23 Setembro 2016
«Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino, e dava banquete todos os dias. E um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, que estava caído à porta do rico. Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico. E ainda vinham os cachorros lamber-lhe as feridas. Aconteceu que o pobre morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão. Morreu também o rico, e foi enterrado. No inferno, em meio aos tormentos, o rico levantou os olhos, e viu de longe Abraão, com Lázaro a seu lado.
Então o rico gritou: "Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua, porque este fogo me atormenta’.
Mas Abraão respondeu: "Lembre-se, filho: você recebeu seus bens durante a vida, enquanto Lázaro recebeu males. Agora, porém, ele encontra consolo aqui, e você é atormentado. Além disso, há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, nunca poderia passar daqui para junto de vocês, nem os daí poderiam atravessar até nós’.
O rico insistiu: "Pai, eu te suplico, manda Lázaro à casa de meu pai, porque eu tenho cinco irmãos. Manda preveni-los, para que não acabem também eles vindo para este lugar de tormento".
Mas Abraão respondeu: "Eles têm Moisés e os profetas: que os escutem!’
O rico insistiu: "Não, pai Abraão! Se um dos mortos for até eles, eles vão se converter’. Mas Abraão lhe disse: "Se eles não escutam a Moisés e aos profetas, mesmo que um dos mortos ressuscite, eles não ficarão convencidos".
(Correspondente ao 26º Domingo do Tempo Comum, ciclo C do Ano Litúrgico).
O capítulo do Evangelho de Lucas que lemos neste domingo apresenta-nos a atitude que devemos ter ante a injustiça e a exclusão social. É possível viver como cego, insensível diante de tanto sofrimento? Podemos nos acostumar a escutar ou ler notícias sobre massacres, mortes, índice de pessoas que fogem do seu país procurando uma vida digna, como se fosse uma página de um jornal?
A desigualdade social e a insensibilidade diante do sofrimento de nossos irmãos/ãs estão marcadamente presentes. Os pobres fazem parte da nossa vida?
No texto aparecem três pessoas muito significativas: um pobre chamado Lázaro, um homem rico e Abraão, que o rico chama de Pai Abraão.
No início a situação é muito descritiva: o pobre morre de fome e deseja as migalhas que caem da mesa do rico, enquanto o rico dá um banquete todos os dias e nem sabe da existência do pobre, menos ainda seus desejos e suas necessidades.
O homem que considera-se rico deixa de ser dono e passa a ser escravo de seus bens. Perde sua liberdade!
A desigualdade no Brasil leva a uma luta constante. O Grito dos Excluídos deste ano faz crítica ao capitalismo.
Disse Dom Milton Kenan Junior, bispo da Diocese de Barretos: “Esse sistema é insuportável. É um sistema que seleciona aqueles que merecem e os que não merecem, os que podem e os que não podem. É um sistema que exclui e gera grande massa de humanos vivendo nas periferias do mundo, sem acesso ao que é fundamental e necessário à vida. E leva uma grande massa a se contentar com as migalhas que caem da mesa. É um sistema que nega à grande maioria das pessoas os acessos às condições básicas”.
Lembremos também palavras do papa em diferentes situações quando fala da exclusão social, das injustiças, do sistema que oprime e mata. “É um grave pecado de omissão”! Lutemos por “uma Igreja pobre, para os pobres, dos pobres e com os pobres”! “É a Igreja de Jesus de Nazaré!”
O vírus do acúmulo tem infectado o coração da humanidade fazendo com que nossa passagem pela terra se converta num possuir cada vez mais riquezas materiais, intelectuais e até afetivas só para nós mesmos! Pareceria que as palavras que partilham, solidariedade, serviço, foram excluídas do "vocabulário" moderno.
O homem rico e o pobre Lázaro convivem em nosso país, nosso bairro, nossa comunidade. Abramos nossos olhos e todos nossos sentidos para perceber a realidade que nos rodeia.
Podemos colocar-lhes diferentes rostos e nomes...
Que rápido esquecemos que todos somos filhos de um mesmo Deus “que é a raiz de nossa coragem. Sou livre, sou filho... o Pai me ama e eu amo o Pai! Também somos filhos de uma mesma Mãe terra, dos quais saímos e aos quais todos sem exceção voltaremos. "Nu saí do ventre da minha mãe, e nu para ela voltarei" (Jó 1,21).
Desde este contexto prestemos atenção ao que acontece com o homem rico e com o pobre Lázaro quando são visitados pela "irmã morte", como a chamava São Francisco.
A necessidade de um pouco de comida, de água, se inverte. O pobre participa do banquete eterno e o rico sofre os tormentos que ele mesmo se causou levando uma vida individualista e egoísta.
Um abismo volta a separá-los, e agora quem estende a mão mendigando comida e um pouco de água é o homem rico!
Lucas está nos mostrando que o próprio homem é quem "constrói" sua própria eternidade. O jeito de vivermos nesta terra é o prenúncio do céu que viveremos.
Nós acreditamos num Deus que é Amor, que por amor cria e também por amor sustenta sua criação. Mas não é um Deus que manipula as leis da natureza e muito menos nossa própria vida. Por que nos ama nos deixa livres, só assim poderemos corresponder ao amor!
Fica conosco, no nosso mundo, na nossa história, na nossa própria vida, como diz o salmista, sua graça nos circunda (Sl 139), mas Ele é respeitoso de nossa liberdade, espera pacientemente que O acolhamos.
O texto de hoje mostra claramente que acolher a Deus passa pela compaixão e solidariedade com os que sofrem, com os pobres. São João o dirá fortemente na sua carta: "Se alguém diz: «Eu amo a Deus», e no entanto odeia o seu irmão, esse tal é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê" (1Jo 4, 20).
É por isso que o homem rico não vai para junto do Pai Abraão, a dureza de seu coração o fechou sobre si próprio, o isolou das pessoas e por isso ao morrer só encontra solidão, ninguém o recebe.
Mas parece que seu coração continua pulsando e se lembra de seus familiares, de seus irmãos. Quer adverti-los para que mudem de vida, para que se convertam enquanto há tempo.
A resposta que dá o evangelho derruba por terra toda visão de um Deus milagreiro ou de manifestações especiais. Basta a criação, a vida, as escrituras que nos revelam do próprio Deus. Basta a presença do Ressuscitado atuante no meio de nós.
Em outras palavras, o problema não está em Deus, Ele não está ausente... é o eterno presente.
Somos nós que temos que perceber sua presença nas mais variadas formas de vida e acolhê-lo, fazendo-nos servidores de todos/as. Colocando nossos bens (nossa vida é nosso bem maior) para a construção de um mundo de filhos e filhas de Deus Pai e Mãe de toda a criação.
O bem estar da aparência
Ai daqueles
que saboreiam o doce do açúcar em pratos refinados
mas não têm paladar para a amargura do haitiano que corta a cana;
que olham a beleza nas fachadas dos grandes edifícios
mas não ouvem nas pedras o grito dos operários mal pagos
que passeiam em carros de luxo pelas novas avenidas,
mas não têm memória para as famílias desalojadas como escombros
que exibem roupa elegante em corpos bem cuidados
mas não se preocupam com as mãos que colhem o algodão;
porque deixam resvalar sobre a vida seu olhar de turistas
e não contemplam por trás das fachadas com olhos de profeta!
Ai daqueles
que só veem no pobre uma mão que mendiga
e não uma dignidade indestrutível que busca a justiça;
que só veem nas numerosas crianças marginalizadas uma praga
e não uma esperança para todos que há que cultivar;
que só escutam nos gritos dos pobres caos e perigos
e não ouvem o protesto de Deus contra os fortes;
que só contemplam o sadio, belo e poderoso
e não esperam salvação desde o mais baixo e humilhado,
porque não poderão contemplar a salvação
que brota em Jesus marginalizado desde baixo!
González-Buelta, Benjamin
(Salmos para sentir e saborear internamente as coisas)
KONINGS, Johan. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindis, 1981.
MONLOUBOU, Luis. Leer y predicar el Evangelio de Lucas. Ed: Sal Terrae.España, 1982
LOPEZ, Mercedes y MESTERS, Carlos. O avesso é o lado certo. Círculos bíblicos sobre o Evangelho de Lucas. Ed: CEBI, Paulinas. São Paulo, 1991.
Acesse outros Comentários do Evangelho: clique aqui
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O banquete do amor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU