22 Junho 2017
"Eu vim para Barbiana para prestar homenagem à memória de um sacerdote que testemunhou que é na doação de si a Cristo que se acaba encontrando os irmãos em suas necessidades e se torna possível atendê-los, para que seja defendida e promovida a sua dignidade de pessoas, com a mesma doação de si que Jesus nos mostrou, até a cruz". Estas são as palavras com as quais Francisco começou sua homenagem ao padre Lorenzo Milani. “Orem por mim, não se esqueçam, para que eu também tome o exemplo desse bom sacerdote, e também vós, sacerdotes, mesmo os idosos, porque não há aposentadoria para os sacerdotes, vamos em frente, e com coragem". Assim o Papa encerrou sua homenagem, na praça ao lado da casa em Barbiana.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 20-06-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Pouco depois das 11 horas, vindo de Bozzolo, o Papa desembarcou de helicóptero no espaço ao lado da igreja, acolhido pelo Cardeal Giuseppe Betori e pelo prefeito de Vicchio. Bergoglio foi direto para o cemitério para rezar em recolhimento no túmulo do padre Milani. Na sequência, de carro, foi conduzido à igreja e, antes na praça, depois dentro da igreja, cumprimentou alguns discípulos e ex-alunos do sacerdote florentino.
Após fez uma breve visita à casa paroquial e à escola. Então, de volta à praça, tomou a palavra, primeiro para manifestar sua felicidade pela presença dos ex-alunos do padre.
"Vocês são testemunhas de como um padre viveu a sua missão, nos lugares onde a Igreja o chamou, com plena fidelidade ao Evangelho e, por isso, com plena fidelidade a cada um de vocês, que o Senhor lhe havia confiado. E são testemunhas de sua paixão pela educação, da sua intenção de despertar nas pessoas o humano para abri-lo ao divino. É por isso que se dedicou inteiramente à escola, com uma escolha que aqui, em Barbiana, acabou realizando de forma ainda mais concreta".
A escola, explicou o Papa, para o padre Lorenzo, "não era algo diferente de sua missão sacerdotal, mas a forma concreta para desempenhar tal missão, dando-lhe uma base sólida e capaz de alavancá-la até o céu. E quando a decisão do bispo o transferiu de Calenzano para cá, entre os meninos de Barbiana, logo entendeu que se o Senhor havia permitido essa mudança era para lhe dar novos filhos para educar e amar".
"É preciso dar novamente a palavra aos pobres - afirmou Francisco - porque sem a palavra não há dignidade e, portanto, não há liberdade e justiça: isso ensina o padre Milani. É a palavra que vai abrir o caminho para a plena cidadania na sociedade, através do trabalho, e à plena participação na Igreja, com uma fé consciente. Isto vale em sua própria maneira, também para os nossos tempos, em que apenas possuir a palavra pode permitir o discernimento entre as muitas e confusas mensagens que chovem sobre nós, e expressar às aspirações profundas do próprio coração, bem como às expectativas de justiça de tantos irmãos e irmãs que aguardam por justiça. Daquela plena humanização que reivindicamos para cada pessoa sobre essa terra, ao lado do pão, da casa, do trabalho, da família, também faz parte a posse da palavra como instrumento de liberdade e fraternidade".
O Papa explicou que a dos educadores é "uma missão de amor, porque não é possível ensinar sem amar e sem a consciência de que o que é doado é apenas um direito que se reconhece, o direito de aprender. E há tanto para ensinar, mas o essencial é o crescimento de uma consciência livre, capaz de confrontar-se com a realidade e orientar-se nela guiada pelo amor, pelo desejo de se comprometer com os outros, de assumir suas cargas e feridas, de se afastar de todo egoísmo para poder servir o bem comum". Como padre Milani escreveu em "Carta a uma professora": "Eu aprendi que o problema dos outros é igual ao meu. Resolvê-lo todos juntos é política. Resolvê-lo sozinho é avareza".
"Isso - acrescentou - é um apelo à responsabilidade. Um apelo que diz respeito a vocês, caros jovens, mas antes de tudo a nós, adultos, chamados a viver a liberdade de consciência de maneira autêntica, como busca de verdade, de beleza e de bondade, prontos para pagar o preço que isso comporta".
Bergoglio, em seguida, dirigiu-se aos padres presentes em Barbiana, alguns dos quais compartilharam com o padre Milani "os anos do seminário ou o ministério em lugares vizinhos. A todos quero lembrar que a dimensão sacerdotal do padre Lorenzo Milani está na raiz de tudo o que foi rememorando até agora sobre ele”.
Ele repetiu: "A dimensão sacerdotal está na raiz", acompanhado pelos aplausos dos presentes. Tudo "vem do seu ser padre. Mas, por sua vez, o seu ser padre tem raízes ainda mais profundas: a sua fé. A fé totalizante, que se torna uma doação completa ao Senhor e que no ministério sacerdotal encontra a forma plena e realizada para o jovem convertido”.
O Papa citou as palavras do diretor espiritual do padre Milani, padre Raffaele Bensi, segundo ao qual o prior de Barbiana "literalmente fartou-se de Evangelho e de Cristo. Aquele jovem partiu imediatamente para o absoluto, sem meio termo. Queria salvar-se e salvar, a qualquer custo. Transparente e duro como um diamante, devia ferir-se e ferir”.
Sem "esta sede de Absoluto - disse mais Francisco – é possível ser um bom servidor do sagrado, mas não é possível ser padre, verdadeiro padre, capaz de se tornar servo de Cristo nos irmãos. Caros sacerdotes, com a graça de Deus, vamos tentar ser homens de fé, uma fé sincera, não insossa; e homens de caridade, caridade pastoral para com todos aqueles que o Senhor nos confia como irmãos e filhos. Padre Lorenzo também nos ensina a amar a Igreja, como ele a amou, com a franqueza e a verdade que também podem criar tensões, mas nunca rompimentos, abandonos. Amemos a Igreja, caros coirmãos, e façamos que seja amada, mostrando-a como mãe amorosa de todos, especialmente dos mais pobres e vulneráveis, tanto na vida social como na pessoal e religiosa. A igreja que o padre Milani mostrou ao mundo tem esse rosto materno e atencioso, voltado para dar a todos a oportunidade de encontrar a Deus e, assim, dar consistência à sua própria pessoa em toda a sua dignidade".
Finalmente, o Papa quis explicar o significado de seu ato: "Quer ser uma resposta àquele pedido reiteradamente encaminhado pelo padre Lorenzo ao seu bispo, ou seja, que fosse reconhecido e compreendido em sua fidelidade ao Evangelho e na retidão de sua ação pastoral. Em uma carta ao bispo escreveu: "Se o senhor não me honrar, hoje, com qualquer ato solene, todo o meu apostolado parecerá como uma atitude privada'".
Francisco reconheceu que a partir do cardeal Silvano Piovanelli, "de cara memória, em diante, os arcebispos de Florença em várias ocasiões deram este reconhecimento ao padre Lorenzo. Hoje, quem faz isso é o Bispo de Roma. Isso não apaga as amarguras que acompanharam a vida do padre Milani - não se trata de apagar a história ou de negá-la, mas de compreender as circunstâncias e humanidades em jogo - mas mostra que a Igreja reconhece naquela vida uma maneira exemplar de servir o Evangelho, os pobres e a própria Igreja”. Com a oração diante do túmulo do prior de Barbiana, Bergoglio considera ter respondido também à mãe do padre Milani, que desejava: "O que mais me importa é que seja conhecido o sacerdote, que seja conhecida a verdade, que se preste honra à Igreja inclusive pelo que ele foi na Igreja e que a Igreja preste honras a ele. ... aquela mesma Igreja que tanto o fez sofrer, mas que lhe deu o sacerdócio e a força daquela fé que, para mim, continua sendo o mistério mais profundo do meu filho. ... Se não for realmente entendido o sacerdote que padre Lorenzo foi, dificilmente ele será entendido e todo o resto. Por exemplo, o seu profundo equilíbrio entre dureza e caridade".
Depois de um momento de oração final, o Papa encerrou sua homenagem, falando de improviso: "O padre ‘transparente e duro como um diamante’ continua a transmitir a luz de Deus no caminho da Igreja, tomem a tocha e a levem adiante. Orem por mim, não se esqueçam, para que eu também tome o exemplo desse bom sacerdote, e também vós, sacerdotes, mesmo os idosos, porque não há aposentadoria para os sacerdotes, vamos em frente, e com coragem”.
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"Eu estou aqui para reconhecer a fidelidade ao Evangelho do padre Milani", afirma Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU