07 Março 2017
Conhecido pela postura de combate aos servidores públicos – na campanha à Prefeitura, em diversos momentos, falou em enfrentar os interesses de sindicatos e corporações -, o prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) não completou nem dois meses no cargo antes que sua gestão tivesse o primeiro grande enfrentamento com o funcionalismo público. No caso, com os professores da rede municipal.
A reportagem é de Luís Eduardo Gomes, publicada por Sul21, 05-03-2017.
O motivo para a discórdia foi a nova rotina escolar instituída pela Prefeitura com a revogação, em 21 de fevereiro, de um decreto de abril de 2004 que regulamentava o artigo 29 da Lei 6.151/1988, que dispõe sobre o regime normal de trabalho do Magistério Municipal, e a apresentação de portaria estabelecendo mudanças na forma como as escolas vêm se organizando nos últimos anos.
A principal delas reduz de 50 para 45 minutos o tempo dos períodos letivos, retardando o início das aulas das 7h30 para as 8h no período da manhã (das 13h10 às 13h30 na tarde), mas institui que professores titulares acompanhem os alunos em todos os momentos dentro de sala de aula.
Para a secretaria, isso significará um aumento da carga horária, uma vez que retiraria períodos de folga compensada que são ministrados pelos chamados professores volantes, de especialidades como músicas e artes, e acabaria com o período de refeições acompanhadas pelos professores. Para a Associação dos Professores Municipais de Porto Alegre (Atempa), essas alegações demonstrariam um desconhecimento da realidade das escolas da Capital, uma vez que a nova organização, na verdade, reduziria o tempo dos alunos em sala de aula.
Apresentada a diretores de escola em um ato que contou com a presença do prefeito e do titular da Secretaria Municipal de Educação (Smed), Adriano Naves de Brito, no próprio dia 21, a nova organização gerou uma resposta imediata dos professores municipais. Convocados por WhatsApp e outras redes sociais, na manhã do dia seguinte, centenas de educadores participaram de um protesto diante da Smed para exigir que a Prefeitura voltasse atrás. Nos dias seguintes, assembleias e novas mobilizações foram convocadas como parte da luta dos municipários contra a nova rotina.
Além de acusarem a atual gestão de desconhecimento sobre a realidade das escolas, os professores reclamam que a nova rotina foi instituída de cima para baixo, sem diálogo prévio com pais, estudantes, diretores e educadores. Fabiane Pavani, diretora da Atempa, disse, durante o protesto do dia 22, que os professores só foram apresentados ao secretário no dia em que ele anunciou as medidas.
“As quatro horas que estão sendo colocadas representam uma diminuição de fato das horas no conjunto da semana que o aluno é atendido hoje pela rede municipal”, disse. “Demonstra um desconhecimento da rotina das escolas. Quando ele coloca que os alunos tomam café dentro do horário de aula, não é verdade. As escolas abrem às 7h, 7h10, e às 7h30 já estão com os professores e os alunos indo para a sala de aula”, complementou na ocasião Luciana Pereira, diretora-geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa).
Após uma “pausa” para o Carnaval, o assunto voltou à pauta já na quarta-feira de cinzas, quando o secretário Brito participou de um debate na Câmara dos Vereadores. Na ocasião, além dos professores, que lotaram as galerias, vereadores de oposição, independentes e até mesmo ligados à base de Marchezan na Casa criticaram e pediram a revogação da portaria 135/2016. “O governo municipal não pode, a cada mudança que pretenda fazer na cidade, provocar uma confusão como essa”, disse o vereador André Carús (PMDB), do bloco independente. O líder do governo na Câmara, vereador Claudio Janta (SD), defendeu que era preciso abrir diálogo com professores e a comunidade escolar.
Os educadores municipais chegaram a cogitar a realização de uma greve caso as mudanças não fossem revertidas. Mas, nesta sexta-feira, em assembleia realizada na Paróquia da Pompéia com a presença de centenas de pessoas, muitas delas aguardando do lado de fora do salão onde era realizado o evento devido ao maciço comparecimento, decidiram rejeitar as novas diretrizes para educação e começar as aulas com os calendários decididos pelas comunidades escolares em 2016.
Após o encontro, que apresentou uma mobilização considerada histórica em termos numéricos pelos sindicalistas, os presentes partiram em marcha pelo Centro de Porto Alegre em direção ao Paço Municipal, onde entoaram palavras de ordem exigindo a revogação das medidas pela Prefeitura.
Em entrevista concedida ao Sul21 na última sexta-feira, o secretário Adriano Naves de Brito afirmou que a nova organização escolar foi concebida a partir da percepção da Prefeitura de que os alunos da rede municipal apresentavam, em média, resultados abaixo do esperado em competências básicas (Português e Matemática) e que para reverter esse quadro seria preciso melhorar a relação do aluno com o professor.
“Partindo desses dois princípios, nós fomos analisar a rotina escolar. Percebemos que a rotina da criança na escola estava muito entremeada com alimentação. De modo que o efetivo exercício efetivo de docência entre professor e aluno era alguma coisa como duas horas e cinquenta e dois minutos em média de aula na parte da manhã. Levando em conta que, na quinta-feira, os alunos tinham três períodos e eram dispensados às 10h, o que, além de problema de aprendizagem, gera um problema de segurança para os alunos e para os pais”, afirmou o secretário.
Segundo ele, a partir dessa conclusão, buscou-se então uma nova organização que aumentasse a carga horária, por um lado, sem sobrecarregar os professores por outro. “Conseguimos montar uma rotina que aumentasse de 2h52 em média por dia para 3h45 minutos por dia de aula efetiva com um professor com um aumento de apenas 15 minutos da carga horária docente do professor.
Na verdade, o professor que antes dava 12h30 por semana em sala de aula passará a dar 12h45 e terá menos 15 minutos de planejamento. Nos pareceu um custo bastante razoável para o professor diante de um benefício tão expressivo para o aluno”, disse.
O secretário afirma ainda justificada o fato de as medidas terem sido anunciadas logo no início do governo, mesmo há poucas semanas do início do ano letivo, sob o argumento de que não era possível esperar “mais um tempo sem termos o básico para melhorarmos as condições para os alunos”.
Sobre as divergências apresentadas pelos professores, Brito afirma que está aberto para o diálogo e que a única diretriz que tem força de lei para ser imposta é a redução dos períodos de 50 para 45 minutos e a garantia de que os professores permanecerão com os alunos durante 3h45 por dia.
“Se os professores querem acompanhar o aluno no café da manhã, tudo bem, não é um problema. O que nós estamos oferecendo é um calendário mínimo. O professor não pode dar, em aulas efetivas, menos de 3h45 por dia para o aluno. A divergência às vezes acontece porque os professores estavam contando as horas que eles acompanham o aluno no café como horas efetivamente dadas. Nós não contamos assim. Hora de acompanhamento no café da manhã não é hora efetivamente dada”, afirmou.
Também estaria decidido que, diferentemente do que ocorre atualmente, os alunos não seriam mais liberados após três períodos nas manhãs de quinta-feira, quando são realizadas as reuniões pedagógicas. Para elas ocorrerem, as escolas precisariam manter os alunos em atividades pedagógicas, disse o secretário.
Ele ainda afirma que, se os professores levarem adiante a decisão de não cumprir as novas diretrizes, a Prefeitura pode tomar medidas para exigir o cumprimento da nova rotina escolar. “Não está muito claro o que essa decisão [dos professores tomada na sexta] significa. Se os professores vão manter a mesma rotina do ano passado, significa meia hora a mais para os alunos. Se eles decidiram começar a aula às 7h30, isso vai significar um aumento ainda maior da carga horária dos alunos. Isso está bem. Se eles estão tentando manter a mesma rotina do ano passado com a compensação, vai ter o conflito com o ponto. Aí é uma questão de legal. Existe um mantenedor que contrata o serviço e o horário de prestação de serviço não depende da conveniência do contratado, mas da necessidade que o mantenedor estabelece”, disse.
Para os professores, no entanto, a fala do secretário revela, de novo, desconhecimento da realidade da rede de ensino municipal. Eles alegam que, com as mudanças, os alunos ficarão desacompanhados das 7h30 às 8h e das 12h às 13h30, o que colocará as crianças em “situação de vulnerabilidade” e diminuirá a qualidade da educação.
“Eu só tenho a dizer a palavra de ordem que foi construída pela minha comunidade escolar. ‘Secretário, tu não me enrola, eu estou aqui com toda a minha escola’. Nós sabemos como funciona a rotina das escolas. Às 7h30 iniciam as aulas, as comunidades sabem disso”, afirmou Fabiane Pavani na sexta.
Ela ainda reiterou que, até então, o secretário não tinha aberto as portas para o diálogo com a categoria. Além disso, a maioria dos conselhos escolares – que reúnem pais, professores, direção, estudantes e funcionários de escolas – estariam contra a mudança. “Nós fomos consultar as comunidades e temos considerações delas para apresentar ao secretário”, diz.
As articulações contra a medida se fortalecem também entre pais de alunos. Uma página criada no Facebook intitulada ‘Não à nova rotina escolar‘ critica a revogação do decreto pela gestão Marchezan e destaca, por exemplo, que as crianças não podem ficar sozinhas no pátio da escola, sem acompanhamento dos professores.
Por enquanto, de definitivo, apenas o retorno às aulas, que acontece nesta segunda-feira (6), e a perspectiva de enfrentamento entre a nova gestão de Porto Alegre e os professores da rede municipal de ensino.
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Crítico de sindicatos e servidores públicos, Marchezan começa governo enfrentando professores municipais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU