20 Setembro 2012
Não há fé cristã sem o desejo de encontrar o Outro, Aquele que nos irá completar e que nos fará chegar ao tamanho adulto a que todos estamos destinados.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 25° Domingo do Tempo Comum (23 de setembro de 2012). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Sab 2,12.17-20
2ª leitura: Tiago 3,16-4,3
Evangelho: Mc 9,30-37
As duas lógicas
Os evangelistas abrem o relato da “vida pública” de Jesus com a cena das Tentações. Assim, já desde o princípio é revelado o teor de tudo o que virá em seguida: o Cristo não será nenhum soberano dominador, mas o servidor, a serviço da vida de seus irmãos. Fiel a esta revelação, Santo Inácio, no limiar das contemplações dos feitos e gestos de Jesus, nos faz meditar sobre as duas maneiras contraditórias de nos ligarmos aos outros e a Deus. São duas sabedorias, duas “filosofias” distintas: é preciso escolher! Neste domingo, temos as três leituras em perfeito acordo. A segunda descreve com vigor as consequências desastrosas da vontade de dominação: um universo sem paz e sem justiça, regido pela idolatria do poder, gerador de violência. Violência esta exercida com fúria particular, especialmente contra os mensageiros da paz. Mas poderia ser diferente, se o que estes afirmam é que a verdade do homem está em sua decisão de servir? A primeira leitura descreve de maneira surpreendente a hostilidade dos adeptos do poder contra aquele que proclama a justiça e o amor. Este, depois de proferida a sua mensagem, não pode responder com violência, aos golpes contra ele desferidos. É um texto do livro da Sabedoria que se sobrepõe de modo impressionante aos relatos da Paixão. Estamos aqui, sem dúvida, diante do drama central da humanidade. Podemos com isto desmascarar esta perversa lógica que comanda os conflitos todos que fragmentam e afligem o nosso mundo.
A solidão de Jesus
Ao ler o evangelho de hoje, vemos imediatamente que os discípulos são flagrados na mentira do culto à grandeza, às “potestades e dominações” de que São Paulo nos fala tantas vezes. A cena é impressionante: Jesus caminha em direção à cidade que mata os profetas (Mateus 23,37 e Lucas 13,34) e sabe perfeitamente o que vai lhe acontecer. Os discípulos o seguem; dóceis por fora, mas fechados por dentro à obra que Jesus irá realizar. Nem sequer lhe pedem uma explicação. São dois mundos hermeticamente separados. De um lado, Jesus anuncia que dará sua vida por nós; que irá, então, tornar-se o servo, o “último” (v. 35). Do outro lado, os homens discutem para saber quem deles é o maior, quem é o primeiro, o chefe. Na verdade, Jesus está só; e seguirá até o fim nesta solidão. Os discípulos não estão lá muito à vontade: estão em má consciência. Não respondem a Jesus porque não estão assim tão orgulhosos de seus desejos de grandeza. Mas a intenção de Marcos não é a de informar-nos sobre a psicologia destes homens e nem mesmo de criticá-los. Quando fala sobre eles, está, de fato, falando de nós mesmos. Quaisquer que sejamos, à exceção de uns poucos “santos”, seguimos a Jesus sem muita convicção, sem irmos até o fim. Escondemo-nos de nós mesmos para, enfim, nos escondermos de Deus. Lição de moral? O evangelista quer, antes de tudo, nos confirmar de nossas cegueiras. Esperamos sair-nos melhor do que os discípulos?
A criança
Devemos notar que Marcos não fala mais dos discípulos em geral, como no v. 31; agora, “chama os Doze” à parte (versículo 35). É que esses Doze foram especialmente escolhidos; são destinados a se tornarem os responsáveis em meio ao povo que vai se formar; receberão poderes. Será muito forte a tentação de se acharem “os maiorais”. Todo mundo sabe que existe sim, aqui e ali, certo carreirismo eclesiástico... Jesus “pegou uma criança, colocou-a no meio deles”. No texto, Jesus não diz que é preciso tornar-se como uma criança para entrar no Reino. Penso que se pode considerar isto como subentendido, devido ao v. 14 do cap. 10 e de todos os textos que falam da necessidade de renascer (por exemplo: João 3,5). Aqui, o acento é posto no acolhimento: quem acolhe o menor acolhe de fato o maior: o Cristo, em primeiro lugar, pois se despojou de toda grandeza; e, afinal, o Pai. O caminho para Deus passa, então, pela consideração que temos para com os mais pequeninos, com os mais desprotegidos. Não vamos esquecer que, na Bíblia, a criança é uma das figuras do ser humano que não pode se bastar a si mesma; para existir, tem que contar com o outro, com os outros. Todos estamos então neste ponto; não há fé cristã sem o desejo de encontrar o Outro, Aquele que nos irá completar e que nos fará chegar ao tamanho adulto a que todos estamos destinados (Efésios 4,11-14).
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A verdade do homem está em sua decisão de servir? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU