31 Agosto 2017
Enquanto o furacão Harvey, transformado em tempestade tropical ao atingir a costa americana, assola o estado do Texas, surgem muitas perguntas sobre a relação entre as mudanças climáticas e as chuvas sem precedentes registradas na região.
A entrevista é publicada por Deutsche Welle, 30-08-2017.
Em entrevista à DW, Andrew King, pesquisador de extremos climáticos na Universidade de Melbourne, afirma ser provável que as mudanças climáticas tenham intensificado as chuvas extremas no Texas. Ele acredita que, no futuro, será possível detalhar essa influência e alerta para a tendência de aumento de frequência e intensidade de furacões.
DW: Furacões são um fenômeno normal nesta época do ano no Golfo do México, e esta não é a primeira vez que o Texas é afetado. Mas é possível estabelecer uma ligação entre esta tempestade e as mudanças climáticas?
Andrew King: É bastante difícil estabelecer uma relação entre essa tempestade específica e as mudanças climáticas. Essas grandes tempestades tropicais ocorrem naturalmente. No entanto, sabemos que existe uma tendência de longo prazo de aumento da frequência e intensidade de furacões na bacia do Atlântico Norte. É provável que haja componentes ligados às mudanças climáticas nessa tendência.
No caso do furacão Harvey, o grande impacto é causado pela chuva em áreas mais para o interior. É provável que as mudanças climáticas tenham intensificado um pouco as chuvas extremas. É difícil quantificar o quanto exatamente elas contribuíram, mas provavelmente houve uma ligeira contribuição.
DW: Aparentemente, as marés de tempestade também são intensificadas pelas alterações no clima. Como as mudanças climáticas afetam os oceanos nesse sentido?
AK: Temos essa tendência geral de aumento do nível do mar. Sabemos que a média global do nível do mar está aumentando e que o nível do mar está crescendo na maioria dos lugares ao redor do mundo. E isso significa que quando temos uma tempestade como a causada pelo Harvey ou outro grande furacão, como o Sandy ou o Katrina, a maré de tempestade que teria acontecido de qualquer forma é ainda maior.
Isso porque o nível do mar, por si só, já subiu uma quantidade substancial, o que contribui para as marés de tempestade. E uma pequena elevação na maré de tempestade também significa que haverá um grande aumento no espaço afetado pela onda da maré, então, ela pode atingir muito mais áreas para além da costa.
DW: As pesquisas científicas que ligam mudanças climáticas a eventos climáticos extremos está, gradualmente, se tornando mais precisa. Em que medida os pesquisadores do clima conseguem ligar as mudanças climáticas a eventos climáticos específicos?
AK: Depende quase 100% do tipo de fenômeno climático. No caso de eventos de calor ou precipitação extrema, isoladamente, conseguimos determinar o papel das mudanças climáticas até que com bastante clareza usando simulações com modelos climáticos. Grandes ondas de calor são bastante fáceis de analisar, chuvas locais extremas são um pouco mais difíceis.
Tempestades tropicais ou furacões como o Harvey são muito mais complicados. Isso porque há uma confluência de vários fatores diferentes envolvidos. Ciclones tropicais se formam inicialmente como resultado de temperaturas do mar elevadas e baixas variações de corrente de vento na atmosfera, e então eles se deslocam para diferentes lugares e atingem diferentes intensidades. Portanto, é muito mais difícil determinar o papel das mudanças climáticas.
Nossos modelos climáticos, embora sejam aprimorados o tempo todo, provavelmente ainda não são satisfatórios o suficiente para realmente poderem confirmar o papel das mudanças climáticas – ou pelo menos quantificar o papel delas nesse tipo de evento extremo. No caso de outros eventos climáticos extremos, como ondas de calor, frequentemente conseguimos fazer rapidamente essas quantificações alguns dias após o evento. Isso não será possível com o furacão Harvey.
(Foto: Astronauta Randy Bresnik /NASA Goddard Space Flight Center)
DW: Você acredita que a tecnologia para produzir modelos climáticos se desenvolverá no futuro?
AK: Acho que iremos caminhar de alguma forma para responder esse tipo de questão e descobrir o papel das mudanças climáticas nesse tipo de tempestade tropical. Mas levará algum tempo. Exigirá melhores modelos climáticos. Possivelmente também exigirá técnicas ligeiramente diferentes na maneira como realizamos esse tipo de análise.
Na maioria desses estudos, estamos olhando para variáveis contínuas. Mas ciclones tropicais obviamente não são um evento contínuo: ou acontecem, ou não acontecem. E eles se formam em lugares diferentes. Então técnicas estatísticas diferentes podem ser necessárias para que se descubra devidamente a influência das mudanças climáticas nessas tempestades. Seremos capazes de fazer isso no futuro – mas ainda não chegamos lá.
DW: O que pode ser feito para ajudar cidades ao redor do mundo a lidar melhor com esse tipo de evento climático extremo?
AK: Certamente a tecnologia pode ajudar a mitigar alguns impactos dessas tempestades. Podemos usar barragens, por exemplo, para limitar os efeitos da maré de tempestade. Mas isso tem limites. Seria muito caro fazer isso em todo lugar.
Para cidades como Houston, podemos usar soluções de engenharia. Outros tipos de soluções também podem ser consideradas como formas de tornar superfícies mais permeáveis. Talvez possamos parar de expandir cidades localizadas em áreas vulneráveis. Entre as grandes cidades dos Estados Unidos que crescem mais rápido, Houston fica em segundo lugar. Talvez esse não seja o caminho certo. Em vez disso, talvez devêssemos construir ou expandir outras cidades em locais menos vulneráveis.
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Mudanças climáticas intensificaram a tempestade Harvey? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU