chega num momento de pouco otimismo. Após três anos seguidos de estagnação nas emissões mundiais de CO2 do setor energético e industrial, elas voltaram a crescer no ano passado. As estimativas do grupo Global Carbon Project estabelecem que em 2017 aumentaram 2% e bateram um novo recorde. Paralelamente, o acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera também está em níveis inéditos.
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Captura de CO2 não será solução para a mudança climática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU