09 Março 2018
A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 3,14-21 que corresponde ao Quarto Domingo da Quaresma, ciclo B, do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.
Pode parecer uma observação excessivamente pessimista, mas o certo é que as pessoas são capazes de viver longos anos sem ter ideia do que está acontecendo em nós. Podemos continuar a viver dia após dia sem querer ver o que na verdade move a nossa vida e quem é que dentro de nós toma realmente as decisões.
Não é ignorância ou falta de inteligência. O que ocorre é que, de forma mais ou menos consciente, intuímos que nos vermos com mais luz nos obrigaria a mudar. Uma e outra vez parece cumprir-se em nós aquelas palavras de Jesus: “O que pratica o mal detesta a luz e a afasta, porque tem medo de que a sua conduta seja descoberta”. Assusta nos vermos tal como somos. Sentimo-nos mal quando a luz penetra na nossa vida. Preferimos continuar cegos, alimentando dia a dia novos enganos e ilusões.
O mais grave é que pode chegar um momento em que, estando cegos, acreditemos que vemos tudo com clareza e realismo. Que fácil é então viver sem conhecer-se a si mesmo nem se perguntar nunca: “Quem sou eu?”. Acreditar ingenuamente que eu sou essa imagem superficial que tenho de mim mesmo, fabricada de recordações, experiências, medos e desejos.
Que fácil também acreditar que a realidade é justamente tal como eu a vejo, sem ser consciente de que o mundo exterior que eu vejo é, em boa parte, reflexo do mundo interior que vivo e dos desejos e interesses que alimento. Que fácil também nos acostumarmos a tratar não com pessoas reais, mas com a imagem ou etiqueta que delas me construí eu mesmo.
Aquele grande escritor que foi Hermann Hesse, no seu pequeno livro Meu credo, cheio de sabedoria, escrevia: “O homem que contemplo com temor, com esperança, com cobiça, com propósitos, com exigências, não é um homem, é só um turvo reflexo da minha vontade”.
Provavelmente, na hora de querer transformar a nossa vida orientando os nossos passos por caminhos mais nobres, o mais decisivo não é o esforço por mudar. O primeiro é abrir os olhos. Perguntar-me o que procuro na vida. Ser mais consciente dos interesses que movem a minha existência. Descobrir o motivo último do meu viver diário.
Podemos tomar-nos um tempo para responder a esta pergunta: por que fujo tanto de mim mesmo e de Deus? Por que, em definitivo, prefiro viver enganado sem procurar a luz? Temos de escutar as palavras de Jesus: “Aquele que atua conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se veja que tudo o que faz está inspirado por Deus”.
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Aproximar-nos da luz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU