05 Agosto 2017
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou hoje representação na Procuradoria Geral da República, solicitando que Rodrigo Janot investigue mais crimes cometidos por Michel Temer, valendo-se da máquina pública para prejudicar direitos indígenas protegidos pela Constituição e beneficiar a bancada ruralista, em manobra para se salvar da denúncia no STF.
Foto: Mídia Ninja
A notícia é publicada por Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 04-08-2017.
Em petição a Apib afirma que no dia 20 de julho de 2017 foi publicado no Diário Oficial da União o Parecer n. 001/2017/GAB/CGU/AGU que obriga a Administração Pública Federal a aplicar as 19 condicionantes que o STF estabeleceu na decisão da PET n. 3.388/RR quando reconheceu a constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol a todas as terras indígenas.
O documento afirma ainda que a partir de 2016, com a ascensão de Michel Temer à presidência da república, iniciou-se um acelerado retrocesso dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil. Em maio de 2017, quando o ex-presidente da Funai, Sr. Antônio Fernandes Toninho Costa entregou o cargo, acusando o ex-Ministro da Justiça de agir em favor de um lobby conservador de latifundiários e outros interesses da bancada ruralista, inclusive impondo indicações políticas dentro da Funai, o órgão vem sendo dirigido por um general do Exército.
A despeito de protestos do movimento indígena nacional, assumiu a presidência da Funai o general Franklimberg Ribeiro de Freitas. Empossado no cargo, Sr. Freitas tem assinado uma série de medidas controversas, particularmente no que diz respeito à perspectiva de assimilação de povos indígenas, escondida atrás do argumento do desenvolvimento econômico. Enquanto isso, o Conselho Nacional de Política Indigenista segue inoperante há mais de um ano, demonstrando a falta de interesse do Ministério da Justiça em estabelecer um diálogo com os povos indígenas.
A representação da Apib denuncia que o parecer nº GMF-05, como medida administrativa, violou a Convenção n. 169 da OIT ao não realizar a consulta prévia com os povos indígenas que foram afetados em seus direitos pela Portaria vinculante. Da mesma forma, viola o art. 19 da Declaração das Nações Unidas sobre direitos dos povos indígenas, que da mesma forma determina a consulta prévia quando medidas legislativas afetarem povos indígenas.
A petição afirma ainda que o próprio STF reconheceu a validade dessa linha de argumentação e a impossibilidade de aplicação automática das condicionantes a outras situações além da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, declarando isso categoricamente no julgamento dos embargos de declaração opostos na PET 3388/RR.
“… o próprio STF afirmou, expressamente, na Ementa do Acórdão que julgou os embargos de declaração na PET 3388 que a decisão proferida NÃO POSSUI EFEITO VINCULANTE e seus efeitos NÃO SE ESTENDEM, DE FORMA AUTOMÁTICA, a outros processos em que se discuta matéria similar […] Ocorre que, em um processo ilegítimo, conduzido totalmente às margens da lei e da Constituição, por um governo igualmente ilegítimo, foi aprovado o Parecer nº GMF-05, elaborado pela Advocacia-Geral da União, que simplesmente desconsidera essa decisão do STF e estende as condicionantes da PET 3388 indistintamente e automaticamente a todos os demais processos de demarcação de terras indígenas, fazendo exatamente aquilo que a Suprema Corte expressamente determinou que não seria possível”.
A Apib afirma ainda que o Parecer Vinculante nº GMF-05 aponta como suposta motivação o cumprimento da jurisprudência do STF, chegando ao ponto de se debruçar em um capítulo inteiro sobre “A intenção do STF em dar aplicabilidade geral às salvaguardas institucionais”. Contudo, o próprio STF expressou literalmente que as salvaguardas não possuem aplicabilidade automática e efeito vinculante a outros processos demarcatórios, eis que dependem da estrita análise da situação fático-concreta de cada terra indígena. Assim afirma:
“… afastar uma determinação expressa para sustentar a tese de que, na verdade, bem no fundo, a intenção do STF seria outra, consiste em acrobacia interpretativa que somente poderia ser admitida no âmbito da psicanálise, mas nunca da hermenêutica jurídica. Está-se diante de um raro caso de ato administrativo que contém, a um só tempo, todos os vícios descritos no art. 2º da Lei nº 4717/65”.
Segundo a denúncia protocolada, as determinações contidas no Parecer Vinculante excederam as competências do Presidente da República e da Advocacia-Geral da União, que só poderiam normatizar a atuação da Administração Pública Federal nas hipóteses constitucional e legalmente aceitáveis, jamais impondo normas abstratas por meio de parecer jurídico que distorce e contraria o teor expresso de decisão do Plenário do STF.
O Parecer Vinculante contém vício de forma, porque não foi submetido à consulta prévia dos povos indígenas, nos termos do que dispõe a Convenção nº 169/OIT, norma válida e cogente, que possui status supralegal, nos termos do entendimento do STF. O objeto do Parecer Vinculante é inconstitucional e ilegal, porque viola os direitos originários dos povos indígenas à demarcação, à proteção e ao usufruto exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam, nos termos do regime jurídico-constitucional estabelecido em 1988. É juridicamente viciado no que toca aos seus motivos, porque os motivos indicados para a sua edição são inexistentes e, ainda, incongruentes à sua finalidade, já que a sua edição foi fundamentada no suposto intuito de cumprir determinação do STF, a qual, na verdade, é em sentido diametralmente oposto.
“A única interpretação admissível do ponto de vista lógico-racional para o entendimento do STF na PET 3388, esclarecido no acórdão que julgou os embargos declaratórios, é que as suas razões de decidir e, em especial, as condicionantes, possam ser consideradas, caso a caso, como premissas interpretativas, mas, jamais, em hipótese alguma, como normas abstratas, cogentes, vinculantes e automáticas, com força de lei, como impõe o Parecer”.
Para a Apib, o Parecer GMF-05 publicado pelo Presidente Temer incorre flagrantemente na hipótese de desvio de finalidade, isto porque o parecer da AGU foi assinado e publicado no dia 20 de julho de 2017 pelo presidente Michel Temer no contexto da votação de crime de responsabilidade em razão de denúncia criminal pela Procuradoria Geral da República. Nesta esteira, objetivando manter e ampliar sua base de apoio entre os partidos, o presidente Michel Temer, segundo notícias amplamente divulgadas na mídia nacional e internacional, teria se reunido com deputados e até mesmo liberou verbas parlamentares, as quais estão na esfera de articulação.
“Desde abril do ano passado, quando assumiu o presidente Michel Temer, nós temos cobrado a sua posição. Qual é posição do governo Michel Temer com relação a essa questão indígena. A gente sabe a posição do governo Lula e do governo Dilma, que hoje deixou mais de 700 processos em andamento em todo o Brasil. Do Lula para cá. De 2003 para cá. Tem hoje milhares de produtores que estão sendo afetados por esses laudos antropológicos fraudulentos, essa baderna, essa bagunça, de não respeitar o Marco Temporal de 05 de outubro de 1988, fazendo valer direitos imemoriais, a chamada posse imemorial. Ao longo desses meses, nós conversamos com o Ministro Alexandre de Moraes, quando Ministro da Justiça, com o próprio Ministro Osmar Serraglio, que também foi Ministro, e por último agora, com o Ministro Torquato. Da mesma forma, com a Advocacia Geral da União, hoje a Ministra Grace, foram várias reuniões. E a última reunião que fizemos ainda em abril, com o Ministro Padilha, com o Ministro Osmar Serraglio e com a Ministra Grace,nós acertamos um parecer vinculante, que o grupo de técnicos da casa civil, do Ministério da Justiça e também da Advocacia Geral da União, liderado pelo Dr. Renato Vieira, que é um advogado geral da união, assessor especial hoje do Ministro Padilha da casa civil, tem já um parecer vinculante. O que que é esse parecer vinculante. Esse parecer, que será assinado pelo presidente da república e pelo advogado geral da união, vai fazer o que? Vai unificar todas as decisões das 19 condicionantes do Supremo Tribunal Federal. E com isso vão revisar que tem andamento até esse momento, que ainda não foram sacramentado. Seguramente na minha avaliação, mais de 90% dos processo no Brasil, são mais de 700 processos, só no Rio Grande do Sul eu tenho mais de 31 processos em andamento. Seguramente mais de 90% são ilegais, portanto serão arquivados. Então, primeiro o presidente já se comprometeu de assinar esse parecer vinculante junto com a advogada geral da união, a Dra. Grace. É um grande avanço para os produtores brasileiros que estão ansiados, agoniados em cima da pressão que fazia a Funai, que fazia o Ministério da Justiça e que agora o presidente Michel Temer, uma nova direção para os produtores rurais brasileiros”.
A manifestação do Deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) revela uma aliança com o presidente da república e a “bancada ruralista” e explicita claramente que o Parecer foi articulado nesse contexto. Como ressaltado em sua fala o Deputado Heinze: “acertamos um parecer vinculante” com a AGU, Ministério da Justiça e a Casa Civil. “De forma flagrante, o Parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGU incorre na hipótese de desvio de finalidade ou de poder, pois fica cristalino que “o agente busca uma finalidade alheia ao interesse público. Isto sucede ao pretender usar de seus poderes para prejudicar um inimigo ou para beneficiar a si próprio ou amigo”.
Por fim, a Apib solicita a imprescindível investigação pelo Ministério Público Federal apurando a vinculação do Parecer Vinculante como contrapartida para obtenção de apoio político, especialmente no que se refere à obtenção dos votos necessários à rejeição da denúncia criminal contra o Presidente da República Michel Temer, que está pendente de análise no Congresso Nacional.
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APIB pede que PGR investigue Michel Temer por crimes de improbidade administrativa e favorecimento a bancada ruralista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU