18 Janeiro 2017
Na tradição judaica, fala-se de chésed, ou seja, de obras de bem que vão além das necessidades materiais e envolvem a tentativa de compreender as necessidades até mesmo psicológicas do próximo. Na tradição cristã, recorre-se à expressão “atos gratuitos de amor e misericórdia” capazes de se traduzirem para uma caridade que não conhece fronteiras humanos ou geográficas. É o coração do Livro de Rute, no centro da 28ª Jornada para o Aprofundamento e o Desenvolvimento do Diálogo entre Católicos e Judeus que se celebra nessa terça-feira na Itália.
A reportagem é de Giacomo Gambassi, publicado no jornal Avvenire, 17-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um compromisso que se insere “em um período histórico em que se vê, de um lado, a multiplicação de iniciativas de diálogo (e não apenas com o mundo judaico), mas, de outro, uma espécie de fechamento preconceituoso, sempre à espreita, sempre perigoso e, especialmente, sempre absolutamente estéril”, explica o diretor do Escritório Nacional da Conferência Episcopal Italiana (CEI) para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-Religioso, Pe. Cristiano Bettega, na apresentação do subsídio para a jornada. Uma publicação que é um debate a duas vozes sobre o Livro de Rute entre o bispo de Frosinone-Veroli-Ferentino, Ambrogio Spreafico, presidente da Comissão Episcopal para o Ecumenismo e o Diálogo, e o rabino-chefe de Milão, Alfonso Arbib, presidente da Assembleia dos Rabinos da Itália.
No ano passado, foi concluído o itinerário de dez anos sobre o Decálogo, que tinha servido de fio condutor para a jornada. “Para os próximos cinco anos – afirma Spreafico – optamos por propor à reflexão comum um trecho tomado de cinco livros que, Bíblia judaica, constituem as cinco megillot (rolos): Rute, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Lamentações, Ester.”
Arbib acrescenta: “O Livro de Rute, desde os tempos dos Gheonim, é lido de costume durante a festa de Shavuot, isto é, a festa do Mattán Torá (o dom da Torá)”. O texto é a história de uma mulher estrangeira – modelo de piedade – que se casou com o filho de uma belemita, Noemi, que tinha deixado a terra de Israel por causa de um período de fome e tinha emigrado para Moab.
“O midrash – recorda o rabino – defende que a fome não havia atingido a sua família, que era muito rica e importante. O que a leva a emigrar é o temor de ter que assumir a responsabilidade de se ocupar das pessoas atingidas pela fome, de ter que dar de comer ou um teto para os pobres se protegerem. Do ponto de vista da norma legal, a escolha é legítima, mas o midrash pede para ir além da norma estrita.”
De acordo com o bispo, estamos diante de “uma história tão atual que nos coloca em contato com o drama da emigração de tantas mulheres e homens que fogem dos seus países não só por causa das guerras, mas também por causa da pobreza e da impossibilidade de prover o futuro das suas famílias”.
Rute, tendo-se tornado viúva, permanece ao lado da sogra Noemi, assim que esta última decide voltar para a sua terra natal. “Ela a segue quando retorna para Belém pobre, humilhada”, ressalta Arbib. “E se identifica completamente com a sogra e com o seu povo, convertendo-se ao judaísmo e dizendo: ‘O teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus’.”
Trata-se de um exemplo de chésed, de proximidade e ajuda. Spreafico ressalta: “Rute faz um ato de misericórdia, não deixando a sua sogra na solidão e em um destino incerto. Isso atrai sobre ela a bênção do Senhor e a benevolência dos homens. Gestos de amor abrem a vida dessas duas mulheres a um futuro cheio de esperança. Deus parece guiar a história dessas duas mulheres para a acolhida e a inclusão”.
É fundamental no livro o encontro entre Rute e o israelita Boaz. “Com chésed – observa o rabino – comporta-se Boaz, que permite que Rute colha no seu campo, apesar de ser estrangeira. Mas ele faz um ato de chésed ainda maior casando-se com Rute e dando uma descendência à casa de Noemi.”
Para Spreafico, emerge a preocupação de “não exclusão”, de “integrar também o estrangeiro, junto com as outras pessoas frágeis econômica e socialmente, como os escravos, o órfão e a viúva”. E esclarece: “O texto esconde uma tradição bíblica interessante que abre à solidariedade também para com aqueles que não fazem parte do povo de Deus”.
Assim, conclui o rabino-chefe de Milão, “o Livro de Rute nos indica uma das direções em que o diálogo pode se desenvolver: a da solidariedade para com o próximo, que pode ser comum às várias religiões, mas, acima de tudo, ao judaísmo e ao cristianismo, que vêm de uma raiz comum e que têm no princípio ‘ama o teu próximo como a ti mesmo’ um elemento essencial”.
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Diálogo com o judaísmo: Rute, modelo de acolhida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU