17 Agosto 2017
O cardeal Pietro Parolin, que de 20 a 24 de agosto próximo visitará a Rússia, “poderia apresentar-se como mediador que aproxima dois mundos que não devem ser considerados como contrapostos”. Disso está convencido Stefano Caprio, que foi missionário na Rússia e agora é professor de História e Cultura Russa no Pontifício Instituto Oriental de Roma. Nesta entrevista ele analisa os possíveis cenários políticos e eclesiológicos da visita do secretário de Estado vaticano a Moscou, onde deverá reunir-se tanto com o Patriarca ortodoxo Kirill como com o presidente Vladimir Putin, em uma frente em que, além de retomar a “Ostpolitik” do cardeal Agostino Casaroli (do qual é herdeiro), o principal colaborador do Papa Francisco deve enfrentar uma inédita questão de “Westpolitik”, com Donald Trump na Casa Branca.
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 16-08-2017. A tradução é de André Langer.
O que espera desta visita?
Neste momento, a Igreja católica não tem nenhum interesse direto na Rússia. As conversações de anos atrás sobre a possibilidade de uma visita do Papa à Rússia ou sobre a situação dos católicos na Rússia já são superadas. Hoje, os católicos russos são uma presença tranquila, mas reduzida, enquanto uma visita do Papa não é particularmente atual ou interessante. Questões mais difíceis são, pelo contrário, a Ucrânia, sobre a qual o Vaticano tem uma postura bastante intermediária, mais de mediador entre russos e greco-católicos do que formando uma frente com estes últimos, e o Oriente Médio, sobre o qual há uma sintonia entre a política de Putin e a do Vaticano. De um modo geral, podemos dizer que o Vaticano se apresenta como mediador entre a Rússia e o resto do mundo.
Analisemos os dois primeiros temas, principalmente o Oriente Médio. Na sua opinião, há uma total convergência entre Moscou e Roma em relação à Síria e ao Oriente Médio? A Santa Sé parece estar mais atenta do que o Kremlin, por exemplo, para não transformar a defesa dos cristãos da região em uma bandeira ideológica?
Não há uma total convergência, mas há uma convergência de fundo. Os cristãos perseguidos no Oriente Médio são principalmente ortodoxos e a Santa Sé compreende que deve colocar-se em sintonia com a Igreja ortodoxa. A Santa Sé procura evitar os tons exagerados com o mundo islâmico que a ortodoxia tem menos medo para adotar, inclusive porque a Rússia se apresenta como modelo ao dizer: aqui nós integramos o islã e é isso que queremos fazer no Oriente Médio. Não devemos esquecer que a Síria era quase a 16ª república da União Soviética, e ainda hoje muitos licenciados sírios fizeram sua graduação em Moscou. Há um interesse direto da Rússia na Síria, assim como na Terra Santa. A Santa Sé coloca-se do lado dos ortodoxos, tratando de atenuar os tons.
A Ucrânia é um obstáculo nas relações entre a Santa Sé e a Rússia? Como esta situação evoluirá no futuro, tanto em relação ao conflito com a Rússia como com o caso dos chamados uniatas?
Sobre a questão política, como eu disse antes, a Santa Sé mantém uma atitude de mediação entre os interesses em questão. Eu penso que a proposta vaticana é a de apoiar o estatuto particular da Ucrânia oriental e, eventualmente, redefinir a situação da Crimeia, uma passagem que, além disso, levaria ao fim das sanções contra a Rússia.
Quanto à questão dos cristãos, o panorama é muito articulado. Além dos greco-católicos, por exemplo, há uma forte minoria de latinos católicos poloneses, que são anti-russos, mas sobretudo são contra os greco-católicos e quiseram separar a parte ocidental da Ucrânia, ao passo que os greco-católicos gostariam inclusive de retomar a península da Crimeia... Isso poderia criar uma situação em que os greco-católicos, os ortodoxos sob a jurisdição de Kiev e uma parte dos ortodoxos fiéis a Moscou constituíssem juntos uma Igreja ucraniana independente, em comunhão tanto com o Papa como com Moscou e Constantinopla: este era o ideal dos uniatas. Claro, esta questão não encontra uma solução há muito tempo.
É preciso retomar a questão e encontrar novamente uma maneira para que os uniatas voltem a falar com os ortodoxos. O Vaticano poderia facilitar este diálogo, assumindo um papel menos ingênuo do que teve no passado. Não devemos perder de vista, de qualquer modo, que quase a metade da ortodoxia russa, em termos de paróquias e dioceses, encontra-se na Ucrânia, motivo pelo qual se o Patriarca russo Kirill perdesse a ortodoxia ucraniana perderia também a liderança que tem no mundo ortodoxo.
Por que, a partir da carta que o Papa lhe escreveu, na qualidade de presidente do G20, à qual se seguiu uma vigília de oração com o objetivo de desencorajar um já hesitante Barack Obama que se dispunha a bombardear a Síria de Assad, o Papa tem uma relação construtiva, quando não cordial, com Putin, homem político em relação a quem deve se sentir distante, devido a vários aspectos, pessoais e políticos?
Porque a política de Putin acaba sendo bastante compatível com determinados interesses da política vaticana. Em primeiro lugar, a posição da Rússia no cenário internacional, já há alguns anos, é de crítica à globalização compreendida como domínio unilateral estadunidense e ocidental sobre o mundo. A Rússia sempre se opôs a isso, e o Vaticano, antes mesmo do Papa Francisco, mas muito mais com ele, tem este posicionamento, como está claro, por exemplo, no Oriente Médio. A Igreja católica, além disso, tem um grande interesse pela Igreja ortodoxa russa, principal interlocutora no mundo cristão, verdadeira representante do mundo oriental e ortodoxo. E a política de Putin está estritamente relacionada com a exaltação do papel da ortodoxia, um fato que o Vaticano não pode deixar de ver sem grande interesse.
Uma pergunta de fundo: por que a Santa Sé, e este Papa em particular, estão tão interessados na Rússia?
O interesse da Igreja católica pela Rússia é plurissecular, não é nova; estava presente também com os papas do passado. A situação nos últimos 25, 30 anos evoluiu de maneira complexa. Após a “Ostpolitik” da segunda metade do século XX, primeiro houve um grande interesse do Papa João Paulo II, polonês, mas que foi visto por parte de Moscou como uma interferência. No começo dos anos 2000, ou seja, desde o início do governo de Vladimir Putin, as relações se esfriaram, a Igreja ortodoxa vetou qualquer iniciativa da Igreja católica na Rússia.
O gelo que começou a se derreter com a mudança de política promovida principalmente pelo núncio Antonio Mennini, representante da Santa Sé na Rússia de 2002 a 2008, que retomou a linha da “Ostpolitik”: ceder ideologicamente o quanto fosse possível, promover uma eclesiologia mais horizontal, para aproximar Moscou e Roma e por uma visão política global que pretende, visando, sem o predomínio de um lado ou de outro, um mundo cristão capaz de defender em conjunto seus interesses. Esta tendência se acentuou mais porque o Patriarca Kirill colocou em prática uma linha que pode ser definida como de reação russa à degradação moral do Ocidente globalizado, e procurou envolver o Vaticano nesta luta pelos valores éticos, valores tradicionais, e em temas relativos, por exemplo, à questão da família. Isto foi muito mais claro com Bento XVI, que estava em grande sintonia com a ortodoxia russa sobre estes temas, embora, do ponto de vista político, fosse menos propenso a uma “Ostpolitik” ativa.
Agora, com o Papa Francisco, por um lado, a consonância é menor: o Patriarcado russo vê com certa desconfiança as aberturas de Bergoglio. Mas, por outro lado, o Papa argentino promove mais ativamente a “Ostpolitik”, conta com uma concepção eclesiológica sem os excessos do primatismo e que promove relações horizontais com as outras Igrejas cristãs, e está em sintonia com uma visão antiglobalização dos equilíbrios mundiais.
O cardeal Parolin é herdeiro justamente da “Ostpolitik” de seu predecessor Agostino Casaroli, mas parece que neste momento a Santa Sé tem um problema antes de “Westpolitik” com Donald Trump...
Claro que a atual política da Santa Sé é uma “Ostpolitik” bem diferente daquela de Casaroli; é uma “Ostpolitik 2.0”. Os interesses em jogo são diferentes. Agora, talvez, por parte da Santa Sé há a tentativa de posicionar-se do lado da Rússia, não porque se trate de um adversário, mas, pelo contrário, porque pode ser um aliado contra o “adversário comum” que é Trump. Mas precisamos ver o que vai acontecer. Precisamos ver até que ponto Trump é adversário ou aliado de Putin, porque o presidente dos Estados Unidos, por um lado, adota sanções contra a Rússia, mas, por outro, dá sinais de que deseja chegar a certos acordos. Há uma encenação.
O Vaticano também é crítico de Trump, isto está claro, mas também aqui há outro jogo, porque Trump resolve um pouco a relação com os católicos conservadores e assim ele resolve alguns problemas para a Santa Sé. Em síntese, há uma convivência para todos neste triângulo de “Ostpolitik”, que é também de “Westpolitik”. E o cardeal Parolin, neste sentido, poderia apresentar-se como mediador que aproxima dois mundos que não devem ser considerados contrapostos.
Para concluir, o que acha das relações do Papa com o Patriarca ortodoxo Kirill? O encontro em Cuba foi histórico, as relações pareciam quase “fraternas”. Entretanto, a sensibilidade reformadora de Jorge Mario Bergoglio, em relação a temas como a modernidade ou a religião e a política, parece distante da do Patriarca russo.
Em Cuba, o Vaticano, para atingir o objetivo do encontro, evidentemente fez concessões na declaração final. Há declarações sobre os valores tradicionais e sobre a família que não são comuns em Bergoglio, mas, obviamente, um pouco perseguidos por Kirill; em relação à Ucrânia, não se diz nada em defesa dos greco-católicos enquanto vítimas da Rússia, mas, pelo contrário, fala-se sobre a necessidade de as partes em conflito cessarem as hostilidades, uma postura que é favorável à visão russa. Em vez disso, havia muito pouco sobre as teses caras ao Papa argentino: algumas questões ecológicas que não interessam a Kirill (talvez interessem ao Patriarca de Constantinopla Bartolomeu), algumas referências à solidariedade com os refugiados.
No dia seguindo ao encontro, o primeiro-ministro russo, Medvedev, participou de uma conferência internacional sobre a Síria e, pelo menos, a coincidência temporal prestava-se para justificar a postura apoiada por Moscou, isto é, a intervenção russa na Síria. E sim, é verdade que o encontro aconteceu em um território neutro, em Cuba, na América Latina do Papa Bergoglio, mas também é verdade que o contexto, a presença de Raúl Castro, o aeroporto tão soviético... a atmosfera parecia mais Rússia do que ocidental. Esse encontro é um exemplo perfeito da “Ostpolitik” tão bem conduzida por Parolin.
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Parolin em Moscou, mediador entre Putin e os Estados Unidos. Entrevista com Stefano Caprio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU