04 Agosto 2017
Vou cometer uma análise do campo mais próximo ao meu e espero que as pessoas não fiquem chateadas: a esquerda alternativa, ou esquerda não-(ex)governista. No campo do pós-impeachment, vejo pelo menos quatro atitudes preponderantes:
1 - a atitude crítica radical: tem se dedicado a um esforço negativo de apontar as continuidades, desmascarar as mistificações e reafirmar a memória dos erros da esquerda. Quando digo "negativo" não é no sentido pejorativo, mas no sentido de ruptura tal como, por exemplo, Adorno ou Paulo Arantes;
2 - a hesitação arrependida: diante do cenário pavoroso em que estamos situados, muitos parecem arrependidos ou menos convictos da oposição radical e capitulando nas críticas, realinhando-se ao campo ex-governista em nome do combate ao horror atual;
3 - o pragmatismo: aqueles preocupados em estabelecer um diagnóstico do presente para construir um futuro a partir do que pode funcionar entre pautas transformadoras e o senso comum, independente dos emblemas identitários, da disputa entre petistas e antipetistas e das tradições da esquerda;
4 - a radicalização à esquerda: os que criticam a política de conciliação de classes e passam a defender alternativas mais radicais à esquerda como resistência ou alternativa de poder.
É possível algumas combinações, mas diria que vejo essas quatro tendências como preponderantes.
A máfia se auto-absolvendo e ninguém nas ruas .....
A falta de mobilização ontem, dia da vergonha nacional, não é nem inexplicável, nem sinal de melancolia ou outra coisa, pelo contrário é um sinal de inteligência (que não necessariamente se transformará politicamente em algo afirmativo).
Por um lado, não havia ninguém porque PT e MBL não tinham - por razões opostas - nenhum interesse em dar efetividade ao Fora Temer.
Pelo outro, não havia ninguém porque a multidão democrática não é burra: as pessoas, em geral, não são estúpidas e não vão pra rua por razões ideológicas: a esquerda se juntou ao PT que governou com a pior direita por 13 anos e depois que - juntos - quebraram o país hoje pretende organizar um FORA Temer que seria um VOLTA Lula.
É UM FORA QUE IMPLICA A VOLTA DO MESMO.
O PT fica gritando fora Temer numa votação fajuta no mesmo patamar das eleições fajutas de outubro de 2014 e pensando que todo o mundo esqueceu que foi o PT que ajudou Temer a FICAR no TSE, da mesma maneira que foi o PT que o elegeu.
Não é verdade que ninguém entende: todo o mundo entende muito bem que a esquerda é hoje uma mistificação e uma armadilha.
Não haverá mobilização à altura até quando não será desfeito esse nó, ou seja até quando será CONTRA TEMER E CONTRA LULA (PT) e se novas formas de organização autônomas e progressistas não saberão faze-lo, inclusive fazendo-rede no plano institucional, o risco cresce que seja a nova direita fascista.
Valor: "Apenas três iniciativas de um "pacote de bondades" recente para agradar aos parlamentares - a liberação de emendas, o refinanciamento de dívidas de produtores rurais e o aumento dos royalties da mineração - somam uma conta de R$ 13,2 bilhões."
Ou o Brasil acaba com essas saúvas (Temer & ruralistas) ou eles vão acabar com o Brasil (atualizando Saint-Hilaire).
Enquanto a rataria parlamentar desfilava trepidante naquela rave felliniana de ontem, as ratazanas governamentais consumavam a demolição do CNPq, após ofertarem um mimo de dez bi às ratazanas do campo que dão calote perpétuo na Previdência - ah, a Previdência. Destruir o CNPq em plena era da economia cognitiva é destruir qualquer possibilidade de futuro autônomo, é levar ao paroxismo o projeto reacionário de reconverter o país ao fazendão (econômico, eleitoral, trabalhista, tecnológico, científico, ambiental) pré-1930.
Mas é também, e imediatamente, levar ao desespero milhares de jovens doutorando(a)s, mestrando(a)s e graduando(a)s, que, sem culpa nenhuma por porra nenhuma, estão sendo avisado(a)s hoje de que não vão mais receber suas bolsas a partir de amanhã. Muito(a)s são migrantes que tiveram que deixar suas cidades e sua gente pra estudar num lugar melhor, quase todo(a)s dependem disso pra comer, morar, se deslocar. Se organizaram pra isso, assumiram compromissos, fazem a parte dele(a)s. É uma ruptura de contrato brutal, covarde, canalha: lesa-pátria e lesa-humanidade. Pensem se o BC avisasse hoje à banca e aos investidores que amanhã não paga mais juros! Mas Mengelles e sua gangue fazem isso com menino(a)s que trabalham (não são parasitas como os agiotas) em pesquisa científica, formação para a docência e tecnologia. Este é o resultado nefasto e enojante da "pec do teto".
E aí? Quem estranhou o quê? A questão é: até quando essa escória dominante continuará podendo contar com a placidez da carneirada? Precisarão fazer o que mais para serem contemplados com uma boa revolta, digna desse nome, por parte de todo(a)s nós? Cuspir nas nossas caras, matar nossos cachorros? Quanto mais facilmente fizerem, mais fácil acharão fazer, até que estejamos todo(a)s totalmente a ferros. Não é com petição virtual, nem com cirandinha, showmício ou seminário que se sobrevive a isso tudo, já passou da hora de ir pro pau, parar as cidades. E os campos. Me chame que eu vou.
No seu livro sobre ação coletiva na era das redes, Rodrigo Nunes classifica o "sistema-rede" como o eixo maior, mais disperso e heterogêneo, o "movimento-rede", que seria a consciência-de-si desse sistema, e os movimentos sociais propriamente ditos como a unidade menor e mais coesa. Essa distinção me ajuda a explicar o texto de ontem.
Digamos que a oposição ao PT e os descontentes em geral eram o sistema-rede, os paneleiros e verde-e-amarelos eram o movimento-rede e MBL, VPR e Revoltados eram os movimentos propriamente ditos. Três graus de organização distintos.
Meu ponto é que o contágio se dá por camadas, e esses grupos acabaram assumindo o protagonismo dos protestos no Brasil nos últimos 3 anos. Colocaram muito mais gente na rua que a esquerda, viralizaram muito mais na web e foram amplamente vencedores em 2016, tendo prefeitos como Dória e Marchezan expressamente vinculados às suas ideias. Por isso, assumiram uma certa "vanguarda" das ruas, ainda que o "sistema-rede" (que eu prefiro chamar "ecossistema") fosse muito mais heterogêneo, e por vezes com ideias bem diversas (como a relação com os serviços públicos), que os movimentos propriamente ditos.
Esse ponto já parecia estar chegando há mais tempo (por exemplo, com o pedido de prisão de Aécio), mas ontem ficou patente que o principal nó da indignação -- a corrupção -- de desfez. O aglutinador do ecossistema governista à época do PT, apoiado pelos satélites, era uma política social voltada à inclusão e resistência às demandas do mercado. O estelionato eleitoral desfez a base. Agora, é o aglutinador da direita que se liquefaz, na medida em que a tensão entre os segmentos que querem "passar a limpo o Brasil" a qualquer custo, maioria da população conforme pesquisas recentes, e os que querem "manter a estabilidade" (e portanto revelam o mesmo cinismo que criticavam no PT) ficou evidente.
Não estou dizendo que os setores enfaticamente antipetistas vão mudar de linha, nem que necessariamente isso tudo reverterá em favor do PT, mas ao menos no nível simbólico/discursivo e diante da maioria mais ou menos neutra, esses setores estão perdendo a capacidade de liderar.
Segundo a UFRJ, TODAS as bolsas de pesquisa do CNPq serão suspensas no mês que vem. Não sei se o mesmo se aplica às demais instituições de ensino e pesquisa.
Fiquei pensando que se isso ocorresse nos Estados Unidos ou em outro país dito desenvolvido seria uma convulsão social. A imprensa gritaria, as empresas iriam na jugular do governo.
No Brasil, exceto por aqueles que vivem dessas bolsas, o assunto não desperta nenhum interesse. A mesma coisa ocorre com a morte silenciosa da UERJ.
Isso diz muito sobre duas coisas.
Primeiro, o distanciamento da universidade do cotidiano da sociedade brasileira.
Segundo, o papel da pesquisa no capitalismo brasileiro.
Bastou um governo FDP resolver matar de inanição a universidade pública no Brasil e ela morrerá silenciosamente...
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