07 Julho 2016
A maioria do povo argentino, especialmente os mais humildes, tem um grande afeto pelo Papa Francisco. Calcula-se que ele goza da estima de 75%, com picos de 90% nos bairros populares. Muito superior a qualquer outra figura pública. Apenas 6% pensam o contrário. Nos últimos meses, na Argentina, multiplicaram-se críticas contra ele, rancorosas, irreverentes, ofensivas, provenientes sobretudo do setor político e de alguns expoentes dos meios de comunicação, que pretendem obscurecer a sua imagem.
A reportagem é de Francesco Strazzari, publicada por Settimana News, 04-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para reconstruir as polêmicas argentinas sobre Papa Francisco, é útil se referir à entrevista que o pontífice concedeu ao jornal La Nación (3 de julho) e que o L'Osservatore Romano retomou no dia 5 de julho. Os núcleos da imprevidente contestação ao pontífice são basicamente três.
O primeiro diz respeito à polêmica diretamente política: a acusação é de "remar contra" o atual presidente da República, Macri. Seus porta-vozes são alguns políticos e ministros como Marcos Pena, incapazes de situar qualquer um senão na linha contraposta ao kirchnerismo (os dois presidentes anteriores da República) e o antikirchnerismo (os atuais expoentes).
O encontro com E. Bonafini, uma das líderes das mães dos desaparecidos durante a ditadura militar, e as relações com G. Vera, impropriamente considerado pelo governo como porta-voz argentino do papa – ambos muito críticos ao governo – seriam a prova disso. Confirmada ainda mais pela sugestão dada a uma importante fundação de ajuda às escolas católicas, Scholas, de não recorrer a financiamentos do governo (desviados de emergências sociais) e ao apoio oferecido a um pequeno grupo de juízes, que ocasionalmente se encontram em Roma.
O segundo núcleo se refere à camada anticlerical que encontra a sua expressão em Jaime Duran Barba e no jornalista J. Lanata.
O terceiro núcleo é o dos tradicionalistas católicos, que não suportam a imagem de uma Igreja aberta e compreensiva como a de Francisco.
Polêmicas apenas locais? Em parte sim, em parte não. Basta reler a carta do papa à Comissão para a América Latina (19 de março de 2016), na qual Francisco denuncia o clericalismo a que está condenado (e em parte autocondenado) o laicado latino-americano, que desaparece na pressão das relações diretas da hierarquia com elites restritas e na proteção clerical difundida.
Mais em geral, há a irritação do papa todas as vezes em que algum político finge puxá-lo para o seu lado ou quer indicá-lo como inimigo.
Falamos sobre isso com o bispo de Neuquén, Argentina, Dom Virginio Bressanelli, ex-vice-presidente do episcopado argentino nos tempos da presidência de Bergoglio, membro da Comissão Permanente do episcopado argentino em representação da Região Pastoral Patagônia-Comahue e membro da Comissão Episcopal para a Vida Consagrada.
"Esses setores criticam o Papa Francisco por interferir na política nacional, favorecendo uma parte a despeito de outra. Concretamente, ele é criticado por simpatizar com o kirchnerismo e adotar uma atitude fria, se não até hostil, contra o governo de Macri, o atual presidente da República. Prolifera-se o 'diz-se que', nunca se vai à fonte, não se levam em conta os seus discursos, as suas homilias, os documentos pontifícios. Fazem-se leituras repletas de emotividade, de paixão, às vezes de interesses próprios. Pretende-se enquadrar o seu pensamento. O fato mais grave é que se associa o papa a pessoas muito discutidas do ponto de vista moral, por atitudes pouco democráticas ou por fortes suspeitas de corrupção, tentando diminuir a credibilidade da sua palavra e do seu testemunho de vida, tirando eficácia do seu ministério e criando preconceitos contra a Igreja local e universal."
Eis a entrevista.
Uma coisa é certa e, talvez, incômoda para alguns setores do próprio episcopado argentino: o Papa Francisco pretende envolver os bispos em uma maior participação e abrir debates internos, desenvolver a liberdade de expressão, a fraternidade, a coesão e o senso de corpo.
Exatamente isso. O Papa Francisco pretende ajudar os bispos a não se misturar em lutas mesquinhas e dissolventes, que afastam a Igreja do povo e da atitude de serviço, fechando-a em si mesma. Ele lhe recorda que a Igreja ganha ao não se ligar com o poder, ao não procurar privilégios, ao respeitar a autonomia recíproca em relação ao governo, ao manter uma leitura pastoral e crítica da realidade, ao colaborar com o bem comum, ao não se deter na simples denúncia, mas ao ser voz propositiva, ao percorrer o caminho do diálogo e do encontro, ao superar os confrontos estéreis e pouco respeitosos das diversidades, ao infundir uma esperança cristã ativa e anunciar o Evangelho mesmo quando, hoje, propõem-se valores contraculturais.
Ele está conseguindo isso no seu programa?
O episcopado argentino está mudando o seu modelo de presença, de estilo e de serviço. Obviamente, o caminho ainda é longo, porque, na nossa nação, há feridas históricas muito profundas, difíceis de curar. O que acontece no campo político é apenas a ponta do iceberg. Não há dúvida, por outro lado, de que o povo argentino não têm recursos humanos, intelectuais e espirituais capazes de inverter a situação. Temos muito caminho a fazer, mas, mesmo assim, a meta está muito mais perto agora do que antes. A participação é mais sentida, o debate é mais aberto, vão se esclarecendo muitas situações obscuras. Está sendo vivido um pluralismo político que obriga ao debate, ao consenso em vista ao bem comum. Sente-se a consciência de que todos estamos sujeitos à lei.
Há uma clara rejeição de qualquer forma de corrupção. Vê-se a urgência de respeitar e fazer valer a independência dos poderes institucionais sob uma mesma Constituição e bandeira. As tensões no país, além dos grandes problemas da pobreza – hoje em crescimento –, a falta de trabalho que respeite os direitos da pessoa, as dificuldades de acesso à moradia, a expulsão dos agricultores e de povos indígenas, a falta de um cuidado adequado da criação, as drogas muito difundidas e o tráfico de drogas solidamente implantado, o tráfico de pessoas, o desmembramento das famílias, a queda dos valores tradicionais, que envolve a perda dos pilares do nosso substrato histórico, cultural, social e religioso, eu acho que são e continuam sendo a preocupação do Papa Francisco.
O senhor tem a impressão de que as lideranças argentinas se deram conta disso?
Eu tenho a impressão que não. Ao contrário, eu acho que está acontecendo a mesma coisa quando ele era arcebispo de Buenos Aires: ele não foi totalmente compreendido. Muitas das suas pregações e mais ainda os seus gestos foram descobertos ou entendidos quando ele se tornou papa de toda a catolicidade e bispo de Roma. Mas ele sempre foi entendido pelos pobres, pelos humildes, por aqueles que sofrem, pelos expoentes de outras confissões religiosas, pelos movimentos populares e por muitas organizações sociais e de caridade que trabalham sem fazer barulho. Estou convencido de que, na Argentina, se quer bem ao Papa Francisco, mas ainda não se entendeu nem a sua pedagogia, nem o seu estilo, voltado à conversão da Igreja. O Papa Francisco oferece a toda a humanidade um novo paradigma de governar e um novo modelo de liderança.
Na sua opinião, quais são as chaves de leitura para entender a fundo o Papa Francisco?
Primeiro: certamente não a chave política, mas a chave pastoral. Os erros vêm quando os seus gestos são lidos em chave política, e isso é o que acontece na Argentina. Não que o Papa Francisco não seja um "político". É que a sua visão política é ampla, não partidária, enraizada no coração do Evangelho, compendiada na doutrina social da Igreja. Os pontos básicos do seu pensamento e comportamento são: a inclusão e o protagonismo real dos pobres na sociedade; o tráfico de pessoas; o respeito e a promoção da dignidade das pessoas; o objetivo de que cada pessoa tenha uma terra, um teto e um trabalho (tierra, techo, trabajo); o cuidado da "casa comum" e a ecologia integral e humana; a cultura do diálogo e do encontro; o respeito pelas instituições democráticas e a independência dos poderes do Estado; a verdade, a justiça e a misericórdia para todos.
Como tudo isso é percebido na Argentina?
Os argentinos têm duas "paixões": o futebol e a política. Perdemos a Copa América. O Chile venceu. Vi adultos chorando como crianças! A paixão pela política significa que, entre nós, todos votam não por obrigação, mas porque estão convencidos de que é um dever. Sentimo-nos responsáveis pela escolha do governo. Deixamo-nos levar pelas discussões como se fôssemos todos especialistas. A paixão, em si, é boa, mas não devemos exagerar. Voltemos ao Papa Francisco. Ele foi o principal redator do Documento de Aparecida que saiu da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. O Papa Francisco tem um olhar pastoral, lê a realidade do continente com os olhos de um pastor. A sua chave de leitura é a fé, apoiada pelo rigor profissional.
Sem dúvida, a linguagem do Papa Francisco é algo novo.
Certamente: é a linguagem da misericórdia, que não é fácil de entender por parte de quem não se move no âmbito da fé. É uma linguagem de gestos, silêncios, atitudes, palavras novas, estilo de vida e escolhas pessoais. Ele se propôs a chamar a Igreja novamente a uma conversão pessoal, social, estrutural e pastoral.
No entanto, há sinais em Francisco que, à primeira vista, são incompreensíveis, mas que colocam interrogações significativas. Levará algum tempo para entendê-los até o fim. Ele tem um carisma pessoal próprio: a sua leitura da realidade antecipa os tempos. Ele tem uma intuição lúcida da oportunidade do kairós, que ele sabe discernir com sabedoria. Ele sabe olhar longe e não é obcecado com a sua imagem, mesmo quando sabe que o estão usando.
Por isso, ele é o menos "populista" dos argentinos e o mais "popular" do mundo. Ele tem o carisma de saber olhar as pessoas. Ele presta atenção em cada pessoa. Olha-a no rosto, fixa-a nos olhos. Está atento aos detalhes, às situações e às pessoas que os outros não prestam atenção. Ele não tem medos, não gosta de caminhar sozinho. Ele tem a esperança teologal, que inclui a fé e o amor. Tem paciência, sabe esperar. Tem a meta clara, sabe como alcançá-la e envolve a todos. É coerente; exige a conversão primeiro para si mesmo. É misericordioso, porque tem uma experiência íntima de Deus. Sente-se misericordioso por investidura por parte de Deus.
Voltemos às críticas contra Francisco, que têm espaço nos meios de comunicação e em certos setores da política e das empresas. Pergunta-se por que ele ainda não visitou a Argentina.
São críticas muitas vezes ideológicas, porque quem joga lenha no fogo tem interesses bem diferentes, tem outros objetivos. Eu diria para não dramatizar os fatos dos últimos meses. Em um mundo pluralista, todos aqueles que são sinceros e límpidos nas suas posições vão perceber que o Papa Francisco é um bem para o país. Certamente, nós, argentinos, devemos aprender a conviver na diversidade de pensamentos e de estilos de vida. Mas devemos reforçar a nossa fé e o nosso amor pela Igreja.
João Paulo II foi um apóstolo missionário; Bento XVI, um mestre na fé; Francisco é um pastor com o cheiro das ovelhas. Ele está ciente de que tem sobre os ombros o peso de um grande ministério. Ele o leva com coragem e alegria. Sem minimizar as críticas que provêm de setores muito minoritários, na Argentina assim como no resto do mundo. A figura de Francisco é um sinal de esperança. Ele promove novidades e mudanças na sociedade, nas relações humanas e no serviço da autoridade. Perfila-se nele uma liderança totalmente nova. Eu não quero exagerar, mas vejo a liderança de Francisco moldada pelo Evangelho. Francisco, homem de oração e especialista em discernimento, coloca em ação uma liderança que se inspira em Jesus e, como Jesus, não fecha a porta a ninguém.
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A Argentina e o papado "popular" do Papa Francisco. Entrevista com Virginio Bressanelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU