16 Agosto 2017
Apesar de a presidente do Fed (Federal reserve, o banco central americano), Janet Yellen, ter dito no mês passado que - "durante as nossas vidas" - é improvável uma crise financeira no nível da que abalou o mundo em 2007/2008, analistas dos mercados de ações especulam que um novo desastre poderia acontecer nos próximos meses.
A reportagem é de Nik Martin, publicada por Deutsche Welle, 16-08-2017.
Jim Rogers, cofundador do Quantum, um grupo privado de fundos hedge (de proteção contra flutuação de preços no mercado de ações), disse ao site Business Insider em junho que um colapso do mercado aconteceria "mais para o final do ano ou no ano que vem".
Numa entrevista ao canal de televisão CNBC, o investidor suíço Marc Faber, também conhecido como "Dr. Catástrofe", previu que alguns acionistas "perderão 50% de seus ativos" durante o que ele descreveu como uma "avalanche" de vendas.
Os dois investidores acusam a classe política de empurrar com a barriga o problema de uma crise financeira iminente ao não tratarem das fraquezas estruturais na economia global após o último crash.
A Grande Recessão, como ficou conhecida, foi desencadeada por uma queda no mercado imobiliário americano. Ela levou à inadimplência massiva no mercado de hipotecas subprime, que oferecia empréstimos imobiliários a clientes considerados de alto risco. A falta de pagamento gerou a maior crise bancária internacional desde a Grande Depressão, nos anos 1930.
Em 2009, numa tentativa de evitar um colapso do sistema financeiro, o Fed e outros bancos dos Estados Unidos emitiram trilhões de dólares em forma do que em inglês se chama Quantitative Easing (flexibilização quantitativa). Desde então, o dinheiro criado pelas instituições financeiras vem sendo despejado nos mercados financeiros e de outros ativos, como o imobiliário.
A onda de gastos do Fed levou a uma alta de preços recorde e críticas de que os ganhos da maior parte dos proprietários de ativos – ou seja, os 5% mais ricos dos EUA – não acabaram filtrados na economia real do país.
Analistas apontam também para outros gatilhos de um possível novo colapso financeiro, incluindo um crash da economia chinesa, altamente endividada – e com a qual países do mundo inteiro vêm estabelecendo relações crescentes. Uma crise potencial causada por inadimplência nos empréstimos de estudantes nos Estados Unidos também está na pauta dos observadores de mercados financeiros consultados pela DW.
Segundo o diário britânico Financial Times, graças a um aumento na quantidade de estudantes nas universidades e um encarecimento das mensalidades, o mercado de empréstimos estudantis dos EUA atualmente é maior do que os empréstimos registrados com compras feitas com cartão de crédito ou compras de carros, por exemplo – estas somariam 1,4 trilhão de dólares.
O jornal alertou para o fato de que 8 milhões dos 44 milhões de estudantes que recebem créditos dos bancos atualmente não têm capacidade de pagar as cessões temporárias de dinheiro – um problema que provavelmente vai se agravar devido a uma recuperação econômica morna.
Mesmo que não estejam tão pessimistas sobre as possibilidades imediatas para a economia global, analistas financeiros concordam que é insustentável depender da flexibilização quantitativa e apostar em baixas taxas de juros para manter as economias de vários países funcionando.
"Estamos dependendo de preços altos de ativos e continuando a inflar os preços desses ativos, tudo isso combinado com altos níveis de empréstimo do consumidor – e esta é uma mistura um pouco tóxica, que pode gerar instabilidade financeira", disse à DW Fran Boait, diretora executiva da organização não governamental Positive Money, com sede em Londres.
Fundado em 2010, o grupo Positive Money luta por reformas no chamado sistema de reserva fracionária, praticado em vários países do mundo. Esse sistema permite a bancos, por exemplo, fazerem empréstimos ou investimentos em valor muito maior ao valor sob sua guarda. Assim, eles têm de reter apenas uma fração do dinheiro que tomam emprestado para cobrir dívidas.
Segundo o Positive Money, esse sistema causou a fraqueza do atual sistema financeiro.
Fran Boait acredita que muitos países nunca chegaram a sair da chamada Grande Recessão. Segundo ela, a classe política não percebe o que aconteceu em 2008 como um colapso econômico contínuo.
"Faz parte de uma crise de longo prazo, na qual os padrões de vida estão caindo, os salários reais estão caindo e a vida da maioria das pessoas está ficando mais difícil", diz a representante do Positive Money, acrescentando que a população consegue enxergar claramente a desconexão entre suas próprias vidas e a dos mercados financeiro e imobiliário, que continuam sendo "inflados" pela flexibilização quantitativa.
O economista Iain Begg, da London School of Economics, acha improvável uma nova crise financeira acontecer agora devido às tentativas de reguladores de aumentar a vigilância sobre o setor financeiro como um todo, em vez de contemplar apenas instituições individualmente.
"Sim, as baixas taxas de juros estão voltando a estimular o crédito nas grandes economias mundiais. Mas o 'boom' do crédito não vem sendo alvejado como foi nos Estados Unidos em 2007, especialmente com os créditos imobiliários subprime", diz Begg.
Ele alerta que os políticos precisam exercitar uma vigilância extrema para impedir o surgimento de novos fatores de estresse para a economia mundial. O economista descreve ainda como vários países criaram medidas para assegurar a estabilidade financeira, o que, segundo ele, permitiria que problemas relacionados a dívidas poderiam ser contornados antes de sair do controle.
Apesar de não enxergar nenhum "indicador de luz vermelha", Begg afirma que existe atualmente uma grande incerteza sobre quando e em que ritmo o Fed pretende se desvencilhar da flexibilização quantitativa.
Pelo fato de ter sido a primeira vez em que essa política monetária foi usada, prescindir da flexibilização quantitativa – que também permitiu ao Fed manter as taxas de juros em níveis recordes de baixa nos últimos anos – poderia criar uma turbulência econômica própria.
A medida foi utilizada para manter a economia americana sobrevivendo, o fim da flexibilização quantitativa poderia causar uma nova recessão ou, pelo menos, uma diminuição no ritmo de crescimento da economia mundial, o que muitos observadores do mercado acreditam que deixaria o Fed sem opções, a não ser relançar o programa de flexibilização quantitativa.
"Como eles aprenderam a usá-lo, não hesitarão em recomeçar com ele. Não temos dados para saber se isso é um cálice envenenado, no qual as taxas de juros são mantidas bem abaixo do que consideramos normal, e com a criação de novos problemas para o futuro", alerta Begg. "Temos tão pouca experiência."
Já o Positive Money, que apoia a ideia de cancelamento de dívidas e da chamada emissão de dinheiro "para o povo" para ajudar a diminuir níveis recordes de dívida privada, prevê uma bolha muito maior que a dos imóveis em 2008 se a medida da flexibilização quantitativa for repetida.
"Os bancos centrais estão sem munição. Tudo o que eles querem é serem capazes de continuar praticando a flexibilização quantitativa – o que torna os ricos mais ricos e aumenta o preço dos ativos. Precisamos de alternativas porque está claro que essas ferramentas não estão mais funcionando. Não podemos empurrar esse assunto com a barriga por muito mais tempo", afirma Boait.
O aumento nas taxas de juros é um outro risco que poderia precipitar uma desaceleração econômica ou até mesmo um crash do sistema imobiliário em vários mercados mundiais, incluindo Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e vários países asiáticos, enquanto os tomadores de empréstimo – viciados nas baixas taxas de juros – lutam para atender a um custo de vida crescente.
"Se você tem uma hipoteca altamente adaptada e for atingido com uma taxa dupla de juros, de 1% para 2%, então há mais o que temer do que se as taxas subirem de 5% para 6%. É puramente aritmético", calcula Begg, o economista da London School of Economics.
Numa outra área da economia, temores com um crescente protecionismo – à luz da promessa de campanha do presidente americano, Donald Trump, de trazer de volta os empregos aos americanos, além de outras possíveis restrições econômicas, como o Brexit – poderiam abalar a confiança tanto das empresas quanto dos consumidores, e se tornar o gatilho de um novo colapso financeiro. Nesse caso, a economia alemã – altamente dependente das exportações de veículos e de outros bens industriais – poderia ser afetada.
"O que aprendemos das crises anteriores é que elas sempre são diferentes de suas antecedentes", diz Begg. Ele ainda dá o exemplo do mais novo modelo de financiamento de automóveis, segundo o qual consumidores fazem o leasing do veículo (aluguel de bens que leva em conta o valor do carro, por exemplo, e uma taxa de juros, com possibilidade de compra no final do contrato). Os contratos são de curto prazo, e os carros são revendidos ao fim de dois ou três anos.
Alguns analistas previram que o mercado de carros de segunda mão poderia entrar em colapso diante de uma oferta maciça de veículos seminovos. Outros alertam que o mercado de leasing de carros poderia reproduzir a crise dos contratos imobiliários subprime, uma vez que consumidores de alto risco continuam tomando emprestadas altas quantias de dinheiro.
Begg alerta que este cenário pode ser algo negligenciado, mas que representa um risco que pode vir a surpreender. "E isso é algo que deveríamos temer mais do que esperar mais do mesmo que vimos em 2007/2008."
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O que pode causar uma nova crise financeira? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU