05 Outubro 2018
Enquanto os fariseus invocam a Lei de Moisés para autorizar o divórcio do marido, Jesus prefere remontar ao projeto original do Criador. O homem e a mulher foram criados um para o outro e sua missão está selada pela benção divina.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 27º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo B (07 de outubro de 2018). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas
1ª leitura: "O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne» (Gênesis 2,18-24).
Salmo: 127(128): "O Senhor te abençoe de Sião cada dia de tua vida."
2ª leitura: "Jesus, a quem Deus fez pouco menor do que os anjos, nós o vemos coroado de glória e honra por ter sofrido a morte" (Hebreus 2,9-11).
Evangelho: "Desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. ... Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe (Marcos 10,2-16).
As tradições que deram nascimento à Bíblia formaram-se em civilizações patriarcais, regidas pela dominação do homem. Podemos, contudo, perceber que, lentamente, os nossos escritos vão superando este "machismo" inicial. Evolução esta, aliás, que ainda não terminou. O segundo capítulo do Gênesis, de onde foi tirada a 1ª leitura, é o mais antigo dos relatos da Criação. Nele, surge primeiro o macho, que recebe o dom do universo vegetal e animal de que toma posse (o fato de dar os nomes significa a dominá-los). Mas este universo não basta para tirá-lo de sua solidão. Necessita para isto da companhia de um ser semelhante a ele.
Ora, fazer a mulher sair da costela do homem adormecido significa que nenhum dos dois estaria inteiro sem o outro, e que o ser humano completo nasce da união dos dois. Somos incompletos sem o outro, que nos é, a uma só vez, semelhante e diferente. Eis o que nos obriga a ter de nos abrir, nem que seja apenas para existir verdadeiramente, mesmo sendo verdade subsistir no homem uma parte de feminilidade e, na mulher, uma parte de masculinidade. O que, aliás, pode ajudar muito na compreensão um do outro, como também pode induzir a confusões nefastas. De todo modo, o outro permanece para cada um, para cada uma, um mistério, o que supõe uma relação amorosa de respeito. Respeito feito de abertura ao desconhecido, ao que sequer pode ser conhecido. "Osso dos meus ossos e carne da minha carne!": pelo outro, cada um é isto, ou melhor, pode vir a sê-lo. Pois é preciso a intervenção divina, que passe pela decisão da nossa liberdade ao longo de uma história.
Em Gênesis 2, o macho cronologicamente vem primeiro, é anterior. Foi daí que alguns Padres da Igreja tiraram argumento para sustentar a ideia da superioridade do homem sobre a mulher, como também do fato de que foi a mulher quem colheu o fruto da árvore proibida. Ora, o capítulo 2 do Gênesis fez a mulher sair do corpo do homem, com certeza, numa espécie de inversão do nascimento, mas este mesmo homem foi tirado da "poeira do solo". A mulher, portanto, é de origem muito mais nobre. Por todo o relato, podemos ver que a mulher se situa na origem da história. Ela é quem colhe o fruto da árvore e o come.
Quanto ao homem, ele se faz notar por sua passividade: o fruto lhe foi dado, ele o pega sem levantar questão; foi-lhe dito para comer e ele come. Só abre a boca para se desculpar, acusando a mulher e também, indiretamente, o próprio Deus: "A mulher que puseste junto de mim me deu da árvore e eu comi". Estamos assim bem longe do "Osso dos meus ossos e carne da minha carne!". Por fim, enquanto a trajetória da existência do macho desemboca na morte, a da mulher se abre para a vida (3,19 e 20). O macho permanece Adão (Poeira) enquanto a mulher é chamada de Eva (Vivente). É ela quem recebe a promessa da vitória sobre o mal e sobre a morte (3,15). No evangelho, os fariseus interrogam Jesus somente a propósito de um homem que repudia a sua esposa. No final, Jesus irá restabelecer a igualdade, falando da esposa que repudia o esposo. Iguais na falta, ou no sofrimento, também serão iguais no perdão.
O evangelho, contudo, não fala deste perdão. Mas podemos lembrar o encontro de Jesus com a Samaritana, a dos sete maridos, em João 4; e de seu comportamento para com a mulher adúltera, em João 8. Aqui os fariseus que vieram armar-lhe uma cilada, interrogam-no sobre o que é permitido e o que é proibido; ou seja, dizendo de outra forma, permanecem no domínio da lei. Jesus responde saindo do domínio da lei, do jurídico, para passar ao domínio da natureza das coisas. E, ao fazer isto, supera o legal, o jurídico.
Para Gênesis 1, Deus criou de uma só vez o humano, homem e mulher, e a sua unidade é que os faz ser imagem e semelhança do Deus Uno, melhor dizendo, do Deus União. União total que não suprime a diferença, mas, ao contrário, exalta-a, a magnifica. O Pai não é o Filho, o Filho não é o Pai, mas estão em comunhão, existem no único Espírito, que é a sua "substância". A união do homem e da mulher reproduz isto, e o casal humano é o ícone deste Si-Mesmo divino, que Deus pôs no mundo.
Destruir isto, separar o que Deus uniu é ir em sentido inverso ao desta criação que nos faz ser, através da aquiescência da nossa liberdade, a sua imagem e semelhança. Esta liberdade se expressa no matrimônio. Rompê-lo significa "passar a outra coisa" (sentido da palavra adultério), sair, deixar de ser a imagem de Deus. Ora, como já temos dito, até mesmo isto Deus perdoa. Aliás, muitos casamentos desfeitos eram talvez nulos secretamente, por "defeito de intenção", por falta de seriedade na decisão, por reservas implícitas ignoradas ou inconscientemente ocultadas de si mesmos pelos próprios contratantes. Sendo, então, o divórcio uma constatação apenas da nulidade. Que o nosso sim seja sim, sem reservas. E teremos então alcançado a atitude, o amor, de Deus (2 Coríntios 1,19).
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Iguais no perdão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU