01 Agosto 2013
Domingo passado, aprendemos a rezar. Hoje, aprendemos a nos guardar das falsas seguranças: de que serve acumular sempre mais riquezas para o futuro? O essencial é que coloquemos a nossa vida em conformidade com a verdadeira riqueza: Deus.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras 18º Domingo do Tempo Comum. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1a leitura: Eclesiastes 1,2; 2,21-23
2ª leitura: Colossenses 3,1-5.9-11
Evangelho: Lucas 12,13-21
Falsas seguranças
Na raiz do que mais profundamente fere a humanidade, coletivamente e cada um de nós, encontra-se o medo. Por isso os autores de Gênesis 3 nos descrevem o acidente que veio a afetar toda a existência humana, sendo a entrada do medo na relação entre o homem e Deus, ou seja, entre o homem e Este que o faz existir e crescer. Deus, assim, é considerado suspeito de ter medo de que o homem se torne como Ele. Como pode o homem confiar neste Deus que não é amor, mas mentira e egoísmo? Esta parábola, à sua maneira, nos diz que o medo de não ser, de não ser o suficiente, é mortal. Este é um medo dissimulado: mais do que dizer seu nome, reveste-se de inumeráveis atitudes e condutas. No primeiro plano, o medo de que falte o necessário, de não se receber o que lhe é devido, como este homem que acaba de pedir a Jesus para vir arbitrar a partilha. A cobiça e a avidez por ganhar, do que temos que nos guardar, pode por certo, inicialmente, justificar-se por algum estado de penúria, mas que rapidamente muda de natureza. Logo em seguida, advém a obsessão por acumular «caso aconteça que...», depois, o medo de não ser reconhecido, de não ser apreciado em seu justo valor. Subrepticiamente chega-se até à confusão entre o ser e o ter. O medo de não deixar-se levar suficientemente pela obsessão de ter muito.
Nossas evasões fracassadas
O homem rico da parábola encontra-se prisioneiro desta armadilha. Afinal, podemos nos perguntar se a loucura por entesourar não seria uma conduta destinada a nos fazer esquecer a morte inevitável e freqüentemente imprevisível. Como nos confirmar? Estamos aqui sempre prontos a buscar provas de nosso próprio valor. E tudo pode concorrer para isto: o nosso prestígio, a nossa notoriedade, a nossa popularidade. Estrelas, vedetes, campeões... Todos em busca do centro do pódio! Um barbeiro? Que seja, mas de qualidade! Olhando mais de perto, daí é que decorrem todas as infrações que cometemos contra o Decálogo. Todas estas conduta, é preciso repetir, destinam-se a esconjurar o medo. Medo de não ser suficiente, medo de ser superado, medo de fracassar… Medo de morrer. Pelo medo é que, subjacente, mantém-se a recusa em aceitar-nos assim como somos. Pascal qualificava como «divertimentos» tudo o que empreendemos para não vermos a realidade, para nos evadirmos. O homem rico da parábola, visivelmente, já não tem mais medo: está tranqüilo com todas as reservas acumuladas. No entanto, parece-me que pronuncia palavras demais voltadas a se confirmar. Dir-se-ia que Jesus faz questão de mostrá-lo preocupado em se tranqüilizar. Em todo caso, se chegou até aí, está errado: «Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida.» Devemos entender que a riqueza aqui referida simboliza as outras todas. Na realidade, diante de sua vida e sua morte, este homem tem as mãos vazias. Teria sido completamente diferente se tivesse escolhido ser «rico diante de Deus».
A riqueza diante de Deus
O contrário do medo, gerador de todas as iniciativas que visam manter-nos em segurança, é a fé. Palavra que, aqui, não significa tranqüilidade ou despreocupação. Fé quer dizer até mais do que paz, porque a paz interior pode provir de alguma falta de clarividência ou mesmo de características psicológicas particulares. De fato, neste caso, tudo reside no interior do sujeito. A fé, pelo contrário, projeta-nos para o exterior. A nossa segurança não vem mais de nós mesmos, mas dum outro. O que nos torna ricos aos olhos de Deus é, paradoxalmente, a ausência de toda riqueza, a ausência de toda confiança posta em uma riqueza qualquer. Resumindo: a nossa riqueza é a nossa fé. Fé que, aliás, nunca está só: ela mesma faz nascer este amor de reconhecimento voltado para Deus e que se expande para todos estes outros através dos quais o Todo Outro nos visita. Fé que se investe no presente, mas que lança confiança também para o futuro, tornando-se então esperança. Esta é a nossa riqueza diante de Deus. E quem encontra este tesouro vai vender tudo o que possui, para adquiri-lo (Mateus 13,44-46). A Boa Nova trazida pelo Cristo não são, a princípio, exigências morais ou regras de conduta: é o anúncio de que, com Ele e n’Ele, temos o poder de vencer a morte. No evangelho, Jesus usa a expressão «ajuntar tesouros para si mesmo»: portanto, o que ajuntamos se mantém como nós mesmos, sofrendo a nossa sorte de seres mortais. Salvamos somente o que damos e não teremos dado nada enquanto não tivermos dado a nós mesmos.
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Ricos diante de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU