31 Agosto 2017
Na semana de 14 a 18 de agosto de 2017, 16 membros e um convidado da Comissão Teológica da Conferência de Provinciais Jesuítas da América Latina (CPAL), estiveram em Santo Domingo, República Dominicana, para a sua reunião anual. O encontro aconteceu na Casa de Exercícios Espirituais Manresa Altagracia.
A reportagem é de Hugo C. Gudiel García, jesuíta, San Salvador, El Salvador, publicada por Religión Digital, 30-08-2017. A tradução é de André Langer.
Duas grandes preocupações impuseram-se neste encontro.
No encontro de 2016, a Comissão propôs-se a trabalhar neste ano de 2017, pela primeira vez e pelo primeiro ano, o tema “Repensando o método teológico latino-americano”. Isso porque, efetivamente, “o método é importante na hora de fazer teologia” e este deve ser orgânico e interdisciplinar (V. Martínez, Ecografia). De fato, e neste sentido, a Comissão quer “que seus membros se ajudem e se incentivem a fazer teologia desde a realidade sócio-eclesial latino-americana, favorecendo nela, desse modo, a missão da Companhia de Jesus”.
As questões de fundo que começaram a aparecer gradualmente são: o que é o método teológico latino-americano neste momento da história? Qual é o modo próprio de fazer teologia na América Latina que nos revele a caminhada de Deus nos pobres e na práxis histórica? Quais são as experiências fundamentais que aparecem como ponto de partida dessa teoria teológica que nos levam a historicizar a teologia latino-americana? Como descobrir Deus nas caminhadas da esperança de alguns povos? Como falar de Deus àqueles que foram declarados não-pessoas, invisíveis?
As exposições e comunicações apresentadas e discutidas na reunião foram nove, e giraram em torno das seguintes temáticas: a primeira, “O método em teologia”, por Pedro Trigo, radicado na Venezuela. A segunda, “Fazer teologia a partir da pesquisa participativa. Experiência de um grupo de mulheres portadoras do HIV”; esta é uma pesquisa elaborada em conjunto e apresentada aqui por um dos seus pesquisadores – Víctor Martínez Morales. A terceira, “Maria de Nazaré: modelo de discipulado cristão (cf. Lc 1,26-56): narração de fé de uma pequenina”, do biblista brasileiro Jaldemir Vitório. A quarta, “A teologia latino-americana e o giro descolonizador”, do dominicano e professor do Centro Pedro Francisco Bonó, Pablo Mella, convidado especial para a ocasião.
A quinta apresentação foi sobre “A estética teológica e a Teologia da Libertação”, do teólogo equatoriano Vicente Chong. A sexta, “Alguns elementos em torno a uma teologia da comunidade, para uma sociedade imunitária. A contribuição do Concílio Vaticano II”, do mexicano Raúl Cervera. A sétima, “Um ethos a partir da fragilidade”, de Tony Mifsud, radicado no Chile. A oitava, “A call to evangelism: a missão para além da divisão entre católicos e protestantes”, trabalho elaborado em conjunto pelos estadunidenses Daisy Machado e Eduardo Fernández, apresentado na Comissão por este último.
Além desta primeira preocupação, houve duas realidades e experiências históricas que situaram, entroncaram e radicaram o nosso trabalho teológico em Santo Domingo. Ambas as realidades nos foram apresentadas no Centro Bonó: a realidade social e seu dinamismo, por um lado, e a migração haitiana, por outro.
Na primeira realidade colocou-se de manifesto a importância do atual movimento social dominicano, a Marcha Verde, apresentado por Carlos Pimentel. Trata-se de um movimento social de grandes proporções que conseguiu aglutinar diversos grupos e setores da sociedade civil em torno da corrupção estrutural, “câncer de um povo” (Papa Francisco) e a impunidade. A corrupção generalizada “rompe de maneira direta com o projeto de Deus para a humanidade, porque transforma as relações com as pessoas e as coisas em espaços de exploração e morte, de modo especial ao entabular uma relação idólatra com o dinheiro e o poder” (Companhia de Jesus, Província das Antilhas 2017).
Chamou profundamente a atenção, entre outras coisas, a capacidade dos dirigentes deste movimento social de administrar a pluralidade e a diversidade de procedências dos diferentes setores sociais que o formam: juventudes, classes médias, empresários, hierarquia eclesiástica, etc. Na minha opinião, esta pluralidade e diversidade é um dos sinais dos tempos que merece toda a nossa atenção para discernir teologicamente e descobrir a presença e a ação de Deus na história hoje: é um Deus que também Marcha Verde. Além disso, é interessante a liberdade que o movimento tem para não se deixar confundir, e menos ainda, transformar em um movimento político partidarista. É significativa também a autonomia política e econômica: é efetivamente um movimento autofinanciado pelas coletas e a solidariedade dos próprios integrantes do movimento. É, finalmente, um movimento totalmente pacífico que tem a capacidade e a sabedoria de não cair na provocação violenta das forças policiais e que expressa sua marcha e sua alegria de forma lúdica.
Portanto, e em suma, o movimento social a Marcha Verde expressa a profunda esperança deste povo dominicano que deseja a transparência e a justiça social. Na minha opinião, na Marcha Verde, o Deus dos pobres está se pondo de manifesto no próprio modo de Deus de ser um Deus nômade que vai marchando ele mesmo com este movimento social original.
A segunda experiência que marcou o nosso trabalho teológico foi a da migração haitiana para Santo Domingo, apresentada por Miguel e Elena Lara. Miguel falou sobre os centros de acolhida dos haitianos, onde encontram assistência e são animados a formarem suas associações para que eles mesmos possam defender seus direitos.
Apoiados no vídeo Hasta la Raíz, que expõe a gravidade desta problemática, fomos vendo como desde 2007 nega-se os documentos aos dominicanos nascidos de pais haitianos. Com essa política, quis-se dar aos dominicanos com ascendência haitiana uma morte civil e moral. O problema, então, aparece com toda a sua crueza colocado por eles mesmos do seguinte modo: se eu não sou dominicano nem haitiano, então o que eu sou?
Ressoa, aqui, uma pergunta teológica: como falar de Deus a estes seres humanos que foram declarados por alguns como não-pessoas, e que foram descartados da sociedade dominicana? Como falar de Deus em meio a um racismo institucionalizado que expressa até onde pode chegar a maldade de alguns poucos privilegiados e suas instituições com outras pessoas realmente frágeis?
Em suma, nesta semana tivemos diversas apresentações sobre o método teológico latino-americano com o pano de fundo da Marcha Verde e da migração haitiana para Santo Domingo. A afirmação que, na minha opinião, resume todo o nosso encontro deste ano de 2017 pode ser sintetizado do seguinte modo: a fraqueza, a diversidade, a arte libertadora e a complexificação da pobreza expressada sobretudo nas não-pessoas apareceram como ponto de partida do fazer teológico latino-americano para a Comissão Teológica. Deus está se revelando no frágil, no diverso, na arte libertadora e nas não-pessoas.
Agradecemos, finalmente, a incondicional ajuda, presença próxima e a efetividade do estudante jesuíta Ariel Tejeda, do teólogo Eugenio Rivas e do filósofo do Centro Bonó, Pablo Mella pela acolhida, delicadeza e finas atenções que dispensaram a cada um dos participantes da Comissão durante toda a semana de nossa reunião.
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Repensando o método teológico latino-americano. Comissão Teológica da Conferência de Provinciais Jesuítas da América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU