10 Janeiro 2018
Professora, artista plástica e mestranda em Direitos Humanos veio ao Rio participar do ‘ColaborAmerica’, evento que propõe novas formas de economia na América Latina.
A entrevista é de Daiana Ferraz, publicada por O Globo, 05-01-2018.
“Sou da etnia Tukano, povo indígena do estado do Amazonas, da região do Alto Rio Negro. Nasci em São Paulo, numa família de lideranças indígenas com forte atuação no momento de redemocratização do país.
Moro em Brasília, onde sou correspondente da Rádio Yandê, primeira web rádio indígena do Brasil.”
O índio não existe. A ideia de índio como uma coisa só não corresponde à realidade. Somos mais de 325 povos, falamos mais de 180 línguas, espalhados por todo o território nacional. Somos civilizações à parte, com identidades, histórias e culturas únicas. Toda essa diversidade não cabe na palavra “índio”.
É preciso desconstruir esse preconceito que coloca o índio como uma coisa pasteurizada.
Quais os efeitos desse preconceito?
Já me perguntaram se eu comia gente e por que eu estava usando tênis, celular e óculos, já que aquelas não eram coisas de índio. A sociedade pouco sabe da história dos povos indígenas, só acredita numa repetição de estereótipos. Mas os índios são pessoas que vivem na contemporaneidade, não são coisa do passado.
Nossos conhecimentos e nossas tecnologias não são do passado. Somos tão humanos e capazes quanto os outros para criar, assimilar, usar e compartilhar tecnologias. Os preconceitos dão continuidade a uma série de violências, epistêmicas e físicas, que sofremos até hoje.
Você é pesquisadora de “pensamento decolonial”. O que é isso?
O processo colonial se baseou numa desqualificação do diferente, de achar o outro inferior. A decolonialidade questiona as estruturas do pensamento colonial em que nós ainda nos encontramos até hoje, que faz com que as principais referências das populações de países latino-americanos, por exemplo, continuem estando do outro lado do oceano. Essa visão de mundo colocou os europeus como referências de beleza, conhecimento, ciência e arte. Isso provoca uma autoestima constantemente baixa nessas populações. Porém, quando partimos ao encontro da nossa memória, conseguimos desvendar repetições históricas, como, por exemplo, o silenciamento sistemático da história, da verdade e da identidade de povos originários nas Américas em outros lugares do planeta.
Quais são os impactos desse pensamento colonial remanescente?
O Brasil é o país que mais mata e provoca suicídio entre os indígenas no mundo. No Brasil, ainda existem batalhas entre índios e “cowboys”: trabalhadores contratados por fazendeiros que querem criar seu gado e que dão mais valor para uma cabeça de boi do que para a vida de uma criança. As terras indígenas são invadidas por madeireiros, traficantes de animais selvagens e garimpeiros. Além disso, há os impactos em outros tipos de territórios que não são os físicos, como a identidade, a ciência e o conhecimento. É o caso da apropriação de nossa ciência pela indústria farmacêutica e das nossas simbologias pela indústria da moda, que não dão qualquer retorno às comunidades das quais retiraram aquelas ideias.
Para você, o que é desenvolvimento?
Desenvolvimento é a natureza. Nela, cada animal e cada planta fazem sua parte. Mas nós estamos tomando tudo da natureza e não damos de volta absolutamente nada. Então, se o sistema de economia se baseia em trocas, é preciso dar continuidade a isso. Garantir que a vida continue a fluir. Porque nós dependemos e fazemos parte desse ciclo vital. Não podemos esquecer que compartilhamos o mesmo planeta. Estamos na mesma canoa.
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Daiara Tukano, militante indígena: “Índios não são coisa do passado” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU