Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF: Dr. Bruno Glaab, Me. Carlos Rodrigo Dutra, Dr. Humberto Maiztegui e Me. Rita de Cácia Ló. Edição: Dr. Vanildo Luiz Zugno.
Leituras do dia
Primeira Leitura: Ex 22,20-26
Salmo: Sl 17,2-3a.3bc-4.47.51ab
Segunda Leitura: 1Ts 1,5c-10
Evangelho: Mt 22,34-40
Folheando o Pentateuco, principalmente o Êxodo, o Levítico e o Deuteronômio, deparamo-nos com uma infinidade de leis. Algumas parecem absurdas (Ex 21,28ss; Dt 23,10ss), outras violentas (Dt 13), algumas claramente contrárias ao Evangelho (Ex 21,23ss). Todas estas leis, no entanto, ao serem criadas, tinham um objetivo: tornar possível a vivência da fé e a convivência humana. Portanto, as leis eram meios para que os israelitas realizassem sua vocação no amor a Deus e ao próximo.
Com o passar do tempo, porém, perdeu-se o espírito da lei e começou-se a valorizar a lei pela lei, ou seja, o que era meio, virou fim, sem se importar com o objetivo destas mesmas leis, ou seja, as leis se petrificaram na compreensão dos doutores. Os rabinos, preocupados com este emaranhado de leis, fizeram uma síntese. Resultaram, então 365 proibições e 248 prescrições, formando o total de 613 leis. Eles davam a cada lei o mesmo valor. Isto se tornou um peso para o povo, principalmente para os mais pobres e analfabetos, pois lhes era impossibilitado o acesso a tal legalismo complexo (Mt 11,28-30).
Já no AT há tentativas de simplificar e tornar mais viável a vida (Is 1,10ss; 56,1ss; 58,1ss, etc.). Alguns rabinos, mais liberais, tentaram dar alguma orientação que chegasse ao âmago das leis. Hilel dizia que tudo o que não se quer para si, não se deve fazer para os outros. Isto seria o centro da lei. Tudo o mais, na versão dele, seria apenas comentário deste princípio. Este pensamento está muito afinado com Mt 7,12. O problema é que, na compreensão dos rabinos, o próximo era somente o israelita. Os estrangeiros, os ignorantes, os miseráveis não eram seu próximo (Jo 7,49).
Diante deste peso insuportável, que eram as 613 leis e da reiterada tentativa de sintetizar e chegar ao âmago de toda lei, aconteceram inúmeros debates. Aproveitando-se deste momento, um legista quer embaraçar Jesus. Este, no entanto, não olha para as leis como fins, mas dá a elas o seu devido lugar, como o verdadeiro intérprete da lei (Mt 5,17). Baseia-se em Dt 6,5: amor a Deus e em Lv 19,18: amor ao próximo. Neste duplo mandamento, que na realidade é intrinsecamente interligado, subjaz todo espírito da lei, pois deste duplo amor depende toda lei e profetas, isto é, toda Bíblia. Toda revelação bíblica foi dada à humanidade por um só amor: amor de Deus que se expressa no amor ao próximo. Tudo o mais, são maneiras concretas de viabilizar a prática deste amor. Por isto, muito mais do que se preocupar com uma lista infindável de leis e querer saber qual é mais importante, o cristão deve ter em mente: amar a Deus e ao próximo. São Paulo diz: “toda a lei encontra o seu cumprimento nesta única palavra: ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo’” (Gl 5, 14). Este amor ao próximo é também o verdadeiro amor a Deus, pois quem ama os filhos, ama o Pai. Quando as leis, como meios, ajudam a viver este amor, elas são boas. Quando já não servem, devem ser abandonadas, como o fez Jesus que transgrediu as leis de pureza e tantas outras leis, como o sábado, alimentos etc.
Ainda hoje é muito comum ouvir que, na missa, deve-se falar das coisas do céu e não falar de economia, de salário, de justiça social. Isto, segundo alguns, seria política, coisa que não se trata na igreja. Percebe-se, no entanto, que, ainda no contexto da Aliança (Ex 19-24) a preocupação é bem outra. Amor a Deus deve se expressar no amor aos semelhantes. Principalmente aos mais carentes: estrangeiros, órfãos, viúvas, pobres endividados. A falta de amor a estas categorias afeta diretamente a Deus, pois ele diz: “Se ele clamar por mim, eu o ouvirei, porque sou misericordioso” (Ex 22, 26). O amor a Deus que se expressa no amor ao próximo, segundo a resposta de Jesus, já se encontra ilustrado na relação com as classes menos favorecidas, descritas no Êxodo.