16 Novembro 2016
Uma nova carta de quatro cardeais ao Papa Francisco, levantando "dúvidas" sobre a Amoris laetitia. Para o teólogo italiano Andrea Grillo, "os cardeais que sobem ao primeiro andar se sentam na janela e tentam, de algum modo, fazer com que a Igreja em saída volte a entrar, temem os hospitais de campanha, evitam os campos de refugiados".
Leigo casado, Grillo é professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 14-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nota da IHU On-Line: A íntegra da carta, sob o título Criar clareza Alguns nós por resolver em "Amoris laetitia" - Um apelo, em espanhol, inglês, português, alemão e italiano, pode ser lida aqui.
Depois daqueles escritos durante o Sínodo, mais ou menos clandestinamente, outra carta, sempre com as assinaturas de costume, agora selecionadas [dos cardeais Walter Brandmüller, Raymond L. Burke, Carlo Caffarra e Joachim Meisner]. Mas, desta vez, não são expressados temores ou desejos. Não, esta é uma lista de "dúvidas".
O interessante é que a dúvida não é tanto sobre a Amoris laetitia, mas sobre o desígnio do papa como tal. Mas o efeito, inesperado, é que os quatro cardeais, formulando as suas cinco dúvidas, fazem surgir no povo de Deus três grandes certezas. A partir das suas cinco dúvidas, nascem as nossas três certezas.
A dinâmica eclesial também reserva essas surpresas. Se homens da Igreja experientes, depois de sete meses da apresentação do texto da Amoris laetitia, continuam "não entendendo" – ou não querendo entender – o que mudou e se agarram obstinadamente às suas "evidências suspeitas", tudo isso determina, no corpo eclesial , uma nova consciência, tão radical que se torna certeza. A sua desconfiança em relação à Amoris laetitia nos permite uma nova confiança com o Evangelho. Isso também, de certo modo, é ministério eclesial.
Na Igreja Católica, por causa de um histórico fato complexo, mas do qual esses Senhores Cardeais também deveriam ter se dado conta há muito tempo, pode acontecer que se fale uma linguagem que não tenha mais nenhuma referência à realidade. Pode-se falar de sujeitos casados perante a lei como se vivessem "more uxorio" e de "atos intrinsecamente negativos" como se estivessem fora da história. Na raiz desse mal-estar, está uma falta de reconhecimento da realidade e uma radical pretensão de autossuficiência. De nada vale a experiência: aprenderam a se esconder por trás da couraça de uma "ciência triste", identificada com o Evangelho, e têm a atitude de "defensores do bem das almas". Mas se perdeu o vínculo tanto com as almas quanto com o bem.
Chegou o tempo em que é preciso escolher entre iniciar processos de conversão ou ocupar espaços de poder. A todo o custo, os quatro signatários consideram que, para um pastor e para um homem da Igreja, não há alternativa. Ele só pode ocupar espaços de poder e jogar bombas de gás lacrimogêneo para impedir a visão do real. E se usa de todos os meios. Principalmente, pretende-se que a Escritura e a Tradição estejam a serviço das operações de "imunização do real" perseguidas ao longo dos últimos 40 anos. O povo de Deus e o magistério eclesial olham para essas tentativas como se olha, com a justa compreensão, para as crianças, que, privadas do seu brinquedo preferido, batem os pés e pedem justiça.
Há sete meses já, iniciou o caminho de uma recepção rica e complexa da Amoris laetitia. Os pastores que trazem no coração o bem dos seus fiéis conhecem o caminho, puseram-se a caminho: alguns na frente do povo, para incitar a marcha; alguns no meio do povo, para manter o bom ritmo comum; alguns na retaguarda, para proteger aqueles que tem o passo mais lento. Os pastores sabem onde ficar. Os cardeais que sobem ao primeiro andar se sentam na janela e tentam, de algum modo, fazer com que a Igreja em saída volte a entrar, temem os hospitais de campanha, evitam os campos de refugiados. Sentam na janela e se dizem: "Onde vamos acabar?". E a única resposta é: "É preciso acabar de ir". Ficar. Parados. Surdos. Imunes. Distantes. Indiferentes. Com um sentimento de infinita diferença do mundo estranho. Mas, acima de tudo, de Francisco, papa estranho. Que fede a vida. E que ousa não subordinar o Evangelho à lei.
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Cinco dúvidas, quatro cardeais, três certezas. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU