23 Mai 2017
“Eu não vim lhes dar lições, dizer-lhes como vocês devem viver.” Donald Trump escolhe a Arábia Saudita, primeira etapa da sua rota entre as religiões abraâmicas (nesta segunda-feira ele esteve em Israel, depois no Vaticano), para lançar a sua doutrina sobre o Islã: ele é o anti-Obama, a inversão do discurso que o seu antecessor fez no Cairo em 2009.
A reportagem é de Franco Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 22-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele oferece um pacto de aço com as monarquias sunitas do Golfo, não discute o seu obscurantismo, pede em troca que assumam as suas responsabilidades: luta sem trégua contra o terrorismo islâmico, na própria casa e no mundo.
“As nações do Oriente Médio não podem esperar que os Estados Unidos o derrotem. Vocês devem vencer esse inimigo que mata em nome da fé de vocês.” Ele tranquiliza os líderes do Gulf Cooperation Council, que reúne as monarquias do Golfo Pérsico: nenhuma concessão ao inimigo Irã.
Há um retorno à realpolitik kissingeriana. Trump chama de “realismo fundamentado em princípios” e o conjuga assim: “A segurança é construído na estabilidade. Não abandonaremos os nossos aliados”. É uma referência à acusação que a direita estadunidense dirigiu contra Barack Obama naquele período em que ele apoiou as primaveras árabes, contribuindo para a queda de Mubarak no Egito. Trump não vai refazer essa escolha.
Falando na capital de um dos regimes mais reacionários, que apoiou e financiou mesquitas e madrassas integralistas em todo o mundo, ele exclui que deseja exportar liberdade ou democracia. Há uma passagem sobre a “opressão das mulheres” e sobre a perseguição das minorias religiosas (judeus, cristãos) que pode soar crítica à Arábia Saudita, que o hospeda. Ela foi atenuada pelo apoio incondicional aos aliados de sempre, contanto que se unam aos Estados Unidos na batalha contra o terrorismo, condenando-o também em nome da fé muçulmana.
O discurso que Obama fez aos jovens da Universidade do Cairo em junho de 2009 continha um apelo aos valores universais comuns. Ele foi interpretado em retrospecto como um dos fatores que teriam contribuído para desencadear as primaveras árabes.
Trump se apresentou depois que, entre os primeiros atos do seu governo, figuravam os dois decretos sela-fronteiras – depois bloqueado pela magistratura –, que impediam o ingresso de seis países de maioria muçulmana. E, para escrever o discurso sobre o Islã, o presidente chamou justamente o seu conselheiro mais envolvido na redação dos decretos anti-islâmicos, Stephen Miller, um aluno do ideólogo extremista Stephen Bannon, que está em Riad na delegação da Casa Branca.
Sobre Teerã, ele usou palavras duras: “O Irã financia, arma e treina terroristas que espalham destruição e caos em toda a região. Na Síria, Assad, apoiado pelo Irã, cometeu crimes indizíveis. À espera de que o regime iraniano mostre a sua vontade de ser um parceiro pela paz, todas as nações devem trabalhar juntas para isolá-lo”.
O apelo de Riad é para a construção de uma “coalizão de nações que compartilhem o objetivo de erradicar o extremismo e de dar aos nossos filhos um futuro de esperança que honre a Deus”. Há um eco da “coalizão dos dispostos” de George W. Bush depois do 11 de setembro de 2001. Trump também fala de “guerra contra o mal”, assim como Bush lançou a sua cruzada contra o Império do Mal, que incluía o Iraque de Saddam, o Irã e a Coreia do Norte.
No discurso de Trump, há a parte que os seus eleitores estadunidenses querem ouvir: um forte chamado às responsabilidades dos países árabes no terrorismo. “Só poderemos prevalecer sobre esee mal se cada um nesta sala fizer a sua parte e assumir a sua responsabilidade. O terrorismo se espalhou pelo mundo inteiro. Mas o caminho para a paz começa aqui, nesta terra antiga e sagrada. As nações do Oriente Médio não podem esperar que seja a força dos Estados Unidos que esmagará esse inimigo para elas. Vocês são uma terra rica em história e em recursos. Não deveriam ser a terra de onde fogem os refugiados. Expulsem das sociedades de vocês os soldados do mal.”
Trump chegou ao Oriente Médio depois de uma campanha em que havia lançado acusações vagas contra o Islã. “Os islâmicos nos odeiam”, repetiu ele várias vezes. Entre os seus alvos, também estava a Arábia Saudita, que ele acusou abertamente de ser responsável pelo 11 de setembro.
Onde Trump não recua em relação ao seu passado é no fato de pronunciar a definição “terrorismo islâmico”, que Obama preferia evitar, para não ofender as sensibilidades religiosas. Mas isso era esperado pelo seu eleitorado de direita, que não suporta o “politicamente correto” dos democratas.
“Esta – diz Trump – não é uma batalha entre fés ou entre civilizações. É uma batalha entre o bem e o mal. Isso implica enfrentar honestamente a crise do extremismo islâmico e dos grupos terroristas islâmicos que ele inspira. As lideranças religiosas devem ser claras: a barbárie não lhes dará nenhuma glória. Se vocês escolherem o terrorismo, a vida de vocês será vazia, será breve, a sua alma será condenada.”
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Islã: Trump, o anti-Obama: "Eu não vim lhes ensinar a viver" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU