13 Janeiro 2018
“É o Evangelho que retoma o seu primado sobre a lei, sobre a doutrina e sobre a disciplina, necessárias, sim, mas não suficientes para abrir caminhos de esperança e de comunhão para aqueles que se sentem às margens ou até mesmo condenados e excluídos.”
A opinião é do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 12-12-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Seria bom que, em cada diocese, restasse uma obra estrutural de misericórdia como recordação desse Ano Santo.” O desejo do Papa Francisco na abertura do Jubileu da Misericórdia encontrou um terreno fértil em muitas dioceses italianas.
Além disso, a proximidade cotidiana aos homens e às mulheres do seu tempo permite, desde sempre, que dioceses, paróquias, associações e órgãos como a Cáritas, que presbíteros e leigos captem, desde o surgimento, os desconfortos e as dificuldades em que muitas pessoas se encontram ou caem, repentinamente, olhando também mais profundamente e para além das várias “emergências” evidenciadas pelos meios de comunicação.
A Igreja italiana pode ser uma Igreja que ainda custa a se sintonizar com a “conversão pastoral” pedida pelo Papa Francisco, mas se deve reconhecer que, no compromisso com os necessitados, ela mostra uma rara capacidade de escuta. Bastaria pensar em quantos, até mesmo pouco conhecidos, levam a vida de “padres de rua”, capazes de escutar e dar voz aos sofredores, aos pobres, aos descartados da sociedade, em quantas iniciativas são tomadas e renovadas com inteligência e caridade compassiva.
Como esquecer, no início da crise de 2008, a oportuna criação, por parte do cardeal Tettamanzi, em Milão, de um fundo diocesano de solidariedade para as famílias de trabalhadores desempregados?
E se, hoje, a Igreja é acusada de “falsa bondade unidirecional” em relação aos migrantes, é também porque ela soube captar, antes e melhor do que outras instituições, o impacto devastador que uma gestão irracional do fenômeno migratório teria sobre o tecido social.
Assim, neste sábado, abre-se em Albano uma “obra estrutural de misericórdia” que responde eficazmente a uma pobreza oculta: a dos homens separados que, apesar de terem mantido um emprego e o necessário para a simples subsistência, perderam uma casa onde possam viver.
O projeto “Per essere ancora papà” [Para ainda ser pai] oferecerá um teto e um lar para alguns homens – para evitar objeções xenófobas, deve-se enfatizar que sete em cada oito são italianos – encontrados sozinhos, de modo a poder capacitá-los para levar uma existência digna e a poder, por exemplo, acolher calorosamente os filhos confiados ao outro cônjuge nos dias em que isso lhes é permitido.
É um gesto simples que requereu uma elaboração complexa e que testemunha como a Igreja sempre se esforça para ver o ser humano, especialmente quando está em dificuldades, sem julgá-lo, sem discriminar por causa de eventuais “culpas” que o levaram a uma determinada situação.
É o Evangelho que retoma o seu primado sobre a lei, sobre a doutrina e sobre a disciplina, necessárias, sim, mas não suficientes para abrir caminhos de esperança e de comunhão para aqueles que se sentem às margens ou até mesmo condenados e excluídos.
Um evangelho que não agrada aos rigoristas nem àqueles que gostam de exercer um ministério de condenação, mas que é o evangelho de Jesus Cristo. O cuidado pelas pessoas e a busca de aliviar o sofrimento tem o primado sobre toda teoria ou consideração: assim, diante de uma família que se despedaçou, não se fazem perguntas apenas sobre um eventual preceito violado, nem se pesam os percentuais de culpabilidade, mas, acima de tudo, cuida-se do fardo que pesa no coração das pessoas, começando pelas mais fracas.
E isso, para ser feito com inteligência, também requer estruturas, planejamento, atenção aos aspectos mais concretos e cotidianos, como a iniciativa assumida por Dom Semeraro na diocese de Albano. É um sinal tangível daquela “pastoral” que, longe de ignorar a doutrina, encarrega-se de inserir na carne viva das pessoas os princípios e os valores que nascem do Evangelho.
Para fazer isso, são indispensáveis uma proximidade cotidiana, um discernimento das necessidades até mesmo ocultas, uma escuta do grito de dor mesmo quando subjugado e sufocado, uma vigilância sobre o tecido social que se deteriora pouco a pouco.
Assim, o sinal se revela capaz de ir além de toda pertença confessional: os cristãos, na sociedade, são chamados a permanecer perto dos mais fracos, a ir ao encontro das necessidades dos mais pobres, por mais velada e silenciosa que possa ser a pobreza e o sofrimento deles.
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Uma casa para pais separados: é o Evangelho que retoma o seu primado. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU