01 Novembro 2018
“Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5,12)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho da Solenidade de Todos os Santos e Santas (01/10/2018) que corresponde ao texto bíblico de Marcos 5, 1-11.
No dia em que a Igreja faz memória de todos os Santos e Santas, a liturgia escolhe sabiamente o evangelho das Bem-aventuranças. A sabedoria deste texto, surpreendente e genial, está no fato de apresentar um projeto de realização total, de felicidade sem limites. O Evangelho que nos foi confiado é um programa de vida para alcançar a felicidade, a beatitude, a vida ditosa, prazerosa, bem-aventurada...
Na boca de Jesus brilha sempre a palavra-chave: “Felizes”.
A primeira coisa que Jesus proclama e deseja para o ser humano é: “seja feliz, ditoso, bem-aventurado...”
Ele não faz referência às práticas religiosas, rituais, doutrinas, leis... mas à vida e vida plena, aberta e solidária, compassiva e justa, mansa e humilde...
As nove bem-aventuranças des-velam uma atitude para com os outros: a simplicidade de vida, o chorar com o outro, trabalhar pela justiça, viver misericordiosamente, ser perseguido por causa da justiça...., é centrar-se nos outros, acima dos próprios interesses.
No texto evangélico, a bem-aventurança ou beatitude tem o sentido de “estar em marcha”, de “estar a caminho”. “Bem-aventurança”, em hebraico, quer dizer “em marcha” e a infelicidade é estar imobilizado, parado sobre a própria imagem, parado sobre as memórias do passado, parado sobre o sofrimento...
Por isso a bem-aventurança consiste em dar um passo a mais. Esta é uma bela definição da “espiritualidade”, dar um passo a mais a partir do lugar onde estamos. Cada uma das bem-aventuranças é um convite para nos recolocar em marcha, a partir do caminho que já percorremos. Há ainda muito por caminhar.
As palavras de Jesus nas Bem-aventuranças poderiam ser interpretadas no sentido em que Ele convida a nos colocar em movimento, a sair de nossa paralisia e fixação; Ele nos desperta para nos colocarmos em marcha através de nossa sede, de nossa fome de justiça, através dos lutos que temos de superar e das oposições que temos de enfrentar...
Jesus nos convida a viver uma felicidade que está em marcha. A vida é movimento e as bem-aventuranças possibilitam a passagem de uma vida suportada para uma vida plenamente assumida.
As bem-aventuranças não são formuladas negativamente, nem na forma de um código moral, mas de maneira positiva e aberta.
Elas são o compêndio do ministério de Jesus. Não é lei que se impõe por si mesma; é confissão: “o Reino chegou”.
Não é pura doutrina, mas estilo de vida, um modo de proceder. Jesus não prega diretamente uma moral. Proclama a “irrupção” da graça, do amor, da misericórdia, da justiça de Deus na história da humanidade.
Porque tem a certeza de que chegou a “hora” de Deus intervir na história, Jesus fica feliz e proclama “felizes” os até agora indefesos, oprimidos e marginalizados, mas que mantiveram viva a confiança em Deus.
Os enunciados das bem-aventuranças soam à primeira vista como “idealistas”, “utópicas”, absoluta-mente irrealizáveis no mundo em que vivemos. No entanto, pela sua provocação e questionamento, elas são a proposta mais realista, mais revolucionária e mais eficaz jamais pronunciada.
As bem-aventuranças são a exposição mais exigente e, ao mesmo tempo mais fascinante, da mensagem e da “intenção de Cristo”. Elas são a plenificação daquilo que é o mais humano.
Devemos levar em conta também que as bem-aventuranças não são um “sim” de Deus à pobreza e ao sofrimento, mas um rotundo “não” de Deus às situações de injustiça, assegurando a todos o maior dom que poderíamos esperar, o seu Amor. N’Ele os pobres podem esperar, ter confiança, não para um futuro distante, mas já, aqui e agora. Pode ser bem-aventurado aquele que chora, mas nunca aquele que faz chorar. Pode ser feliz aquele que passa fome, mas não aquele que é responsável pela fome dos outros. Buscar a felicidade nas seguranças terrenas é a melhor prova de que não se descobriu o amor de Deus. Mesmo nas piores circunstâncias imagináveis, as possibilidades de ser alguém, único e original, podem se fazer presentes.
Os Santos e as Santas são as testemunhas (martyria) da vida, ou seja, aqueles(as) que, inspirados nas Bem-aventuranças, foram presenças inspiradoras no mundo, portadores(as) de valores humanos e que construíram suas vidas sobre a rocha firme do amor incondicional e generoso; homens e mulheres que “viveram um caso de amor com a vida”.
Esta é a vocação fundamental à qual somos todos chamados, enquanto seguidores(as) de Jesus Cristo.
Ser santo(a) é ser dócil para “deixar-nos conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos.
Este “deixar-nos levar” pela mão providente de Deus é uma ousadia.
Na vida espiritual a liberdade tem que ser ousada, mas a maior ousadia é “deixar-se levar”.
“Deixar-se levar” é uma ousadia porque pressupõe a ação de Deus, um Deus que impulsiona e que impulsionará sem limites. É também uma ousadia porque a pessoa confia tranquila e descansadamente na força do Senhor que não falha. Ser santo(a) é “arriscar-se” em Deus. É navegar no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade...
O apelo à santidade perpassa toda a história do cristianismo e chega até os nossos dias. E o papa Francisco trata deste tema na Exortação Apostólica “Gaudete et Exsultate”, ou seja, o chamado à santidade no mundo atual. Numa cultura espiritualmente desnutrida, mas sequiosa de espiritualidade, como a nossa, longe de ser um tema e um assunto fora de moda, a santidade, é um assunto pertinente. É preciso revela-la a uma humanidade cansada de novidades e sedenta de verdade. É preciso purificá-la de tantas ambiguidades, equívocos, mal-entendidos para que a santidade seja entendida como um programa de vida, acontecendo no altar da vida, encarnada em pessoas de carne e ossos.
Papa Francisco fala de santidade acontecendo “ao pé da porta” (cf. n. 7), sendo, por isso, o rosto mais belo da Igreja (n. 9). A santidade não é uma subida em direção às perfeições, mas uma descida em direção à própria humanidade e à humanidade dos outros. Ser santo(a) é ser humano por excelência. E o caminho da santidade é, segundo o papa, transfigurar o cotidiano, resgatar o extraordinário em meio ao ordinário.
O melhor modo de fazer esta oração é seguir um dos “modos de orar” proposto por S. Inácio, ou seja: “Contemplar o significado de cada palavra da oração” (EE. 249).
* Rezar as dimensões da vida que estão paralisadas, impedindo-lhe viver a dinâmica das bem-aventuranças.
* Como ser presença visível das Bem-aventuranças no seu cotidiano?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Bem-aventuranças: uma provocação ao mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU