23 Agosto 2017
Uma campanha eleitoral retórica poderia levar o Brasil a um descarrilamento ainda mais perigoso.
O artigo é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 22-08-2017.
Roupa velha não serve para viagem nova. Aos brasileiros, os possíveis candidatos à Presidência da República, em vez de programas e projetos concretos para um país novo, começam a oferecer a velha comida requentada de sempre: caravanas como as de Dom Quixote e Sancho Pança pelos caminhos empoeirados do interior do país em busca de aventuras e votos, de honrarias e até de ovos recebidos na cara e transformados em marketing. E os programas com os quais se pretende governar um país em transição, que 30% da população abandonaria se pudesse? Que novo Brasil, que novas esperanças oferecem que sejam críveis e que respondam ao que milhões de brasileiros esperam nesse momento?
Algum dos que já se apresentam como candidatos à Presidência disse aos brasileiros o que pensa fazer, concretamente, já no dia seguinte à sua eleição, para que, por exemplo, a violência deixe de ceifar mais vidas no Brasil do que em todo o terrorismo mundial e para devolver à população a tranquilidade em poder sair à rua? O que fará para que a qualidade do ensino nesse país deixe de aparecer no final da fila dos países do mundo nas pesquisas internacionais? E para acabar com a gangrena dos 14 milhões de desempregados, que implicam outros tantos dramas pessoais e atrasam a recuperação da economia?
E para que a justiça possa ter as mãos livres para continuar em sua batalha contra a corrupção do conglomerado político-empresarial? E para uma reforma profunda do sistema judiciário? E para que de uma vez por todas sejam respeitados sem ambiguidades os direitos dos diferentes, e para que a mulher, hoje com apenas 10% de representação no Congresso, possa ter o papel que lhe cabe na construção do país?
Que reforma do Estado oferecem, qual seria o lugar do Brasil no xadrez internacional? O Brasil continuará flertando com os países de democracia duvidosa ou saberá escolher o lado de quem hoje pensa uma nova visão da história, que nos salve das ameaças da volta aos horrores dos velhos fascismos?
O que propõem para que aqueles milhões que saíram da miséria não voltem a cair no abismo e para que os novos resgatados da pobreza, essa classe C cujos votos todos cobiçam, possam ter acesso não só aos objetos, mas à cultura, como alertou Frei Betto? O que propõem para resgatar a economia doente, quais as receitas para acabar com o drama da desigualdade social também entre as mais graves do planeta? Algum deles se atreverá a exigir aos mais ricos os sacrifícios impostos sempre aos que menos têm? Alguém está apresentando, não programas acadêmicos que ninguém lê e entende, mas um projeto concreto, claro, compreensível para todos, com datas de realização que desenhe o novo Brasil da modernidade?
Com os novos meios de comunicação, com as redes sociais frequentadas até mesmo pelos mais pobres e menos escolarizados, hoje é possível chegar a todos as casas, sem necessidade de gastar dinheiro público, para expor as mudanças que se pretende fazer para devolver esperança à sociedade. Aqueles que têm a intenção de governar o Brasil se enganam se acham que nada mudou no coração das pessoas, as quais não querem mais ver os candidatos visitando pobres, beijando crianças ou comendo salgadinhos em bares. Se eles pensam que, passada a tempestade do descaramento total que os governos Dilma e Temer representam, poderão voltar à mesma situação de sempre, inclusive à velha corrupção e aos velhos privilégios, sem nada de novo a oferecer, poderão ter uma bela surpresa.
Um futuro proposto por uma campanha eleitoral meramente retórica, sem nenhum compromisso formal de mudar as coisas e de inaugurar uma nova viagem, poderia levar o Brasil, amanhã, a um descarrilamento ainda mais perigoso do que aquele pelo qual o país já passou. Se, na campanha de 2018, forem apresentados à população os resíduos desidratados da velha política e suas receitas gastas, tudo poderá acontecer, até mesmo uma abstenção maciça nas eleições.
Não se trata de pessimismo. Qualquer pessoa que medir o pulso da sociedade brasileira nos dias de hoje, sobretudo de sua parcela mais jovem, logo se dá conta de duas realidades palpáveis: as pessoas estão cansadas das promessas sempre descumpridas e de salvadores da pátria, qualquer que seja a sua coloração política ao mesmo tempo, sentem vergonha da situação em que se encontra o país, fruto de políticas vazias e da corrupção e exigem uma campanha eleitoral que seja diferente do espetáculo televisivo e puramente mediático do passado. Querem algo que gere esperança e que motive as pessoas. O Brasil moderno ainda está por surgir. O velho agoniza. O país não precisa apenas de coveiros astuciosos. Precisa de alguém com credibilidade e convicção que lhe diga: “Este é o novo Brasil que propomos e que devemos construir juntos”.
Os brasileiros já não querem andar apoiados nas velhas muletas do passado. Querem poder pensar, debater e participar diretamente da reconstrução do país, como já souberam fazer em outros momentos dramáticos de sua história. Não querem esse novo Brasil - arquitetado à sombra, com reformas ambíguas, de costas para a opinião pública, com os olhos visando apenas a sua pura sobrevivência política e a manutenção de seus privilégios ou para se livrar de futuras condenações - apresentado como o maná da nova terra prometida, em um estratagema inventado lá atrás pelo príncipe florentino Maquiavel com sua fórmula mágica de mudar as coisas para que tudo continuasse igual. Será que os pretendentes ao trono, sejam eles de direita, de esquerda ou de centro, entenderão isso antes que seja tarde demais?
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Caravanas quixotescas em vez de programas e projetos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU