24 Julho 2018
A CSU (União Social-Cristã) e a Igreja Católica estão cada vez mais distante: o cardeal Reinhard Marx conversa sobre a tendência para a direita de Markus Soeder e Horst Seehofer, e porque o diabo é populista.
A entrevista é de Patrick Schwarz, publicada por Die Zeit, 18-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eminência, para Horst Seehofer parece que tudo está no devido lugar: resolvido o dissídio sobre o asilo, os partidos irmãos CDU e CSU reconciliados e ele próprio no controle para todos os efeitos - tudo vai muito bem na Baviera e na Alemanha?
Tenho medo e sinto internamente que, sob a superfície, algo está borbulhando. Isso também pode ser sentido pela dureza dos confrontos. E isso tem repercussões. A partir da escolha das palavras até as ofensas pessoais, alguma coisa irá permanecer.
O que está borbulhando?
Tanto na Alemanha como no mundo, sentimos que talvez esteja se encerrando uma época. E por isso que temos que nos preparar para os novos tempos. Não surpreende que existam áreas em fermentação carregadas de tensão.
Nas turbulências do mundo, a Baviera parece uma ilha abençoada. Por que os processos de fermentação são tão fortes justamente aqui em relação à CSU?
Aqui se torna visível um problema que diz respeito a toda a Europa e que acerba as discussões. Parece possível que um partido popular possa cobrir toda a faixa de posições, dos verdes aos conservadores, excluindo justamente apenas as posições da direita radical? Eu entendo perfeitamente que essa não é uma tarefa fácil.
A CSU tem respondido muito bem nas últimas semanas ao problema de acalmar o anseio populista: nos mesmos mostramos a dureza que muitos eleitores obviamente esperam de política. É a estratégia correta?
Um partido que decidiu colocar o C ("cristão") em seu nome assume um compromisso - no sentido da doutrina social cristã, especialmente ao tomar uma posição em relação aos pobres e aos fracos. Pensar que seria melhor se todos nós fossemos para a direita porque o espírito do tempo vai naquela direção, em minha opinião é uma avaliação equivocada de uma situação muito complexa.
De onde veio essa tendência?
Já começa com a escolha das palavras. Constato com preocupação que uma grande parte da sociedade esteja se tronando mais radical no nível verbal. Dessa forma, as pessoas em fuga que chegam às nossas fronteiras, são apresentadas como uma ameaça para ao nosso bem-estar e como pessoas a serem mandadas embora.
Markus Soeder, o presidente dos ministros da Baviera argumenta que as pessoas entendem muito bem o que quer se dizer com "turismo do asilo".
Enquanto isso, o presidente dos ministros da Baviera anunciou que não utilizará mais esse conceito. Tal conceito não é aceitável. Parece que as pessoas estão saindo de férias. Muitos arriscam suas vidas, muitos morrem durante a viagem.
De acordo Soeder, muitos políticos - talvez até mesmo pessoas do clero - não entendem mais as pessoas.
Eu muitas vezes eu falo com as pessoas, e eu vejo que existem opiniões muito diferentes. Ainda mais importante, por isso, é que aqueles que têm responsabilidades no nível político não despertem a impressão de que desde 2015 não tenha sido feito nada. Para todos estava claro - e, naturalmente, também para as Igrejas – que não era possível que todos os anos chegassem ao país um milhão de pessoas. E, de fato, não ocorreu.
Você tem uma solução?
Por muito tempo não ficou claro que somos um país de imigração. Precisamos de um debate claro e aprofundado sobre uma lei para a imigração. Mas não seria uma perspectiva para um mundo justo se nos limitássemos simplesmente a aceitar engenheiros e especialistas em informática de outros países. Os problemas da política do desenvolvimento, da participação e da igualdade de oportunidades deveriam ser considerados em relação ao tema da imigração. A coalizão que temos no governo poderia lidar com essa tarefa e promulgar uma lei sobre a imigração que fosse verdadeiramente tal, e que levasse em consideração as causas das fugas das pessoas.
Horst Seehofer, por ocasião do seu 69º aniversário preparou 69 rejeições ...
Colocar em relação esses dois eventos é algo absolutamente inoportuno, e com razão irritou muitas pessoas.
Por que é como se o estado de necessidade de outros seres humanos tivesse sido para ele um presente de aniversário?
A rejeição de pessoas que não recebem asilo pode ser necessária, mas também com essas pessoas temos uma responsabilidade que começa com a linguagem que usamos. Estamos falando de seres humanos, cada um dos quais tem a nossa mesma dignidade. Ao longo de todo o debate, percebo uma falta de empatia. Fala-se apenas de números e de uma difusa e anônima ameaça.
Por que o populismo é uma tentação tão grande?
O inimigo da natureza humana é o diabo, afirma Inácio de Loyola, porque nos faz ver os outros como inimigos. O populismo tem os mesmos efeitos. Procura em primeiro lugar instalar em nós o medo e, em seguida, vêm a desconfiança, a inveja, a inimizade e o ódio e, no final, talvez até mesmo a violência e a guerra.
O diabo é um grande populista?
Estou convencido de que o homem seja, por natureza, solidário e disponível para ajudar. Mas é presa fácil quando o medo entorpece sua mente. Não é por nada que na Bíblia se repete a exclamação: "Não tenham medo!". Essa é uma mensagem que, como políticos, temos que assumir.
Deixando de lado Seehofer, Dobrindt e Soeder, por que nos últimos tempos a Igreja e a CSU têm problemas uma com a outra?
Basicamente, a relação entre Igreja e Estado na Alemanha é muito boa. Mesmo que nem sempre se compartilhe a mesma opinião, a troca é contínua e positiva. Mas tentamos nos entender mesmo quando temos uma opinião diferente.
Você está fugindo da pergunta.
Não, acho simplesmente que seja importante distinguir a situação normal dos debates individuais. Mas sobre a questão da política migratória certamente revelou-se um problema que é muito mais profundo.
É a CSU que desvia mais para a direita ou a Igreja que vai mais para a esquerda?
Eu não explicaria isso com os conceitos de esquerda-direita. Mas a partir dos anos 1960-70, a Igreja católica assumiu uma visão mais global. A consciência da Igreja alemã desde então vem se caracterizando pela nossa responsabilidade com todo o mundo, como consequência dos nossos compromissos sociais em muitos países. O sistema católico capilar entra profundamente nas feridas do mundo, inclusive e especialmente através de nossas congregações e obras humanitárias.
A Igreja tornou-se mais global e a CSU mais nacional?
Não é possível ser nacionalista e católico, não funciona. Como cristãos, somos ao mesmo tempo patriotas e cidadãos do mundo. É isso mesmo: na política, a tendência atual é mais forte na direção ao "nacional", como autoafirmação. Dessa forma, adquire-se uma forma de ver que não é a nossa: queremos manter o bem-estar dentro do nosso país – um bem-estar que parece estar ameaçado pelo exterior. A Europa não deve tornar-se uma fortaleza, esta sempre foi a nossa convicção, e, em vez disso, agora estamos indo em tal direção. Eu sou da opinião de Jean Monnet: a Europa deveria ser uma contribuição para um mundo melhor. Criativo, aberto e curioso!
Antes da discussão sobre os refugiados, houve aquela sobre o crucifixo com o governo CSU. A partir de 01 de junho foram obrigatoriamente pendurados crucifixos nos escritórios públicos. O senhor perdeu a batalha sobre o crucifixo?
Sou favorável à presença da cruz no espaço público. O que eu critiquei foi a forma com que estava sendo realizada. A cruz não é um símbolo de exclusão que deve ser inserido por avaliações táticas ou manobras políticas. Teria sido melhor se tivesse havido um debate antes com todos os grupos sociais, inclusive com os ateus e com os representantes de outras religiões, para que pudessem compreender a favor do que é a cruz, e que é um sinal que pode unir na perspectiva da dignidade de cada pessoa.
Em consequência do debate sobre o crucifixo o presidente dos ministros Markus Soeder convidou às Igrejas para uma mesa redonda. É verdade que você ficou sabendo disso através dos meios de comunicação?
Sim.
É verdade que o presidente dos ministros recentemente cancelou sua visita para se apresentar ao senhor?
Enquanto isso, a visita aconteceu. Nós nos encontramos várias vezes e discutimos muitas vezes, e continuaremos a fazê-lo.
É verdade que Markus Soeder por ocasião da procissão de Corpus Christi fez gestos como se fosse um desfile da Oktoberfest?
Isso eu não vi.
Parece que você e Markus Soeder podem tornar-se bons amigos ...
Talvez o início não tenha sido entre os mais serenos. Mas eu olho para o futuro de maneira fundamentalmente positiva.
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"Não é possível ser nacionalista e católico". Entrevista com Reinhard Marx - Instituto Humanitas Unisinos - IHU