08 Novembro 2018
Febre amarela, sarampo, malária e Chagas. Essas são algumas das doenças que voltaram a frequentar o noticiário brasileiro em 2018.
A reportagem é de Maíra Mathias, publicada por EPSJV/Fiocruz, 07-11-2018.
Mas a lista de mazelas sanitárias é ainda maior. Inclui vírus que foram introduzidos recentemente no país e já causaram enormes estragos, caso de zika e chikungunya. E outros, de nomes igualmente exóticos, que muita gente nunca ouviu falar, como Mayaro e Nilo Ocidental. Mas não só. Alguns dos mais importantes indicadores de saúde pioraram, depois de anos de avanços. É o caso da mortalidade infantil, que voltou a crescer em 2016. Também, no ano seguinte, da mortalidade materna. E ainda do número de mortes ligadas às principais doenças crônicas, como câncer e diabetes. Como se tudo isso não bastasse, passamos a exibir um recorde nada positivo também para o cenário da saúde: pela primeira vez, o Brasil ultrapassou a marca de 30 homicídios a cada grupo de cem mil habitantes.
Mas por que tantas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo? Para Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, houve piora em componentes importantes do SUS, como assistência e vigilância. “Além disso, vemos a deterioração das condições de vida e isso é reflexo não do sistema de saúde, mas da situação econômica e política do país”, pontua ela, que é epidemiologista e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “A saúde é fruto de uma soma de fatores. E os riscos são distribuídos de maneira desigual entre a população. Num país em que o abismo social é gigantesco, como o Brasil, o corte orçamentário nas políticas sociais e o desmonte de programas voltados para os mais vulneráveis interferem demais nos indicadores de saúde. O quadro é preocupante”, completa.
O Brasil chegou ao século 21 com a chamada tripla carga de doenças: infecciosas, crônicas não transmissíveis e decorrentes da violência. A combinação de enfermidades já superadas por nações ricas com outras identificadas com hábitos de vida das sociedades urbanas e industriais faz com que, no jargão especializado, se diga que o país fez uma transição epidemiológica incompleta.
Na avaliação da médica Maria Glória Teixeira, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), nossa situação é mais desafiante do que a de países com nível de desenvolvimento parecido. “Vivemos numa área tropical, onde os organismos se desenvolvem melhor do que nos países situados em áreas de clima temperado. Daí não termos eliminado todas as doenças infecciosas”, explica a epidemiologista. Ao mesmo tempo, a população foi envelhecendo. “Os idosos precisam de uma atenção continuada, fisioterapia, vários serviços e ações de saúde dos quais ainda não dispomos na quantidade e qualidade suficientes para todos”, cita. E o quadro é ainda mais complexo.
“Temos problemas emergentes, reemergentes e persistentes”, define o infectologista Rivaldo Venâncio, que coordena a área de vigilância em saúde e os laboratórios de referência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os emergentes, como o nome diz, não existiam por aqui. É o caso de zika e chikungunya. Os reemergentes já aconteceram, ficaram um bom tempo controlados, mas voltaram à cena. Foi o caso da dengue na década de 1990, doença hoje endêmica. E pode ser o caso da febre amarela urbana se este ciclo de transmissão retornar passados 75 anos da sua erradicação. Já no rol dos persistentes, temos doenças como a tuberculose. “O Brasil vive há séculos um verdadeiro apartheid social. O modelo de desenvolvimento econômico é excludente e incorporou tudo de pior que houve durante a escravidão, de tal forma que temos um contingente grande da população que vive em condições muito vulneráveis para a ocorrência dessas enfermidades”, lamenta ele.
Na primeira metade do século 20, a maior parte das mortes eram causadas por doenças transmitidas por vetores e parasitas. Na década de 1950, 64% dos brasileiros viviam no campo. Não havia sistema público de saúde. Nem programa de vacinação. “Morria-se muito de doenças que hoje são evitadas”, resume Maria Glória.
Numa comparação com as sete nações latino-americanas mais populosas, ocupávamos nos anos 1960 o penúltimo lugar em mortalidade infantil, pobreza, concentração de renda e anafalbetismo. Com o passar do tempo, o abismo em relação a esses países foi diminuindo. Saímos de incríveis 178 mortes a cada mil crianças menores de cinco anos para 12,4 em 2015. O peso das doenças infecciosas caiu de 50% para 5% do total de óbitos no país ao longo de um período de 80 anos. Alguns dos melhores resultados vieram justamente da redução da incidência das doenças diarreicas e da pneumonia (consideradas as principais causas de mortalidade infantil até hoje pela Organização Mundial da Saúde, OMS), além das enfermidades que são prevenidas por vacinas.
“Erradicamos a varíola em 1973. Os brasileiros com até 45 anos nem chegaram a ser vacinados contra essa doença. Eliminamos a poliomielite há 29 anos. O sarampo em 2016. A rubéola e o tétano neonatal não temos mais”, lista o especialista Akira Homma, presidente do Conselho Político e Estratégico do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), fábrica de várias vacinas.
Em 1960, a expectativa de vida do brasileiro era de 48 anos. Em 2015, chegou a 74. Além das vacinas, os fatores-chave para o salto, de acordo com os pesquisadores, são a melhor qualidade da água, o saneamento, as políticas sociais… e o Sistema Único de Saúde. “Depois do SUS o quadro é muito, muito diferente”, sublinha Maria Glória. “Antes do SUS, o Programa Nacional de Imunizações [PNI], criado em 1973, só abarcava quatro doenças, com uma cobertura mais universal da poliomielite. O aumento da cobertura vacinal a partir de 1990 foi muito grande”, diz ela.
Mas, a partir de 2016, os números começaram a cair. E foi a partir da reintrodução de uma doença, que havia sido erradicada no Brasil naquele ano, que esses dados negativos passaram a ser esmiuçados publicamente. Até 8 de outubro, haviam sido confirmados 2.044 casos de sarampo. E nada menos do que 7.966 permaneciam sob investigação. O Ministério da Saúde considera que o país enfrenta dois surtos: no Amazonas, com 1.629 casos e 7.872 em investigação, e em Roraima, com 330 casos e 94 ainda não confirmados.
Há casos isolados em outros oito estados: Rio Grande do Sul (36), Rio de Janeiro (18), Pará (17), Pernambuco (4), Sergipe (4), São Paulo (3), Rondônia (2) e Distrito Federal (1). Foram confirmados dez óbitos. Nas notas oficiais, o governo tem ressaltado que os surtos estão relacionados à importação do vírus da Venezuela, pois o tipo que está circulando no país é o mesmo verificado por lá.
“O debate está sendo encaminhado de forma enviesada, culpabilizando a Venezuela como responsável pelo sarampo. Ou seja, trabalhávamos com uma suposta cobertura em bons parâmetros e, de repente, entra o sarampo. Veio da Venezuela, mas poderia ter vindo de vários outros países do mundo. O problema não é a imigração, mas nossa vulnerabilidade interna: a baixa cobertura vacinal”, diz Rivaldo.
Segundo levantamento feito pela Abrasco na base de dados do Programa Nacional de Imunizações, foi a partir de 2016 que as médias nacionais começaram a ficar abaixo dos parâmetros recomendados para bloquear as doenças. A queda se manteve ano passado, quando os números pioraram ainda mais. A primeira dose da vacina contra o sarampo, conhecida como tríplice viral, foi aplicada em 96,1% do público-alvo em 2015. Mas em 2017, esse número caiu para 86,7%. A OMS recomenda uma cobertura de, no mínimo, 95%.
“É um vírus altamente contagioso”, destaca Akira. E explica a importância do sucesso das campanhas: “Num cenário ideal, mesmo com 95% da cobertura, 5% das crianças não são vacinadas e, no ano seguinte, mais 5%; acumula-se 10% dessa população. E vai subindo”. Além disso, continua, como nenhuma vacina protege 100% das pessoas – os índices variam entre 95% e 97%, dependendo da faixa etária –, no mínimo, 3% ficam desprotegidas. “E acumula de um ano para o outro. Isso é conhecido como falha primária. A proteção da vacina também vai caindo ao longo do tempo. Dez anos depois, a imunidade cai para 85%, 80%. É a falha secundária. Daí a importância de se atingir 95% de cobertura. E com duas doses, no caso do sarampo, as falhas diminuem consideravelmente”, diz.
Para combater a poliomielite, a temida paralisia infantil, erradicada no país em 1989, o PNI prevê três doses da vacina inativada e uma dose de vacina oral. Nesse caso, a cobertura média caiu de 98,3%, em 2015, para 79,5%, em 2017. O mesmo aconteceu com outros imunizantes do calendário infantil: rotavírus foi de 95,4% para 77,8%; pentavalente de 96,3% para 79,2%; hepatite B ao nascer de 90,9% para 82,5%; meningocócica C de 98,2% para 81,3% e pneumocócica de 94,2% para 86,3%, segundo a Abrasco.
Outro levantamento, este do jornal Folha de S. Paulo, mostrou que uma em cada quatro cidades brasileiras apresentava coberturas abaixo da meta para todas as dez vacinas do calendário infantil. Se as médias são ruins, a situação de alguns municípios tinha atingido o “volume morto”. Em julho, 312 cidades foram advertidas pelo governo federal por não conseguirem imunizar, no ano passado, nem metade do público-alvo contra a pólio. Pouco tempo depois, a Procuradoria dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal cobrou das cidades a adoção de medidas que garantissem a vacinação das crianças.
Até então, o Brasil era reconhecido mundialmente pelo sucesso no controle das doenças imunopreveníveis. Com a crise, veio a pergunta: será possível que os índices estivessem mascarados? “O sarampo mostrou uma fragilidade dos dados porque achávamos que tínhamos uma cobertura vacinal adequada e, na realidade, não tínhamos”, observa Rivaldo Venâncio. O epidemiologista José Cássio Moraes, professor da Santa Casa de São Paulo e um dos autores do levantamento da Abrasco, explica que o último inquérito nacional, feito em 2007, já mostrava que dados das capitais do país não batiam com as informações obtidas pela consulta direta às cadernetas de vacinação das crianças. “Existia uma superestimativa da cobertura pelo dado administrativo, em algumas [cidades] a diferença era maior, em outras menor e em outras coincidia”, lembra. E detalha: “A cobertura vacinal no país não era homogênea mesmo antes de 2015. Só que antes você tinha a média nacional boa com alguns municípios e estados com a cobertura baixa. Agora, a queda é mais generalizada no país”, explica.
“Somos vítimas do nosso próprio sucesso” (Akira Homma) Em 2010, foi introduzido no PNI o sistema de informação nominal em substituição ao esquema anterior, em que as prefeituras informavam o governo federal sobre a quantidade de doses aplicadas. A inovação visava contornar problemas. “A forma atual, que inclui nome, sobrenome e endereço da criança vacinada é melhor do que a anterior, que tinha um caráter mais administrativo. Por exemplo: se o PNI enviou um milhão de doses e sobraram cem mil, quer dizer que foram vacinadas 900 mil crianças? Não é bem assim. O município pode revacinar criança, pode perder doses, enfim, uma série de questões. A contagem nominal dá a informação correta e isso pode ter dado essa diferença sobre a cobertura vacinal”, explica Akira. Para saber em que pé estamos, José Cássio informa que o Ministério da Saúde está preparando um novo inquérito para verificar se a implantação deste sistema está gerando dificuldades no registro. “O sistema depende de banda razoável de internet nas unidades de saúde”, aponta.
De acordo com estudo feito pela Confederação Nacional dos Municípios junto às 312 cidades que receberam o alerta do governo federal (respondido por 239 delas), 54% admitem dificuldades para preencher o sistema de informação do PNI. E 45,6% consideram os dados oficiais pouco confiáveis. Nesse sentido, outra entidade que representa os gestores locais, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), assegura que 60% dessas cidades têm cobertura acima de 80%. As entidades apontam um conjunto de obstáculos ao cumprimento das metas, como a falta de salas de vacinação (34,9%) e desabastecimento (30%). O Conasems, em nota oficial divulgada em julho, afirma que desde 2014 o Ministério da Saúde tem dificuldades para manter o estoque de vacinas. “As faltas, além de constantes, também provocam substituição dos esquemas vacinais, causando dificuldades operacionais e confusão, levando os programas vacinais ao descrédito da população”, diz o texto. Os gestores locais também criticaram a Emenda Constitucional (EC) 95, que estabeleceu uma camisa de força para o orçamento federal até 2036. Começou a valer para a saúde este ano, e daqui em diante, os recursos ficam congelados: só ‘aumentam’ na medida da inflação do ano anterior.
Também os especialistas acreditam que há muitos fatores que precisam ser levados em consideração para explicar a queda nas coberturas vacinais. Para Akira, é preciso se levar em conta os efeitos da crise econômica, com muitos estados e municípios falidos. “Mas eles têm que gritar e dizer que precisam de socorro”, alerta. Na outra ponta, diz, as doenças imunopreveníveis tinham atingido a mais baixa taxa de notificação na história da saúde pública brasileira. “E isso é uma das causas do problema: somos vítimas do nosso próprio sucesso. A população já não se sente ameaçada por essas doenças”, sentencia. Com isso, uma mistura de falsa segurança, exacerbação dos efeitos adversos das vacinas e notícias falsas tem ameaçado o sucesso da imunização em todo o mundo. Em agosto, a OMS emitiu um alerta: a Europa já contabiliza 41 mil casos de sarampo nos seis primeiros meses de 2018. É o pico da década. Por lá, a doença matou 37 pessoas este ano.
Voltada para 11,2 milhões de crianças entre um e cinco anos e conduzida em meio à crise, a campanha nacional de vacinação contra pólio e sarampo este ano enfrentou problemas de baixa adesão. O governo foi obrigado a prorrogá-la por 14 dias: menos de 88% crianças tinham sido imunizadas até 31 de agosto. Foi preciso fazer dois ‘Dias D’. Por fim, o país alcançou a média de 95%. Mas, de novo, a média não diz tudo. Entre as crianças de um ano, 88% foram imunizadas. Entre as 5.575 cidades, 1,8 mil não alcançaram a meta. O Rio de Janeiro chegou ao fim da campanha com o pior índice do país: 83%.
No final de setembro, as sociedades brasileiras de Imunizações e Pediatria lançaram um manifesto pela vacinação compulsória no país. As entidades querem que a apresentação da caderneta de vacina seja pré-requisito para matrículas em creches e escolas, sejam públicas ou privadas. E atentam para um dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que define como obrigatória a imunização nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. E a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) avisou ao governo que se a situação não se normalizar até fevereiro do ano que vem, o país vai perder o certificado de eliminação da doença. A decisão é tomada quando um surto se sustenta ao longo de 12 meses. A Venezuela perdeu o seu em junho deste ano.
“Estamos vendo o retorno do sarampo e o risco de retorno de doenças que tínhamos controlado ou eliminado. Isso tem nos preocupado muito, e nós temos feito barulho, mostrando para a sociedade que temos que manter o nosso Sistema Único, temos que fortalecer a vigilância em saúde e, em particular, o PNI”, alerta Maria Glória, para quem a redução das coberturas vacinais está ligada à crise política que o país vive e com o “desmonte sistêmico” do SUS. Essa também é a conclusão da Abrasco, que dá ênfase à crise de financiamento e na piora dos serviços do SUS como determinantes na limitação do acesso à vacinação. E projeta que com a EC 95 o quadro tende a piorar.
Mas as notícias ruins não pararam por aí. Este ano, ficamos sabendo que três indicadores de mortalidade apresentaram piora a partir de 2016: infantil, materna e o referente a doenças crônicas. De acordo com a médica epidemiologista Maria do Carmo Leal, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), a mortalidade infantil é um dos aspectos mais reveladores da situação de um país. “É um indicador muito importante e sensível às condições de vida não só da criança, mas da população. O começo da vida é quando o ser humano tem o maior risco de morrer. As condições de proteção e atenção à saúde adequada para essa mulher, esse bebê, essa família, funcionam como um escudo para a criança não sofrer com as adversidades do ambiente”, afirma. E exemplifica: sem água saneada e sistema de esgoto adequado, animais como ratos, baratas e moscas vão para dentro das casas e levam restos de fezes e comida putrefata, cheios de bactérias, para cima dos alimentos e para os locais onde a criança vai brincar. “E se, além disso, a criança está desnutrida, criam-se todas as condições para um desfecho desfavorável”, conclui.
O alerta de que as coisas não iam bem nessa seara foi dado pela Fundação Abrinq, que consolidou dados do sistema de informações do Ministério da Saúde referentes a 2016. O levantamento mereceu atenção nacional ao revelar que as mortes de crianças menores de cinco anos haviam aumentado após 25 anos de queda. Além disso, acrescentava a Abrinq, a desnutrição havia aumentado nessa faixa etária, passando de 12,6%, em 2016, para 13,1% em 2017, de acordo com dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, o Sisvan.
Em um primeiro momento, o Ministério da Saúde apontou para alguns números que poderiam explicar o aumento como um efeito colateral da epidemia de zika vírus. O raciocínio era o seguinte: o coeficiente aumentou porque as mulheres evitaram engravidar. Consequentemente, nasceram menos bebês. De fato, em 2016 foram 2,857 milhões de nascimentos, frente 3,017 milhões em 2015. Em números absolutos, o total de óbitos no primeiro ano de vida diminuiu, passando de 37.501 para 36.350. No entanto, o coeficiente de mortalidade infantil (CMI) teve alta em todas as regiões do país, exceto na Sul, chegando a um aumento de 2,4% no país. Em 2015, foram 12,4 óbitos a cada mil nascidos vivos. Em 2016, esse número ficou em 12,7.
Diversos especialistas apontaram que a diminuição no número de nascimentos era uma explicação insuficiente. Isso porque a piora aconteceu no período pós-neonatal, que abarca os óbitos registrados entre o 28º e 364º dias de vida. A região Nordeste foi a mais afetada: o coeficiente de mortalidade nessa faixa etária passou de 3,8 por mil nascidos vivos em 2015 para 4,2 no ano seguinte. Já os óbitos no período neonatal (que acontecem entre zero e 27 dias de vida), ficaram estáveis.
Entre os óbitos com causas definidas, se destaca a diarreia. “Afetou exatamente o Nordeste e as causas que mais aumentaram foram as diarreias. Isso significa mortalidade por pobreza, e na região mais pobre. A diarreia é uma causa que diminui com combate à fome e à desnutrição, com serviços de saúde disponíveis na atenção primária, com renda e, no caso, Bolsa Família – e todos esses fatores sofreram reversão”, lista Maria do Carmo, que explica que as mortes com causas indefinidas, paradoxalmente, também dizem muito. Elas variaram de 5,9% para 7% no período pós-neo-natal (e de 2,2% para 2,6% no geral). “Essa indefinição acontece se você não consegue ter um atendimento adequado, nem a tempo. É a criança que morreu em casa ou chegou morrendo no serviço de saúde. E quando ela fica menos de seis horas, o serviço não é obrigado a definir a causa, muitas vezes é difícil estabelecê-la. Mas isso também está ligado a situações de pobreza e pobreza extrema, à falta de assistência. O Brasil vinha diminuindo as causas mal definidas, as diarreias, as infecções, as desnutrições, que são causas reconhecidamente ligadas à pobreza”, lamenta.
Estima-se que em 1930 o país registrava 162 mortes a cada mil nascidos vivos. A queda lenta, de 1% ao ano, levou a uma taxa de 115 em 1970. Contudo, nas duas décadas seguintes, o ritmo de redução acelerou, alcançando 5,5% por ano. Chegamos ao século 21 com um número muito melhor: 27 mortes para cada mil bebês que nascem. Na edição da revista Ciência e Saúde Coletiva especial sobre os 30 anos do SUS, Maria do Carmo e outros pesquisadores fizeram um balanço tomando como ponto de partida 1990, quando a lei que organiza o Sistema Único foi sancionada, até 2015 (ano dos últimos dados disponíveis na época da redação do texto). No período, a mortalidade por doenças infecciosas intestinais, como diarreia, teve redução de 90%. E as mortes por infecções respiratórias caíram pela metade.
E a mortalidade materna, que diminuiu 43% entre 1990 e 2015, voltou a crescer em 2017. Foram 64 mortes a cada mil nascidos vivos, enquanto no ano anterior o número foi de 62. Mas, diferente das mortes infantis, o país nunca conseguiu chegar a patamares aceitáveis nesse indicador (apesar das evidentes melhoras). Foi um dos piores resultados apresentados pelo Brasil às Nações Unidas na Agenda de Desenvolvimento do Milênio. Na década de 1990, a redução anual foi de 5,5%. Nos anos 2000, houve um desaceleramento, com redução inferior a 2% ao ano. A partir de 2010, há uma pequena recuperação, de 2,4%. Mas ainda temos de três a quatro vezes mais mortes maternas do que países desenvolvidos.
Para entender esse indicador, situa a epidemiologista, é preciso olhar para outro: “Tem que analisar junto com os óbitos por causas perinatais, que são aqueles em torno do momento do parto, que também não caem de maneira tão expressiva. Na verdade, do ponto de vista percentual, essas mortes aumentam e já representam metade dos óbitos antes dos cinco anos. E a mortalidade materna segue um padrão parecido porque é um complexo ali, o bebê que morre, a maioria ali mesmo no hospital, por causas ligadas a razões que vão matar as mães. Caminha mais ou menos junto e tem a ver com assistência pré-natal de qualidade”.
Em 2015, 98% das gestantes receberam algum tipo de atenção pré-natal. O recomendável é que, no mínimo, elas façam oito consultas. Mas o percentual que tem acesso a sete ou mais consultas é menor do que 70%. “Isso é um indicador de que a atenção pré-natal não foi completa”, aponta Maria do Carmo, que coordenou a pesquisa ‘Nascer no Brasil’, de 2011, que mostrou outros problemas. Apenas 35% fizeram exames que precisam ser repetidos, como o de sífilis e HIV. “A quantidade de óbitos por hipertensão arterial, que é a primeira causa no Brasil, indica um certo fracasso no pré-natal. São mulheres que deveriam estar no grupo de risco e ser acompanhadas de forma muito particular”, diz ela. O diagnóstico não é complexo. Se a pressão da mulher for medida em todas as consultas do pré-natal e for subindo, já é sinal de alerta. Agora, se ela não vai à consulta, não vai ser vista. E se vai e o serviço não a vê, ela também é perdida por ser vítima de uma complicação grave que poderia ter sido evitada.
“O serviço de saúde é uma espécie de barreira de proteção quando funciona bem, quando vai ao domicílio buscar essa gestante que está faltando às consultas, sabe o que está acontecendo no domicílio, protege a mulher e a sua família. Temos uma crise, desfinanciamento das políticas públicas, e isso inclui os municípios que pagam as equipes. E tudo isso está acontecendo no Brasil. Um reflexo disso é a piora do padrão de saúde. Onde vai aparecer primeiro? Nas áreas mais sensíveis. Estamos vendo esses aumentos da mortalidade materna e infantil que são uma tristeza para quem acompanhou nossa evolução que não aconteceu com a intensidade que a gente gostaria, mas foi inegável”, lamenta Maria do Carmo.
Outra causa relevante das mortes maternas são agravos provocados por abortos. “Talvez até por essa dificuldade econômica, é possível que as mulheres tenham se submetido mais a abortos, ou se submetido de forma mais precária”, diz, levantando hipóteses. Em um contexto de ascenso do conservadorismo, a descriminalização do aborto, em debate no Supremo Tribunal Federal, parece uma possibilidade cada dia mais distante. Com isso, as mortes decorrentes de abortos inseguros continuarão a puxar esse indicador para cima.
Outro indicador que já teve aumento ligeiro por aqui é a mortalidade geral e prematura por doenças crônicas, indica Gulnar Azevedo, em referência a um levantamento do Ministério da Saúde obtido pelo jornal Folha de S. Paulo que mostra que houve piora na comparação entre 2015 e 2016. A população em geral morreu mais de doenças cardiovasculares, respiratórias crônicas, câncer, diabetes (418,9 óbitos a cada 100 mil habitantes contra 421). Na faixa etária entre 30 e 69 anos, a diferença foi maior: 350,7 contra 354,8.
“Mesmo com essas doenças, as pessoas não deveriam estar morrendo. Poderiam ser acompanhadas e ter qualidade de vida razoável. Tudo isso é reflexo da austeridade”, diz a presidente da Abrasco. E emenda: “Para controlar a hipertensão, evitar que a doença não evolua para um AVC, é essencial medicação. Quando o sistema de saúde não está funcionando bem, ou seja, há dificuldades de acesso, mas também não está distribuindo medicamentos, a tendência é que aumente o número de óbitos evitáveis”. Para ela, é preciso investigar os impactos das mudança no programa Farmácia Popular.
Na avaliação de Gulnar, outro indicador que corre o risco de piorar é a expectativa de vida ao nascer. Hoje, no Brasil, é de 74 anos. Em 1990, era de 68 – um aumento de seis anos. Mas essa tendência, como as demais, também pode ser revertida. “Já ocorreu em países que implantaram políticas de ajuste fiscal”, lembra. Foi o que aconteceu depois da dissolução da União Soviética, como demonstrou um estudo pioneiro publicado no Lancet em 2009. No curto intervalo entre 1991 e 1994 a expectativa de vida na Rússia regrediu cinco anos, chegando a 60. Segundo os pesquisadores, ao mesmo tempo em que houve uma drástica mudança econômica, foram desmontadas as instituições públicas que poderiam refrear a piora nos indicadores sociais, com a ampla privatização dos serviços de saúde.
Recentemente, o mesmo Lancet publicou uma edição especial sobre a Grécia, país engolfado por medidas de austeridade impostas pela União Europeia como “saída” para a crise econômica que se iniciou em 2010. Mas o custo da recuperação, destaca a revista, foi muito alto. Desde então, os salários diminuíram 20% e o desemprego já atinge 43% da população. E essa massa de pessoas não encontrou um sistema de proteção social que pudesse amortecer os efeitos do empobrecimento (e quem constata isso é a ‘insuspeita’ OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O resultado, como mostram os pesquisadores no especial, é o retrocesso em indicadores de saúde. E na própria efetivação desse direito humano: 14,5% dos gregos afirmam não ter acesso a cuidados médicos, quando a média europeia é três vezes menor. Numa comparação entre o período pré-austeridade (2000-10) e o pós (2010-16), as mortes a cada cem mil habitantes aumentaram de 944 para 997. “A expectativa de vida cai em função da piora das condições de vida em geral e também da falta de acesso aos serviços de saúde”, resume a presidente da Abrasco.
A febre amarela é outro caso emblemático que demonstra a complexidade do quadro sanitário do país. A doença tem dois ciclos de transmissão: urbano e silvestre. O primeiro, transmitido por mosquitos Aedes, foi erradicado no Brasil em 1942, cinco anos depois do desenvolvimento da vacina contra a doença. Antes disso, causou epidemias memoráveis que deixaram como saldo milhares de infectados e centenas de mortos. Já no ciclo silvestre, mosquitos de mata – Haemagogus e Sabethes – picam os macacos e, eventualmente, pessoas. Esse tipo de transmissão, contudo, tomou outra dimensão a partir de 2016.
O epicentro foi Minas Gerais, onde ocorreram 764 casos, o equivalente a 98% dos registros da doença no país. Em setembro de 2017, o ex-ministro da saúde, Ricardo Barros, declarou o fim do surto. Mas em dezembro, os casos voltaram – e se espalharam. O vírus passou a circular em uma região com 32 milhões de habitantes, quando no surto anterior esse escopo era de 8,9 milhões. Até agora, foram 2.153 casos confirmados, 744 mortes. Os dois surtos foram os maiores já registrados no país no ciclo silvestre e se comparam, em números, aos estragos feitos pela febre amarela urbana no início do século passado.
Com a extensão da incidência da doença, o ex-ministro anunciou em março a transformação do país inteiro em zona de vacinação contra febre amarela, com público-alvo de 77,5 milhões de pessoas. O prazo para isso ocorrer é até abril de 2019. “A vacina é a única arma realmente eficaz”, destaca o epidemiologista Pedro Tauil, do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília (UnB), para quem a falha principal reside justamente na baixa cobertura vacinal da população exposta. Segundo ele, as ações de combate à febre amarela não se adaptaram às mudanças pelas quais o país passou. “Não estava privilegiando populações das regiões Sudeste, Sul e parte do Nordeste”. Minas Gerais, por exemplo, passou a integrar a zona de recomendação da vacina em 2007. Mas, como se viu, falhou na prevenção.
Tauil escreveu em 2006 sobre o risco de reurbanização da doença. E essa é justamente a maior preocupação dos especialistas hoje, uma vez que os casos aconteceram em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, com níveis de infestação do Aedes aegypti nada desprezíveis. “Ainda não há transmissão pelo Aedes. Diante do número de casos que tivemos em 2017 e 2018, há o risco de as pessoas infectarem esses mosquitos. É preciso evitar a reurbanização através de uma cobertura vacinal muito boa”, recomenda. Em 2017, a vacina atingiu 57,5% do público-alvo. Em 2018, 61%.
A campanha de vacinação, contudo, foi bastante conturbada. Num primeiro momento, havia insegurança em relação aos estoques do imunizante, o que provocou uma corrida aos postos de saúde, com filas enormes e demoradas. Depois, a campanha não conseguiu atingir a meta. Circularam boatos de que a vacina da febre amarela não seria segura, e houve uma sobrevalorização dos casos adversos. No fim de agosto, o Ministério da Saúde apontou risco de retorno do surto diante da confirmação de novas mortes de macacos infectados pelo vírus. A transmissão se manteve mesmo durante o inverno, o que indica possíveis problemas pela frente, já que o pico se concentra entre dezembro e fevereiro.
Ao mesmo tempo, novos desafios surgiram. Também ligados ao Aedes aegypti. Se desde a década de 1990 a dengue toma o cenário nacional, o país viu emergir outros vírus transmitidos por esse mosquito. Em 2014 veio a chikungunya. E, em 2015, a zika. “São dois gravíssimos problemas de saúde pública que trazem componentes novos para a história clínica do país”, destaca Rivaldo. Segundo o último boletim do Ministério da Saúde, de outubro, em 2017 foram registrados mais de 185 mil casos prováveis de chikungunya. Este ano, até 8 de setembro, foram quase 75 mil, sendo 70% deles confirmados. Quando a doença chegou por aqui, há quatro anos, foram contabilizados cerca de 20 mil casos suspeitos, mesmo número de 2015. Em 2016, foi o ápice, com 277 mil ocorrências. Naquele ano, a taxa de incidência chegou a ser de 222 por cem mil habitantes.
Os sintomas da doença são muito parecidos com os da dengue. Mas a chikungunya deixa marcas de caráter crônico. Com a dengue, em no máximo três semanas o caso está resolvido. “Estamos aprendendo a lidar com uma doença cujas manifestações clínicas podem perdurar, geralmente de forma intermitente – piora, melhora – durante meses ou mesmo anos. Estamos acompanhando casos em que as manifestações clínicas continuam depois de três anos do quadro inicial”, conta.
O vírus da zika foi uma surpresa ainda maior. Descoberto por acaso em 1947, em Uganda, ele estava estocado desde 1995 no centro de referência mundial de vírus emergentes, localizado na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Mas não despertava atenção da comunidade científica, nem dos governos. O primeiro surto reportado aconteceu em 2007 numa pequena ilha do Pacífico e, em 2013, atingiu a Polinésia Francesa. Em 2015, todas as atenções se voltaram para o Brasil, onde se desenrolou uma epidemia declarada emergência sanitária de interesse internacional pela OMS. Foi aqui que se descobriu que a infecção provoca uma síndrome congênita. E dentre várias má formações, a microcefalia. De 2015 para cá, foram confirmados 3.226 casos de alterações no crescimento e desenvolvimento de fetos e bebês. E 2.684 permanecem sob investigação. Foram 336 óbitos fetais, neonatais e infantis confirmados e 408 ainda não foram esclarecidos. A maioria dos casos notificados aconteceram no Nordeste (59%), seguido pelo Sudeste (24%). Em terceiro lugar, distante dos outros, está o Centro-Oeste (7%). “A gente estava acostumado, entre aspas, a lidar com alterações congênitas decorrentes de outros vírus que não são transmitidos por mosquito, como a rubéola, ou genéticas”, compara Rivaldo, para dar a dimensão do desafio.
Na avaliação do infectologista, os novos vírus têm tudo para se somar à lista das dores de cabeça nacionais. “A chikungunya tende a assumir uma magnitude maior no Sudeste, em especial no Rio de Janeiro, que viveu no primeiro semestre de 2018 uma epidemia”. Ele estima que de janeiro a junho tenha havido entre 40 e 50 mil casos, embora o sistema de notificação aponte a metade disso. O vírus, diz, está circulando, e continua sendo transmitido para a população suscetível. A elevação das temperaturas e a chegada das chuvas trarão as condições ideais para a multiplicação dos mosquitos. “A tendência é ter uma explosão de chikungunya no Rio, a exemplo do que aconteceu no Ceará e na Bahia. Mas como os índices de infestação do mosquito são elevados em muitos municípios, e por ser o Rio um estado relativamente pequeno com um grande número de habitantes, não ficaria restrita a algumas cidades”, alerta. Os efeitos de uma epidemia assim podem ser permanentes, na medida em que as pessoas vão precisar se afastar do trabalho, procurar os serviços de saúde, precisar de medicamentos…
Em relação à zika, a perspectiva não é muito melhor. “Temos uma forte possibilidade do retorno da zika. Onde e em que intensidade não dá para saber”, diz Rivaldo. “Também não sabemos quando. Mas que ela vai voltar, isso vai”, concorda Maria Glória. A epidemiologista explica que à medida que vão nascendo pessoas “suscetíveis”, vai diminuindo a chamada “imunidade de rebanho”. O vírus da zika é muito parecido com o da dengue, de modo que boa parte das previsões são baseadas no comportamento da doença conhecida por aqui. “Depois de uma epidemia de dengue, uma região fica um, dois, três anos livre. Enquanto isso, epidemias podem estar ocorrendo em outras regiões. Quando entra outro sorotipo do vírus [são quatro], a doença volta a ocorrer na mesma comunidade. A zika tem um único sorotipo. A tendência é que ocorra um ano numa região e não retorne lá. Isso se acontecer o que nós aprendemos com a dengue, não dá pra afirmar categoricamente”, explica Rivaldo. E o SUS está preparado para enfrentar dengue, chikungunya e zika? “No sentido da prevenção, não. Vamos ter que atuar na redução de danos”, diz ele.
Não é possível prever qual será o próximo vírus a se tornar um problema por aqui. No mundo todo, cientistas especulam qual deles pode gerar uma epidemia. A zika, como vimos, é um bom exemplo de como esses agentes patogênicos podem surpreender. Por aqui, a Febre do Nilo Ocidental é um forte candidato. O vírus foi descoberto em 1937. A doença é transmitida principalmente pelo mosquito Culex – o famoso pernilongo – e pode causar encefalite (inflamação no cérebro) e meningite (inflamação das membranas do sistema nervoso) nos casos mais graves. Em 2018, já infectou 1,5 mil pessoas na Europa e causou 115 óbitos. Apareceu nas Américas no final da década de 1990, nos Estados Unidos – país que reportou em 2017 a pior epidemia da doença. Aconteceu em Dallas, cidade que tinha sofrido cinco anos antes um surto.
Por aqui, o primeiro caso de Febre do Nilo em humanos foi confirmado pelo Ministério da Saúde em 2014, no Piauí. A vítima foi um vaqueiro de Aroeiras do Itaim, cidade que fica a 350 km da capital, Teresina. Ele sobreviveu à doença, mas ficou com sequelas neurológicas. De janeiro de 2014 a junho de 2018, foram notificados 324 casos de doença neuroinvasiva grave ao Ministério (não se sabe se são causados pela Febre do Nilo). “A confirmação do caso humano no Piauí ampliou a sensibilidade da vigilância naquele estado, que passou a notificar um maior número de casos, representando 69% do total”, diz o relatório.
Já foram notificadas 81 mortes em animais como cavalos e burros. Desde então, as únicas confirmações vieram do Espírito Santo que, este ano, registrou contágio em cavalos e ficou em estado de atenção. O país monitora a doença desde 2003, por recomendação da Opas. Desde 2016, a doença tem notificação compulsória. No último informe epidemiológico, de agosto deste ano, a pasta afirma que trabalha com a hipótese de que o vírus circula no país, embora não tenha gerado nenhum “evento de maior magnitude”.
“O vírus está circulando”, concorda Rivaldo Venâncio. O infectologista acredita que é possível que, em determinado momento, se estabeleça uma cadeia de transmissão que pode levar a surtos ou epidemias de Febre do Nilo no Brasil. “Não há como saber o quanto isso pode demorar, mas é uma hipótese forte”, diz Rivaldo.
Nessa lista de possíveis ameaças consta também o Mayaro – espécie de “primo” da chikungunya, com sintomas parecidos, incluindo as dores nas articulações que podem se estender por anos. O vírus foi descoberto em 1954 em Trinidad e Tobago, no Caribe. No ano seguinte, foi registrado o primeiro surto da doença no Brasil, no coração do Pará. De acordo com o último boletim epidemiológico disponibilizado pelo Ministério da Saúde, entre dezembro de 2014 a janeiro de 2016, foram registrados 343 casos suspeitos em 11 estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Apenas dez casos haviam sido confirmados: nove no Tocantins e um no Pará. A maior parte permanecia sob investigação.
E, até agora, pelo que se sabe, o Mayaro é transmitido por mosquitos silvestres. “Mas testes já confirmaram que o Aedes aegypti é capaz de transmitir o Mayaro em laboratório”, informa Rivaldo. Seria o ‘pulo do gato’ para o vírus, semelhante ao que aconteceu com a chikungunya, que se adaptou para ser transmitida pelo mosquito urbano. E, assim, essas ameaças se somam a novos e velhos problemas: tudo ao mesmo tempo. Só resta saber o que faremos para enfrentar o que vem pela frente.
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Novos vírus circulam no país, enquanto doenças que pareciam superadas ameaçam voltar à cena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU