Por: André | 29 Novembro 2013
O Advento é um tempo de preparação para acolher Cristo nessas duas vindas, isto é, para acolhê-lo na sua humanidade, vivendo como nós, e para acolhê-lo na sua divindade, como ressuscitado através da Igreja Corpo de Cristo que somos. As leituras desse domingo nos fazem ver esta dupla realidade.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 1º Domingo do Advento – Ciclo A do Ano Litúrgico (01 de dezembro de 2013). A tradução é de André Langer.
Referência bíblica:
Primeira leitura: Is 2,1-5
Segunda Leitura: Rm 13,11-14a
Evangelho: Mt 24,37-44
Eis o texto.
Um novo ano litúrgico inicia com o evangelista Mateus e, o que é particularmente interessante, nós começamos pelo fim do Evangelho de Mateus, por um discurso apocalíptico, onde Cristo nos fala da sua vinda, ou melhor, da sua segunda vinda... porque o evento Jesus Cristo comporta duas vindas: morte e ressurreição. Este é o mistério da Páscoa, o fundamento da fé cristã, da fé da Igreja. Falando dessas duas vindas, São Cirilo de Jerusalém escreveu: “Nós anunciamos a vinda de Cristo: não apenas a primeira, mas também a segunda, muito mais gloriosa. Pois a primeira revestiu um aspecto de sofrimento, mas a segunda manifestará a coroa da realeza divina. Aliás, tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla dimensão. Houve um duplo nascimento: na primeira vinda, ele foi envolto em faixas e reclinado num presépio; na segunda, será revestido num manto de luz. Na primeira, ele suportou a cruz, sem recusar a sua ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos”.
O Advento é, pois, um tempo de preparação para acolher Cristo nessas duas vindas, isto é, para acolhê-lo na sua humanidade, vivendo como nós, e para acolhê-lo na sua divindade, como ressuscitado através da Igreja Corpo de Cristo que somos. As leituras desse domingo nos fazem ver esta dupla realidade.
Primeira leitura
O autor, o primeiro Isaías, escreveu este oráculo no século VIII a.C., numa situação política tumultuada, onde a invasão das grandes potências vizinhas era uma ameaça para o Reino de Israel, que cairá em 721 nas mãos dos assírios, e para o Reino de Judá, que cairá em 586 nas mãos dos babilônios. A realidade do povo é feita de provas de todos os tipos, mas Deus não pode esquecer sua aliança com o seu povo, o que explica a esperança do profeta Isaías que se traduz em seu texto sobre o futuro: “No final dos tempos, o monte do Templo de Javé estará firmemente plantado no mais alto dos montes, e será mais alto que as colinas. Para lá correrão todas as nações. Para lá irão muitos povos, dizendo: ‘Venham! Vamos subir à montanha de Javé, vamos ao Templo do Deus de Jacó, para que ele nos mostre seus caminhos, e possamos caminhar em suas veredas’. Pois de Sião sairá a lei, e de Jerusalém a palavra de Javé” (Is 2,2-3).
Encontramos duas peculiaridades nessa dupla vinda: a provação e a libertação:
1) Igualdade dos povos: o profeta Isaías não considera o povo de Israel como superior aos outros povos, de sorte que são todas as nações que afluirão para a montanha de Javé. A única supremacia é espiritual e diz respeito à Cidade Santa, Jerusalém, onde se encontra a casa de Deus, o Templo do Senhor.
2) A justiça e a paz: a realidade da guerra na invasão de Israel pela Assíria, e de Judá pela Babilônia, se transformará em realidade de justiça: “Então ele julgará as nações e será o árbitro de povos numerosos” (Is 2,4a), e na realidade de paz: “De suas espadas eles fabricarão enxadas, e de suas lanças farão foices. Nenhuma nação pegará em suas armas contra outra, e ninguém mais vai se treinar para a guerra” (Is 2,4b).
Segunda leitura
Na sua Carta aos Romanos, no trecho hoje lido, São Paulo fala dessas duas vindas: o sono, que corresponde à noite e às trevas, e o despertar (ressurreição), que corresponde ao novo dia, à luz trazida pelo Cristo ressuscitado: “Comportem-se dessa maneira, principalmente porque vocês conhecem o tempo, e já é hora de vocês acordarem. A noite vai avançada, e o dia está próximo” (Rm 13,11a.12a). O que caracteriza a noite e o dia corresponde à realidade humana que é feita de limites e de pobrezas, mas também de superações e de promessa de ressurreição: “Deixemos, portanto, as obras das trevas e vistamos as armas da luz” (Rm 13,12b). Mas, atenção! São Paulo não moraliza; ele simplesmente opõe as coisas relativas ao corpo: “orgias, bebedeiras, prostituição e libertinagem, brigas e ciúmes” (Rm 13,13), às do espírito: “Mas vistam-se do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,14). Revestir-se de Cristo é tornar-se Cristo; é deixar-se habitar pelo Espírito de Cristo.
O Evangelho
Encontramos também essas duas vindas do Cristo no Evangelho de hoje. A primeira, que corresponde à nossa realidade humana, é feita de rotina, de limitações e de finitude: “Porque nos dias do dilúvio todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca” (Mt 24,38). E a segunda vinda corresponde à esperança que nos habita, apesar das provações: “E eles nada perceberam, até que veio o dilúvio, e arrastou a todos. Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem” (Mt 24,39). É por isso que devemos vigiar, isto é, esperar e desejar a segunda vinda, que não sabemos quando e como se dará: “Dois homens estarão trabalhando no campo um será levado, e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada, a outra será deixada” (M 24,40-41). Vigiar é preparar o coração para esta realidade que já está aí, mas que se concretizará na nossa morte pela ressurreição.
O tempo do Advento é o tempo da espera e do querer profundamente Aquele que se fez humano e que virá novamente na nossa Páscoa, quando da nossa passagem da morte à Vida. Quando reconhecemos que, em Jesus Cristo, a vida nos é dada, quando caminhamos na luz do Senhor, apesar da escuridão das nossas noites, nossa esperança está no seu melhor! Podemos, inclusive, dizer que a nossa esperança vela, porque ela exprime a nossa dupla realidade: humana e divina... É o que a Palavra de Deus nos diz ainda hoje.
Para terminar, gostaria simplesmente de citar Jules Beaulac que contou que quando era pequeno e seu avô vinha visitar a ele e sua família, era sempre uma ocasião para grande alegria. Todas as crianças se reuniam demoradamente para limpar a casa para acolher essa pessoa que eles amavam e que as amava. E era com o nariz colado à janela que as crianças esperavam a visita que se anunciava. E se era um pouco esperar o Senhor que vinha. Beaulac escreve: “Não é isto preparar o coração para a visita do nosso amigo Jesus? Não é isto reunir-nos, sem pressa, para fazer uma boa limpeza? E, acima de tudo, vigiar, grudar o nariz na janela da nossa alma, fixar os olhos do nosso coração no Senhor que vem. Esperá-lo com alegria e desejá-lo profundamente”. Para isso, é preciso continuar a caminhada na esperança, porque a luz já está aí!
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A esperança não falha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU