18 Setembro 2017
“Francisco enfatizou uma fragilidade e imaturidade da fé, exatamente entre aqueles que se sentem como ‘dos seus’", escreve Marcello Neri, teólogo italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 14-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo ele, "com simplicidade e respeito, o Papa Francisco desnudou uma fraqueza nossa, uma inadequação cultural e espiritual da nossa fé. Se há uma razão para lhe sermos gratos, entre nós que sentimos que fazemos parte “dos seus”, é precisamente por isso".
"Francisco jogou a bola para o nosso lado do campo - conclui o teólogo. Agora cabe a nós nos organizarmos devidamente e aprendermos a jogar o jogo com sagacidade e sem rancor. E, jogando em um campo vazio, sem ninguém que a desafia, nenhuma criança jamais se divertiu".
Acho que é fácil perceber um certo esforço, dentro das Igrejas locais, de aproveitar os espaços cada vez mais amplos que o Papa Francisco vem lhes preparando, passo a passo. E não penso aqui naquelas dioceses em que bispos e fiéis não se sentem sintonizados com as linhas que ele vai traçando para um novo imaginário da fé e das comunidades cristãs. Ao contrário, penso justamente naquelas Igrejas locais que sentem e vivem tudo isso como uma bênção há muito tempo esperada.
Como se as possibilidades que de repente se abriram para nós tivessem nos deixado sem fôlego, quase assustados por não podermos mais delegar as responsabilidades da fé, ou de não podermos mais nos entrincheirar atrás da desculpa de um aparato eclesiástico que rema compacto em direções opostas.
É claro, podemos continuar reivindicando lentidões, resistências e até mesmo manobras que obstaculizam a renovação evangélica da Igreja Católica em tempos de Francisco. Porém, se formos honestos até o fim, não podemos deixar de reconhecer que tudo isso não legitima nem dá razão da nossa inércia, do esforço – no plano das Igrejas locais – de dar forma e de habitar as aberturas de horizonte que Francisco entregou em nossas mãos e aos nossos corações.
É um pouco como se um bom timoneiro se encontrasse sem tripulação, pois assim é difícil levar o navio para qualquer porto cobiçado. Não que ela tenha feito um motim, mas é como se, atraída pelas habilidades do timoneiro ao acompanhá-la em mares perigosos, até metas tão longamente esperadas, ela justamente nunca tivesse subido naquele navio. Talvez por medo, talvez por excesso de encantamento.
E ei-la lá, a nossa tripulação, paralisada, olhando o navio dos desejos forçado a velejar na marina de casa, em vez de zarpar para mares abertos, rumo a destinos desconhecidos aos quais o Senhor a envia – sabendo que, embora com toda a sua fragilidade, a viagem trará o devido fruto.
É a sensação que me acompanha desde que a diocese de Hamburgo nos enviou o folheto em que são ilustradas as diretrizes para a introdução, a partir deste ano, do acompanhamento (espiritual e pastoral) dos nossos jovens que estudam teologia para, depois, irem ensinar nas escolas (fundamentais e médias). Não adianta entrar no mérito detalhado da questão; busco apenas fixar a sensação da qual não consigo me livrar desde que o li.
Dito em uma frase: a retórica tenta imitar a inspiração arejada de Francisco; a prática desembarca em um imaginário eclesial muito distante dela. Ou seja, o desejo sincero é o de retraduzir in loco a realidade da Igreja que ele quer inculcar nos nossos corações, mas, no fim, apertamos tudo em um espartilho que não tem nada a ver com ela. E, atente-se bem, quem faz isso somos nós, que estimamos Francisco com convicção; imagine aqueles que se opõem de todos os modos ao seu caminho.
Ou, melhor, não é apenas uma questão de espartilho, de estruturas, mas de uma espécie de habitus que não conseguimos desfazer de modo algum. Por toda a parte, imitamos Francisco, mas não conseguimos vivê-lo, precisamente. Correndo o risco de fazer da sua passagem entre nós como pérolas jogadas aos porcos, de evangélica memória. Sem quase nos darmos conta, mas nem por isso menos responsáveis.
É claro, não estávamos preparados para tudo isso, embora esperássemos isso espasmodicamente. Isso nos pegou de surpresa, mas, depois, não nos preparamos adequadamente. Como se, em todos nós, habitasse uma figura do viver católico que nos parece muito mais segura e confiável do que o estilo cristão proposto por Francisco – aquele que desejaríamos para nós e para os nossos filhotes, com as suas harmonias evangélicas, o calor exigente da misericórdia, a assunção das responsabilidades da fé lá onde ela vive e não lá onde ela é um “negócio” e mercadoria de troca em jogos de poder.
Justamente, não se consegue incorporar esse estilo, nem mesmo reconhecê-lo nos lugares onde ele já está em exercício (dentro e fora das comunidades cristãs). Também nós, paralisados como a tripulação convocada pelo bom timoneiro.
Como se Francisco tivesse enfatizado uma fragilidade e imaturidade da fé, exatamente entre aqueles que se sentem como “dos seus”. De nossa parte, continuar tecendo-lhe elogios, defendendo-o com a espada desembainhada diante de qualquer dissidência, citando-o continuamente e pondo-o em todos os molhos pastorais possíveis e imagináveis não serve de nada.
Com simplicidade e respeito, ele desnudou uma fraqueza nossa, uma inadequação cultural e espiritual da nossa fé. Se há uma razão para lhe sermos gratos, entre nós que sentimos que fazemos parte “dos seus”, é precisamente por isso.
Não esperemos que ele seja o pai espiritual de cada um de nós, embora isso lhe saia muito bem, devo dizer, com a sua habilidade sapiencial de dizer palavras a todos, que sentimos que são dirigidas justamente a nós, precisamente para mim. Dom de uma palavra contemporânea, meticulosamente cultivada nas páginas antigas do Evangelho.
Francisco jogou a bola para o nosso lado do campo. Agora cabe a nós nos organizarmos devidamente e aprendermos a jogar o jogo com sagacidade e sem rancor. E, jogando em um campo vazio, sem ninguém que a desafia, nenhuma criança jamais se divertiu.
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O fôlego curto das Igrejas locais. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU