20 Fevereiro 2017
O Bispo de San Diego, Robert McElroy, levou seis minutos em seu discurso para despertar cerca de 700 líderes comunitários e ativistas da justiça social, convidando-os a romper e reconstruir em meio à política estadunidense atual.
O discurso, que durou 20 minutos, mas foi interrompido por aplausos dezenas de vezes, enfatizou as principais políticas públicas da presidência de Donald Trump até agora.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 19-02-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
"O presidente Trump era o candidato da mudança. Seu papel era mudar, segundo ele", disse McElroy na reunião regional dos Estados Unidos do Encontro Mundial dos Movimentos Populares, no sábado de manhã. "Bem, agora todos nós temos que buscar a mudança também."
"Precisamos romper com quem quer tropas nas nossas ruas para deportar os imigrantes ilegais, para separar mães e pais de suas famílias. Precisamos romper com quem retrata os refugiados como inimigos, ao invés de irmãos e irmãs passando por necessidades. Precisamos romper com quem nos treina para enxergar homens, mulheres e crianças muçulmanas como ameaças e não como filhos de Deus. Precisamos romper com quem quer roubar nossa assistência à saúde, principalmente dos pobres. Precisamos romper com quem tiraria até mesmo a assistência nutricional das bocas das crianças", disse o bispo.
McElroy não foi o primeiro bispo a falar neste encontro dos movimentos populares, nem o primeiro a animar o público ou abordar questões relativas ao governo Trump. Um dia antes, Dom José Gomez, cuja diocese de Los Angeles tem cerca de 1 milhão de imigrantes sem documentação, pediu uma reforma abrangente da imigração, condenando as políticas de deportação dos dois últimos presidentes e, particularmente, o tom de Trump.
"Não gosto do tom áspero, do sentimento de indiferença e crueldade que parece vir deste novo governo em Washington. Estão brincando com as nossas emoções, com as emoções das pessoas, com suas vidas e futuros, e isso não é certo", disse Gomez, acrescentando: "uma pessoa continua sendo uma pessoa, mesmo sem documentos".
Mas o religioso de San Diego se beneficiou da bênção do timing. Depois que palestrantes e participantes passaram dois dias pedindo que os líderes da igreja católica se envolvessem mais com essas questões - de terra, trabalho, habitação, racismo, imigração, a qual, segundo McElroy, é "uma questão-chave para ser enfrentada agora por nossa igreja local"- e em um painel sobre trabalho e alojamento, ele trouxe a mensagem que eles estavam ansiosos para ouvir.
"Achei muito forte", disse Christopher Newsome do Jardim de Bartram, na Filadélfia. Para ele, que é negro, foi ainda mais forte que as palavras tenham saído da boca de um grande homem branco. "Fiquei animado para ser católico."
John Gehring, diretor do Faith in Public Life, declarou no twitter que, dentre os que já presenciou, "foi um dos discursos mais fortes que um bispo já fez".
McElroy expressou suas observações aos líderes de base no que ele descreveu como uma "via poderosa" de antigos movimentos católicos de "ver, julgar e agir": ver a situação de forma clara, avaliar com os princípios do desenvolvimento integral das pessoas e agir "para implementar estes princípios considerando a situação específica de cada um".
A "estrutura simples, mas rica" destes princípios, disse ele, guiaram as ações sociais dos católicos no século passado na Europa e na América Latina. Mas os votos "que carregam uma história tão poderosa de transformação social em todo o mundo, a serviço da dignidade da pessoa humana", continuou McElroy, "devem ser renovados e repensados sempre, a partir das forças sociais, econômicas e políticas de cada momento histórico".
Esse momento, disse ele, é "um momento crucial para os EUA enquanto povo e nação, em que divisões amargas separam nosso país e poluem o nosso verdadeiro diálogo".
"As questões de emprego, habitação, imigração, desigualdade econômica e meio ambiente têm de ser objeto de esforços em conjunto, e não de separação. Devemos procurar palavras e ações proféticas que produzam unidade e coesão, e devemos fazê-lo num espírito de esperança, o que é possível", disse McElroy.
Ver é o "ponto de partida para a justiça transformadora" e foi a espinha dorsal da encíclica 'Laudato Si’ de Papa Francisco, sobre o cuidado com a casa comum, acrescentou McElroy, mas "em poucos momentos isto foi mais difícil do que agora na sociedade estadunidense”.
"É uma âncora importante para nós em tempos em que a verdade está sendo atacada. O Papa Bento XVI lamentou que a atenção à importância da verdade objetiva na vida pública e no discurso tenha diminuído. Chegamos a um momento em que fatos alternativos competem com fatos reais e as indústrias surgiram como formadoras de opinião pública de maneira destrutiva, em padrões isolados e desonestos", disse McElroy, quando alguém da plateia gritou: “Preach”.
Ele pediu que as pessoas nunca tenham medo de falar a verdade da realidade empírica e as "realidades de injustiça e marginalização que confrontam nossa nação". Ele ainda citou o discurso de Francisco no Encontro Mundial dos Movimentos Populares de 2015, na Bolívia: "quando olhamos nos olhos dos que sofrem, quando se veem as feições dos campesinos em perigo, do trabalhador pobre, dos povos oprimidos, das famílias sem-teto, dos imigrantes perseguidos, dos jovens desempregados, das crianças exploradas, não vemos e ouvimos uma estatística fria, mas a dor de uma humanidade que sofre, a nossa própria dor, da nossa própria carne".
"'Ver a situação com clareza' não é apenas um passo no trabalho em prol da justiça", disse McElroy à plateia de organizadores de base religiosa e da comunidade secular, mas "define tudo que se faz para transformar o mundo".
A partir daí, McElroy deslanchou.
O bispo de San Diego, disse que "a questão política fundamental da nossa era" é se as estruturas econômicas atuais dos EUA terão maior liberdade ou serão governadas "para resguardar a dignidade da pessoa humana e do bem comum da nação".
"Nessa batalha, a tradição da doutrina social da Igreja, sem dúvidas, direciona-se a fortes proteções governamentais e sociais para os oprimidos, os trabalhadores, os sem-teto, os que passam fome, os que não têm assistência médica decente, os desempregados", disse McElroy, despertando uma salva de aplausos.
"Essa postura do ensino católico advém dos ensinamentos do Livro de Gênesis de que a criação é um dom de Deus para toda a humanidade. Portanto, fundamentalmente, existe um destino universal para todos os bens materiais que existem no mundo. A riqueza é um patrimônio comum, não um direito de família ou de aquisição."
Em um dado momento, McElroy disse que muitas vezes se continha ao citar a declaração de Francisco de que a economia atual "mata", depois que as pessoas o acusaram de exagerar pelo que era apenas uma figura de linguagem.
Ele então pediu que a plateia do ginásio principal da Escola Católica de Ensino Médio de Modesto fechasse os olhos e pensasse em alguém que foi morto pela economia: "Um idoso que não tem dinheiro para seus medicamentos ou aluguel. Uma mãe ou pai morrendo trabalhando em dois ou três empregos; morrendo mesmo, porque nem assim conseguem manter seus filhos. Jovens que não conseguem se encontrar em um mundo onde não há emprego para eles e que se voltam para as drogas e às gangues ou ao suicídio."
Depois, McElroy pediu que as pessoas lamentassem a perda das pessoas em quem pensaram e depois gritassem seus nomes. Frank, Danielle, Ruth, Sarah, Jeffrey estavam entre os nomes pronunciados.
"O mundo precisa saber que essa economia mata", disse o bispo.
"Para a doutrina social católica, o caminho mais seguro para a justiça econômica é dar trabalho significativo e sustentável para todos os homens e mulheres capazes... O trabalho é, portanto, uma realidade profundamente sagrada. Ele protege a dignidade humana e a enriquece espiritualmente. Se realmente trabalhamos como co-criadores com Deus, será que isso não vale pelo menos US$ 15 por hora?", perguntou McElroy, em sua primeira declaração em apoio ao aumento do salário mínimo.
Além de pedir por mudança, McElroy convidou a todos para também reconstruirem em solidariedade.
"Temos de reconstruir esta nação em torno do serviço à dignidade da pessoa humana, para sustentar o que essa bandeira atrás de nós sustenta e que é a nossa herança: todo homem, toda mulher e toda criança neste país é igual e chamado a ser igual", disse ele.
Esta nação precisa ter um salário mínimo mais alto, suprir as necessidades básicas e de habitação dos pobres e "reconstruir nossa terra, ameaçada por nossas próprias indústrias", com forças tentando "ofuscar as realidades científicas do aquecimento global" do mesmo modo já usado por empresas de cigarro.
"Então, devemos ver, avaliar e agir. Vamos romper e reconstruir. E vamos fazer a obra de Deus", concluiu McElroy, ao receber uma calorosa salva de aplausos.
Depois, dizem que um dos participantes declarou: "precisamos de mais bispos como esse."
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EUA. Encontro Mundial de Movimentos Populares - Em discurso forte, bispo americano desafia a romper e reconstruir - Instituto Humanitas Unisinos - IHU