10 Mai 2018
Donald Trump acionou a contagem regressiva de uma bomba que os europeus buscaram desarmar ao longo dos meses. De janeiro de 2018 até a visita oficial que realizou aos Estados Unidos, o presidente francês Emmanuel Macron (fins de abril), acompanhado depois pela de outros responsáveis, os países europeus envolvidos no acordo nuclear assinado com o Irã, em julho de 2015, em Viena (França, Grã-Bretanha, Alemanha junto a Estados Unidos, Rússia e China - Joint Comprehensive Plano of Action, JCPOA), tentou por todos os meios convencer a administração de Donald Trump para não romper o pacto, cuja negociação, sob o mandato de Barack Obama, demorou mais de dois anos. A tarefa resultou impossível. A dupla meta que consistiu em convencer Donald Trump, por meio de uma série de contrapropostas destinadas a complementar o acordo de 2015 com um novo texto e, ao mesmo tempo, não assediar Teerã acabou colidindo com a intransigência do presidente norte-americano.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12, 09-05-2018. A tradução é do Cepat.
O oráculo mais acertado sobre o que iria acontecer neste dia 8 de maio foi adiantado por Macron, ao final de sua visita, quando disse que Donald Trump se retiraria do acordo com o Irã “por razões domésticas”. Os europeus sempre refutaram o argumento simplista da administração Trump, para a qual “o pacto foi construído a partir de um engano” (Mike Pompeo, secretário de Estado norte-americano). Por sua vez, Trump, durante seu encontro com Macron, retratou o acordo com a grosseria que o identifica. Os qualificativos foram: “ridículo, demente e ruinoso”. Nada a ver com a posição repetida muitas vezes pelos europeus. Para eles, trata-se de um pacto que implica “compromissos precisos, mecanismos de verificação e um controle a longo prazo por parte da Agência Internacional de Energia Atômica”, a AIEA.
O exibicionismo muscular de Trump pôde mais que a razão. Os dirigentes do Velho continente que patrocinaram o texto com Irã viram como, pouco a pouco, o trumpismo ia preparando o terreno da ruptura. Junto com Rússia e China, os outros avalistas, o grupo tinha dois respaldos sólidos na capital norte-americana: Brian Hook, um alto funcionário do Departamento de Estado, e, sobretudo, a peça chave “razoável” que foi Rex Tillerson, o ex-secretário de Estado norte-americano. Contudo, Trump o decapitou em benefício de Mike Pompeo e, com isso, assinou com antecipação o fim de qualquer negociação.
Em fins de abril, na sede da Aliança Atlântica em Bruxelas, Pompeo preparou a primeira granada quando disse que o acordo continha “muitas falhas”. Emmanuel Macron, a chanceler alemã Angela Merkel e depois Boris Johnson, o responsável pela diplomacia da Grã-Bretanha, rumaram a Washington para salvar o pacto. Encontraram portas e ouvidos fechados.
Na Europa, ninguém acredita que Teerã esteja empenhado em desenvolver em segredo um programa nuclear que, conforme reiterou a alta responsável pela diplomacia europeia, Federica Mogherini, suporia “uma ruptura com o Ocidente”, ao mesmo tempo em que, no plano interno, equivaleria a um retrocesso da postura do presidente reformista Hassan Rohani.
A fase que se inicia com a decisão de Donald Trump é tão incerta como perigosa. No último dia 5 de maio, em uma entrevista publicada pelo semanário alemão Der Spiegel, Emmanuel Macron manifestou seu medo de que a postura norte-americana “abra uma caixa de Pandora que poderia conduzir a uma guerra”.
Washington é apenas um dos assinantes do texto, mas seu poderio mundial projeta uma sombra sobre a estabilidade regional e mundial. Donald Trump atuou como se estivesse só, sem o mínimo tato ou responsabilidade para com as outras potências que colocaram fim à crise com Teerã, após inumeráveis negociações.
Em junho de 2017, Trump utilizou o mesmo método quando decidiu sair do Acordo de Paris sobre o clima. Guerra contra o clima e, agora, contra seus aliados e a região do Oriente Médio. O trumpismo abre uma frente que poderá tragar tudo com o desencadeamento de uma guerra entre Israel e Irã, tendo como pano de fundo Síria e o Líbano, as primeiras vítimas em segunda linha.
Pelo Twitter, o presidente francês lamentou uma decisão que, escreveu, faz com que “esteja em jogo o regime internacional de luta contra a proliferação nuclear”.
O que os Europeus farão agora? Tudo aponta que, conforme apareceu em vazamentos na imprensa durante as últimas semanas, o Velho Continente possui um plano B. Desde já, exceto algum servo entre os 28 países da União Europeia, o núcleo forte não se dobrará à demência do mandatário norte-americano. Federica Mogherini ressaltou que o acordo de 2015 “responde a nosso objetivo que consiste em garantir que o Irã não desenvolva armas nucleares. A União Europeia está determinada a preservar o acordo”. A responsável pela diplomacia da UE esclareceu que “enquanto o Irã cumprir”, a União Europeia “aplicará o acordo”. A maior ameaça reside justamente nesse “enquanto o Irã cumprir”.
A negativa de Donald Trump não apenas rompe um acordo que seu próprio país promoveu, não apenas é uma cusparada no rosto da comunidade internacional e dos países que o apoiam, mas também representa um caloroso respaldo aos setores iranianos mais conservadores, que sempre defenderam não se prender a nenhum acordo com o Ocidente.
Com o objetivo de manter o acordo vigente, de não isolar o presidente Hassan Rohani, de conter a influência da ala mais conservadora de Teerã e de demonstrar o compromisso europeu, a UE teceu, até onde se sabe, um modesto plano B com duas vertentes: a primeira consiste em uma linha de créditos que o BEI (Banco Europeu de Investimentos) concederia às empresas que mantiverem negócios com Irã e que, em razão da posição de Washington, não consigam financiamento no mercado mundial. A segunda consiste em evitar que as empresas que já assinaram acordos com Irã ou irão assinar sejam punidas pelo unilateralismo estadunidense. Cabe recordar que isso é justamente o que ocorreu com a chamada lei Helms-Burton, adotada nos Estados Unidos em 1996, mediante a qual se punia qualquer empresa que, independente de sua origem, fizesse negócios com Cuba.
A multinacional francesa Total tem acordos com o Irã que beiram os 5 bilhões de dólares. E não é a única. Siemens, Airbus e Peugeot integram a ampla lista de empresas que selaram vultosos contratos com Irã, após o acordo nuclear de 2015. É altamente provável que muitos dos acordos em curso acabem em nada. A influência dos Estados Unidos é decisiva, na maioria das vezes, para além do que os leitores supõem.
Um exemplo disso é o alucinante relato que a jornalista Sylvie Kauffmann faz no verspertino Le Monde acerca das dificuldades que, em fevereiro passado, Mohammad Javad Zarif, ministro iraniano de Relações Exteriores, passou. Zarif estava em Munique participando da conferência anual sobre segurança. Dali, precisava se deslocar a Moscou, mas nenhuma das empresas que fornecem combustível no Aeroporto de Munique aceitou entregar os 17.000 litros que o avião do chanceler necessitava para chegar à capital russa. Tinham medo que Washington as punisse. Foi necessário a intervenção do governo alemão para que a empresa Bundeswehr abastecesse o avião de Mohammad Javad Zarif.
Isso demonstra as incógnitas do que ocorrerá no futuro. Dezenas de bancos e de atemorizadas empresas seguirão a dança mortal do amo do mundo e das guerras. Com Trump, os Estados Unidos deixaram de ser a primeira potência mundial para se tornar a primeira república das bananas do planeta, cujo poder tem um alcance devastador. Trump matou o acordo, a frágil paz na região, e hipotecou o destino de milhões de seres humanos do Oriente Médio. O colonialismo ocidental segue fazendo estragos no século XXI.
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Trump e o Irã. Contagem regressiva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU