Por: André | 13 Dezembro 2013
Será que Jesus não foi colocado atrás das grades da prisão das nossas doutrinas, dos nossos preceitos, dos nossos ritos? Nós, muitas vezes, não o desfiguramos ao longo dos séculos colocando-o a serviço dos nossos interesses de todos os tipos? É preciso libertar Jesus para que ele nos liberte. Devemos esperar aquele que está no meio de nós e que ainda não conhecemos. Esse messias nos convida a uma liberdade responsável. Que nesse tempo de Advento possamos alcançar esta graça.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 3º Domingo do Advento – Ciclo A do Ano Litúrgico (15 de dezembro de 2013). A tradução é de André Langer.
Referência bíblica:
Primeira leitura: Is 35,1-6a.10
Segunda Leitura: Tg 5,7-10
Evangelho: Mt 11,2-11
Eis o texto.
Na semana passada, ouvimos o profeta João Batista nos dizer: “Convertam-se, pois o Reino dos Céus está próximo” (Mt 3,2). E ele nos apresentava o sinal: “Ele terá na mão uma pá: vai limpar sua eira, e recolher seu trigo no celeiro; mas a palha ele vai queimar no fogo que não se apaga” (Mt 3,12). Mas, hoje, o mesmo João Batista põe-se a duvidar da sua fé. Ouvindo o que Cristo fazia, ele enviou discípulos para lhe perguntar: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Mt 11,3). O que quer dizer que o Reino anunciado por João Batista não é aquele realizado pelo Cristo ressuscitado. Ele anunciou uma espécie de Deus vingador que se manifestaria através do seu messias, que viria para fazer uma limpeza recompensando os bons e punindo os maus. No momento em que Mateus escreve seu evangelho, esta é exatamente a reação de alguns cristãos da sua comunidade: erramos de messias, uma vez que continuamos a sofrer e há muita injustiça, exclusão e perseguições? Que tipo de messias, de Cristo, esperamos?
1. Um messias que salva
No tempo do Exílio, o profeta Isaías convida o povo de Israel à alegria, porque Deus não pode abandonar os seus; ele quer salvá-los. Para isso, o povo precisa de coragem; deve atravessar o deserto. Mas o deserto a ser atravessado não é o inferno: ele florirá: “Como o narciso, cubra-se de flores transbordando de contentamento e alegria, pois lhe será dado o esplendor do Líbano, a beleza do Carmelo e do Saron. Todos verão a glória de Javé, a beleza do nosso Deus” (Is 35,2). Será preciso também resistência e perseverança: “Fortaleçam as mãos cansadas, firmem os joelhos cambaleantes” (Is 35,3). Será preciso, enfim, confiança: “Digam aos corações desanimados: ‘Sejam fortes! Não tenham medo! Vejam o Deus de vocês. (...) Ele vem para salvar vocês’” (Is 35,4a.c). E estes são os sinais que testemunharão a salvação: “Então, os olhos dos cegos vão se abrir, e se abrirão também os ouvidos dos surdos; os aleijados saltarão como cervo, e a língua do mudo cantará, porque jorrarão águas no deserto e rios na terra seca” (Is 35,5-6). Os primeiros cristãos que leram este texto de Isaías rapidamente compreenderam que essa salvação anunciada pelo profeta devia se realizar com o Cristo ressuscitado. O Cristo veio, mas o deserto continua a ser árido e a guerra e a opressão continuam mais fortes. O que ainda falta?
2. Um messias que responsabiliza
Deus não pode nos salvar prescindindo de nós. Cristo veio: se a injustiça prevalece e o mal persiste é porque nós não nos sentimos responsáveis pela salvação que nos é oferecida. É por isso que Tiago, na segunda leitura de hoje, convida, primeiramente, os cristãos à paciência: “Irmãos, sejam pacientes até a vinda do Senhor. Olhem o agricultor: ele espera pacientemente o fruto precioso da terra, até receber a chuva do outono e da primavera” (Tg 5,7). Mas o agricultor deve trabalhar a terra, ará-la, semeá-la, irrigá-la; caso contrário, não poderá fazer a colheita. São Tiago convida também os cristãos de seu tempo para não julgar os outros: “Irmãos, não se queixem uns dos outros, para não serem julgados” (Tg 5,9a). Enfim, ele os convida à resistência, como os profetas antigos que falaram em nome do Senhor (Tg 5,10).
Ser cristão é ser responsável por sua salvação e pela salvação dos outros; mas a única maneira de chegar a isso não é pela imposição de regras ou de proibições, mas pela firmeza do seu engajamento cristão: “Sejam pacientes vocês também; fortaleçam os corações” (Tg 5,8a). Fortalecer o coração, não é preparar-se inteiramente para acolher humildemente o Cristo que está no meio de nós, no outro, nos outros, sobretudo nos mais pequeninos, nos mais pobres, nos excluídos, nos machucados da vida que são particularmente a presença do Cristo ressuscitado?
3. Um messias que liberta
O evangelho de Mateus nos diz que os sinais da salvação anunciados pelo profeta Isaías realizam-se com o Cristo ressuscitado: “Os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia” (Mt 11,5). João Batista não o vê. Encerrado entre os muros da sua prisão, rumina sua espera. As notícias sobre Jesus o decepcionam: Jesus participa de banquetes, conta histórias, tem encontros estranhos. Pode João Batista se enganar? Deve esperar por algum outro? Penso que encontramos aqui a dualidade cristã que prevaleceu na época de Mateus e que prevalece ainda hoje: aqueles que encerram Cristo nas suas doutrinas, nas suas regras, nos seus ritos, e aqueles que o veem agindo nos lugares não recomendáveis, entre os excluídos, os abandonados...
Os primeiros estão decepcionados: as igrejas se esvaziam, os cristãos perderam suas referências; eles vão para o diabo. É preciso dominar-se, voltar atrás, impor balizas, desconfiar do liberalismo, etc. Encontramos esta atitude não somente na Igreja, mas também na política e em toda a sociedade: procura-se por todos os meios endurecer as leis, impor penas mais pesadas aos delinquentes, punir os criminosos sem possibilidade de reabilitação, sob o pretexto de fazer justiça às vítimas, como se a punição do culpado fosse uma recompensa para as vítimas.
Mas há provas de que esta maneira de proceder, multiplicando as leis, as regras e as proibições, não obtém os resultados esperados. Nos Estados Unidos, onde o crime é mais severamente punido, encontramos mais atos criminosos violentos do que no Canadá. O que quer dizer que a única maneira de reduzir a criminalidade não é reprimindo, punindo ou condenando as pessoas que cometeram algum crime, mas pela educação, pelo acompanhamento, pela reabilitação e pela responsabilização. É a atitude dos outros cristãos que reconhecem o Cristo do Evangelho que liberta em vez de condenar.
Os primeiros estão na prisão, como João Batista; eles ruminam; eles esperam e constroem para si um messias que convém às suas doutrinas: um messias que fará uma limpa na casa e que se imporá por sua pureza, seu rigor e suas virtudes. Mas os outros o veem agindo nesses jovens delinquentes, nesses machucados da vida, nesses pequenos do Evangelho... E é esse tipo de messias que o Cristo encarnou e que encarna ainda hoje...
Para concluir, o teólogo Gérard Bessière escreve: “Aqui surgiu uma grave questão: será que Jesus não foi colocado atrás das grades da prisão das nossas doutrinas, dos nossos preceitos, dos nossos ritos? Nós, muitas vezes, não o desfiguramos ao longo dos séculos colocando-o a serviço dos nossos interesses de todos os tipos? É preciso libertar Jesus para que ele nos liberte. Devemos esperar aquele que está no meio de nós e que ainda não conhecemos”. Esse messias nos convida a uma liberdade responsável. Que nesse tempo de Advento possamos alcançar esta graça.
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