25 Novembro 2017
O pensamento do Papa Francisco ainda está dirigido aos 250 milhões de migrantes e aos 22,5 milhões de refugiados em todo o mundo. Na sua mensagem para o 51º Dia Mundial da Paz, que será celebrado no próximo dia 1º de janeiro de 2018, ele condena a “retórica” largamente generalizada em muitos países de destino que “enfatiza os riscos para a segurança nacional ou o peso do acolhimento dos recém-chegados, desprezando assim a dignidade humana que se deve reconhecer a todos, enquanto filhos e filhas de Deus”.
A reportagem é de Salvador Cernuzio, publicada no sítio Vatican Insider, 24-11-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Bergoglio é claro: “Quem fomenta o medo contra os migrantes, talvez com fins políticos, em vez de construir a paz, semeia violência, discriminação racial e xenofobia, que são fonte de grande preocupação para quantos têm a peito a tutela de todos os seres humanos”.
Os migrantes, ressalta o papa, citando o seu “amado antecessor”, Bento XVI, nada mais são do que “homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz”. E que, para encontrá-lo, “estão prontos a arriscar a vida numa viagem que se revela, em grande parte dos casos, longa e perigosa, a sujeitar-se a fadigas e sofrimentos, a enfrentar arames farpados e muros erguidos para os manter longe da meta”.
O bispo de Roma convida, portanto, a abraçar “todos aqueles que fogem da guerra e da fome ou se veem constrangidos a deixar a própria terra por causa de discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental”. Mesmo que, como ele adverte, “não basta abrir os nossos corações ao sofrimento dos outros”: “Há muito que fazer antes de os nossos irmãos e irmãs poderem voltar a viver em paz numa casa segura”.
Nesse sentido, urge “um compromisso concreto, uma corrente de apoios e beneficência, uma atenção vigilante e abrangente, a gestão responsável de novas situações complexas que às vezes se vêm juntar a outros problemas já existentes em grande número, bem como recursos que são sempre limitados”.
Ações que o pontífice sintetiza nos quatro verbos-chave já listados na mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2018, “acolher, promover, proteger e integrar”. A estes, acrescenta-se o aviso aos governadores a praticarem “a virtude da prudência”, de modo a estabelecer “medidas práticas, nos limites consentidos pelo bem da própria comunidade retamente entendido, para lhes favorecer a integração”.
Os responsáveis pela coisa público, acrescenta o papa, “têm uma responsabilidade precisa para com as próprias comunidades, devendo assegurar os seus justos direitos e desenvolvimento harmônico”. A eles, portanto, cabe um “discernimento”, de modo a “impelir as políticas de acolhimento até ao máximo dos limites consentidos pelo bem da própria comunidade retamente entendido, isto é, tomando em consideração as exigências de todos os membros da única família humana e o bem de cada um deles”.
Desse modo, as cidades, “frequentemente divididas e polarizadas por conflitos que se referem precisamente à presença de migrantes e refugiados”, podem se transformar em “canteiros de paz”.
Na mensagem, datada de 13 de novembro, festa da padroeira dos migrantes, Santa Francesca Cabrini, o Papa Francisco escava, depois, a raiz da emergência, lembrando que João Paulo II, em vista do Grande Jubileu do ano 2000, já incluiu o crescente número de refugiados entre as consequências de “uma sequência infinda e horrenda de guerras, conflitos, genocídios, ‘limpezas étnicas’ que caraterizaram o século XX”.
E até agora o novo século “não registrou uma verdadeira virada”, observa: “Os conflitos armados e as outras formas de violência organizada continuam provocando deslocamentos de populações no interior das fronteiras nacionais e para além delas”, a começar pelo “desejo de uma vida melhor, unido muitas vezes ao intento de deixar para trás o ‘desespero’ de um futuro impossível de construir. As pessoas partem para se juntar à própria família, para encontrar oportunidades de trabalho ou de instrução: quem não pode gozar destes direitos, não vive em paz”. Sem esquecer a “miséria agravada pela degradação ambiental”.
A maioria, depois, “migra seguindo um percurso legal”, afirma ainda Bergoglio, “mas há quem tome outros caminhos, sobretudo por causa do desespero, quando a pátria não lhes oferece segurança nem oportunidades, e todas as vias legais parecem impraticáveis, bloqueadas ou demasiado lentas”.
O horizonte parece ser totalmente negativo, mas o papa argentino inverte a perspectiva: “Todos os elementos à disposição da comunidade internacional indicam que as migrações globais continuarão a marcar o nosso futuro. Alguns consideram-nas uma ameaça. Eu, pelo contrário, convido-os a vê-las com um olhar repleto de confiança, como oportunidade para construir um futuro de paz”.
Migrantes e refugiados, diz, “não chegam de mãos vazias: trazem uma bagagem feita de coragem, capacidades, energias e aspirações, para além dos tesouros das suas culturas nativas, e deste modo enriquecem a vida das nações que os acolhem”. Mudando o olhar, portanto, será possível “vislumbrar também a criatividade, a tenacidade e o espírito de sacrifício de inúmeras pessoas, famílias e comunidades que, em todas as partes do mundo, abrem a porta e o coração a migrantes e refugiados, inclusive onde não abundam os recursos”.
Mais concretamente, o papa indica a estratégia para “oferecer a requerentes de asilo, refugiados, migrantes e vítimas de tráfico humano uma possibilidade de encontrar aquela paz que andam à procura”. “‘Acolher’ – diz – faz apelo à exigência de ampliar as possibilidades de entrada legal, de não repelir refugiados e migrantes para lugares onde os aguardam perseguições e violências, e de equilibrar a preocupação pela segurança nacional com a tutela dos direitos humanos fundamentais”.
“‘Proteger’ lembra o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum perigo real em busca de asilo e segurança, de impedir a sua exploração”, em particular mulheres e crianças mais expostas aos riscos, abusos e escravidão.
Também é preciso “promover”, escreve Francisco, no sentido de “assegurar às crianças e aos jovens o acesso a todos os níveis de instrução”, a fim de “cultivar e fazer frutificar as suas capacidades”, mas também de ser mais capaz de “ir ao encontro dos outros, cultivando um espírito de diálogo e não de fechamento ou de conflito”.
Por fim, “integrar”, que “significa permitir que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e fecunda colaboração na promoção do desenvolvimento humano integral das comunidades locais”.
Na conclusão da mensagem, o papa deseja que 2018 leve à definição e aprovação pela ONU de dois pactos globais: “Um para migrações seguras, ordenadas e regulares, outro referido aos refugiados”.
Esses acordos, precisamente por serem compartilhados em nível global, “representarão um quadro de referência para propostas políticas e medidas práticas”, assegura o pontífice. Por isso, afirma, “é importante que sejam inspirados por sentimentos de compaixão, clarividência e coragem, de modo a aproveitar todas as ocasiões para fazer avançar a construção da paz: só assim o necessário realismo da política internacional não se tornará uma capitulação ao cinismo e à globalização da indiferença”.
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Migrantes: ''Quem fomenta o medo para fins políticos semeia violência'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU